Bajular é a alma do negócio

Rui Machete, ainda ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, justifica o injustificável – a bajulação portuguesa ao regime de José Eduardo dos Santos. Para Lisboa o que conta são os negócios e não as pessoas. Registemos. Não nos esqueçamos.

Por Orlando Castro

O governo de Lisboa finge que tem alguma dose de preocupação com a situação dos Direitos Humanos em Angola, mas reconhece que o que de facto interessa é a relação com o regime.

Rui Machete, um perito em tapar o Sol com uma peneira e que, conjuntamente com o primeiro-ministro, Passos Coelho, teima em dizer que somos todos matumbos, justifica que Angola tem vindo a fazer progressos em matéria de Direitos Humanos.

Confundindo a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras, Rui Machete defende que é um erro analisar o respeito pelos direitos fundamentais na Europa da mesma maneira como se coloca o problema em África. Tem razão. Na Europa são quase todos brancos, em África são quase todos pretos. Na Europa existem pessoas, em África apenas uma subespécie.

Perante esta criminosa tese, não admira que – de cócoras – Portugal não se atreva a questionar as ordens recebidas de Luanda, nomeadamente em matéria económica.

A muito custo e com aquele ar de quem pede implicitamente desculpa ao ”seu” presidente (Eduardo dos Santos), o ministro português reconhece que talvez existam alguns atropelos por parte do regime do MPLA.

“Aqui ou além essas coisas nunca são em linha recta. Mas essa é uma matéria em que percebemos a sensibilidade da questão, o carácter político”, diz Rui Machete, acrescentando que “Angola tem feito o seu caminho”.

Tem. Como? Com que custos? Isso não interessa, desde que não feche a torneira que liga Luanda a Lisboa. Quanto ao resto, os angolanos que se lixem.

“Temos de aceitar que há realidades que são diferentes. Portanto, por muito que custe aos comentadores que não têm grande responsabilidades nas matérias, e portanto se podem dar ao luxo de dizer o que entenderem, nós não nos arvoramos em juízes em causas alheias. Procuramos sim contribuir para o progresso de Angola”, afirma Rui Machete como se fosse (e ele até julga que é) dono da verdade, tal como aprendeu nos tempos democráticos da ditadura de António de Oliveira Salazar.

Para Rui Machete, citado pela DW, ajudar a diversificar a economia angolana pode ser uma maneira de contribuir para que as exigências em matéria dos Direitos Humanos possam ser mais facilmente satisfeitas. Essa é boa. É o verdadeiro ovo de Colombo.

Rui Machete garante que as relações com Angola estão a passar por “um momento alto” e que os “mal entendidos” com Luanda foram ultrapassados. E como Lisboa só diz o que Eduardo dos Santos autoriza… deve ser verdade.

“Eu penso que esses mal entendidos [nas relações entre os dois países] foram muito exagerados, mas estão definitivamente sanados. Aliás, a amabilidade com o que o senhor Presidente José Eduardo dos Santos me recebeu, e a conversa que tivemos, foi claríssima a esse respeito”, enfatizou em Janeiro o sipaio português, Rui Machete, que acabara se vir a despacho a Luanda.

Ora bem! Não é todos os dias que o Presidente da República (há 36 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito), Presidente do MPLA e Chefe do Governo recebe um sipaio português, mesmo que este seja ministro. Assim sendo, a torneira voltou a abrir-se e certamente compensará os gastos com as lavandarias lusas.

Rui Machete voltou a referir que, nas palavras do chefe de Estado angolano, “os aspectos menores” das relações bilaterais estão agora “ultrapassados”. Menores? E os outros? Isso não interessa.

“É um novo ciclo que se inicia, muito positivo acho eu. Vou muito satisfeito com a receptividade que tive e as conversas que houve. E penso que do lado de Angola também houve o mesmo sentimento de satisfação. Portanto, estamos a viver um momento alto”, rematou o ministro.

Em abstracto, Governo português considera que “há ainda um longo caminho a percorrer para garantir o pleno respeito pela dignidade” das pessoas e a realização dos direitos humanos, cuja declaração universal celebra este ano 67 anos.

É claro que Portugal continua a dizer que está “consciente de que há ainda um longo caminho a percorrer para garantir o pleno respeito pela dignidade da pessoa humana e a realização universal dos direitos humanos”. Em abstracto. É claro.

Portugal, que pertence ao Conselho dos Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, compromete-se – continuamos no reino abstracto – a prestar “especial atenção às violações e aos abusos de direitos humanos ocorridos em situações de conflito, em particular aqueles perpetrados sobre os grupos mais vulneráveis, pugnando pela responsabilização dos autores destes crimes”.

E os abusos que se cometem fora das “situações de conflito” serão considerados? Pelos vistos não. Além disso depende dos locais onde são cometidos. Na Síria ou na Palestina sim, em Angola não.

“A defesa da abolição da pena de morte será ainda uma matéria prioritária”, afirma a nota do Palácio das Necessidades, que refere que Portugal “inspirar-se-á no facto de ter sido um dos países pioneiros a tomar este passo decisivo”.

No CDH, o país “pautará a sua actuação pelo respeito dos princípios a que está vinculado pela Constituição da República Portuguesa, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelas convenções de direitos humanos de que é parte”, menciona o ministério liderado por Rui Machete. Isto, é claro, dependente de quem são os envolvidos-

Portugal compromete-se ainda a exercer as suas funções “advogando o carácter individual, universal, indivisível, inalienável e interdependente dos direitos humanos, sejam civis, culturais, económicos, políticos ou sociais”, e privilegiando o diálogo, “em coerência com a sua vocação universalista de abertura a todos os povos”.

Entre as prioridades do mandato de três anos no CDH, o Governo português aponta também a continuidade da apresentação de resoluções sobre o direito à educação e sobre direitos económicos, sociais e culturais, a eliminação da violência contra as mulheres, a eliminação de todas as formas de discriminação e a protecção de pessoas e grupos mais vulneráveis e os direitos da criança.

Se para tanto for autorizado pelo regime de Angola, Portugal terá no nosso país muito por onde trabalhar. Mas como é certo que não terá tal autorização, o melhor é esquecer qualquer acção efectiva nesta matéria.

Portugal foi eleito, com 184 votos favoráveis num universo de 193 países votantes, para o CDH, organismo da ONU que observa a protecção e a promoção internacional dos direitos humanos. Observa?

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