O general, dirigente do MPLA, sobrinho de Eduardo dos Santos, Bento dos Santos Kangamba acusou hoje Portugal de ingerência nos assuntos angolanos, avisando que Lisboa não tem “consciência jurídica e política” e acrescentando que Angola já não é “escravo” de Portugal.
Por Orlando Castro
T udo indica que o Estado-Maior das Forças Armadas de Portugal colocou os militares portugueses em alerta máximo, não vá o general Kangamba decidir invadir pela via militar (pela económica e financeira já o fez há muito) o Terreiro do Paço.
Sobrinho do Presidente José Eduardo dos Santos e tido como o homem forte da mobilização das estruturas acéfalas do partido no poder desde 1975, Bento dos Santos Kangamba falava (sim, é verdade, o general também fala) sobre o caso dos 15 activistas detidos desde Junho e o apoio público e mobilização portuguesa.
“Se eu fosse português pensava 20 ou 30 vezes antes de falar sobre um estrangeiro. Primeiro tenho que arrumar a minha casa e depois falar sobre os outros. Portugal é um grande país, tem grandes políticos, mas neste momento está em debandada, não tem consciência jurídica e política para se defender nem defender os angolanos. Há necessidade de haver calma que a Justiça será feita”, apontou o dirigente do MPLA, general, empresário e figura de topo no que (não) tange a honorabilidade cívica, política, social e militar.
Isso mesmo foi, aliás, reconhecido pela própria Interpol que o incluiu no “quadro de honra” dos procurados por tráfico de mulheres e prostituição.
Também a Polícia francesa atesta que o general Kangamba é um impoluto cidadão. Segundo a Polícia, em 14 de Junho de 2013, dois carros foram apreendidos, com poucas horas de diferença, em portagens no sul de França. Num deles, foram encontrados dois milhões de euros, em quarenta sacos de cinquenta mil cada. No outro, foram encontrados mais 910 mil euros. Oito homens foram detidos. Pelo menos cinco deles, angolanos, cabo-verdianos e portugueses, estariam relacionados com o general Kangamba.
“Presos políticos não há, nunca existiram. Não vejo a UNITA, a CASA-CE, a FNLA, o PRS, a reclamarem os seus militantes presos. Os que estão presos são jovens que algumas pessoas estão a incentivar para fazerem arruaça que não está prevista na nossa Constituição”, afirmou Kangamba em Julho deste ano, acrescentando – certamente à procura da 13ª estrela de general – que na base da agitação “com cinco ou seis miúdos” estão “outros partidos que querem subir no poder a todo o custo”.
Desta vez está em causa está o apoio de vários sectores da vida portuguesa à situação destes 15 activistas detidos, incluindo Luaty Beirão, de 33 anos, que hoje cumpre o 36º dia em greve de fome exigindo aguardar julgamento em liberdade.
Em Portugal sucedem-se – sem a devida autorização de Kangamba e seus cangaceiros – vigílias e manifestações de apoio aos activistas detidos, invocando sempre a situação de Luaty Beirão, inclusive com protestos junto à embaixada de Angola em Lisboa apelando à libertação dos 15 elementos.
O também secretário do comité provincial de Luanda do MPLA para a Área Periférica e Rural, cargo de relevância nacional e internacional, acusa Portugal de continuar a ingerir-se nos assuntos angolanos, 40 anos depois da independência.
“As pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado soberano”, apontou Kangamba em declarações à Lusa.
“As estruturas da Justiça [angolana] funcionam. Deixem que a Justiça faça o seu julgamento e o resto vamos ver. O que não se admite é o que os portugueses estão a fazer. Estão a acudir a um que tem a mesma cor e os outros que têm cor de carvão ninguém está-lhes a acudir. Isso é feio e é uma coisa que aqui em Angola já não se vive”, disse ainda o general sobrinho do “querido líder”.
Kangamba referia-se em concreto aos apelos à libertação de Luaty Beirão, luso-angolano, que devido ao estado de saúde foi transferido há duas semanas para uma clínica privada, sob detenção.
“Vocês estão a falar do Luaty Beirão, mas estão a esquecer-se que Angola também tem muita gente presa, pessoas com nome. Até generais que estão acusados em crimes, à espera que a Justiça decida e ninguém sai para se manifestar”, criticou.
Reafirmando que o tempo é para “deixar a Justiça trabalhar”, o dirigente do MPLA apelou a Portugal para “acompanhar os angolanos como irmãos”, ao mesmo tempo que rejeita as acusações de ingerência política neste processo.
“Isto não tem nada a ver com o Presidente da República, não tem nada a ver com nenhum partido. Isso tem a ver com a Justiça. A justiça é autónoma”, atirou, garantindo que em Angola “há democracia e liberdade”.
Num aparente endurecimento, nos últimos dias, das relações entre o poder politico em Angola e Portugal, com sucessivas críticas, o general vai mais longe, acusando alguns sectores portugueses de “falarem à toa”.
“Todos aqueles que estão falar em Portugal têm uma faca no coração, que eu e outras pessoas é que ficamos com as coisas dos pais desses senhores [com a independência de Angola]. É claro que fomos nós”, rematou.
[…] Fonte: Folha 8 […]