O ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco defende que é preciso “desbloquear o sistema” em Angola e sugeriu a realização de um referendo para alterar a actual Constituição, que permite que “apenas uma pessoa mande em tudo”.
E m entrevista à agência Lusa a propósito dos 40 anos da (in)dependência de Angola, que se assinalam a 11 de Novembro, Marcolino Moco referiu que, se tivesse abertura política para isso, apresentaria uma candidatura a Presidente que lhe permitisse instaurar um novo sistema.
“Se tivesse esse buraco, hoje a minha candidatura não seria tanto de Governo, mas de realização de um referendo para apresentação de um sistema para Angola, que não se limite a imitar os constitucionalismos ocidentais, mas por outro lado que não aceite o constitucionalismo actual, tanto formal como material, em que só uma pessoa é que manda em tudo”, disse.
O também primeiro secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) (entre 1996 e 2000) lamentou que hoje, passados mais de dez anos depois da paz, Angola ainda não tenha poder autárquico e não haja “sequer possibilidade de alternância porque se calhar o senhor Presidente tem medo de perder as riquezas todas que acumulou durante estes anos para si e para os seus filhos”.
Questionado sobre se a saída de José Eduardo dos Santos do poder é essencial para essa mudança que defende, Marcolino Moco respondeu que “com ele, que em princípio já não devia estar lá, ou sem ele, o que é preciso é desbloquear o sistema porque o grande problema é que o sistema pretende afastar sectores importantes da sociedade da participação da direcção do país”.
“Grave ainda é que não há pudor nenhum em utilizar a riqueza do país para uma família perante a miséria terrível que se vive em Angola”, disse.
Em relação ao MPLA (partido no poder há 40 anos) disse que ainda é militante porque o partido ainda não o expulsou, “como é característico dos partidos autoritários”.
No entanto, disse que não se identifica “em nada” com a actual direcção, “que aceita tudo, subordina-se a tudo, não tem autonomia nenhuma perante a Presidência da República, que é quem manda em tudo, manda no MPLA, manda no Governo e obstaculiza a actividade dos outros partidos”.
Sobre se a contestação social é reflexo também da crise económica, motivada pela descida do preço do petróleo, o ex-governante considerou que sim, mas que resulta também de “um certo cansaço do ocidente, que, dentro da sua hipocrisia, para defender os seus interesses, foi protelando nem que fosse uma pequena chamada de atenção”.
E, neste sentido, considerou, “Portugal assume uma grande responsabilidade pelas facilidades que tem dado ao regime”, alegando que a responsabilidade que Portugal tem para com Angola, “sobretudo pelas relações sanguíneas, culturais”, não são as mesmas que tem, por exemplo, com a China.
“É evidente que Portugal não vai dar ordens a Angola, mas às vezes sente-se que Angola dá ordens a Portugal. Isso é vergonhoso”, disse.
Considerando que o principal problema de Angola passados 40 anos de independência é a concentração do poder numa só pessoa, Marcolino Moco referiu que esta situação foi motivada pela forma precipitada como a descolonização ocorreu, sem que os angolanos estivessem preparados para assumir os destinos do país, e pela guerra civil.
Sobre a maior conquista do país, é peremptório: “a independência, não obstante as condições em que acedemos a ela, que provocou a saída de uma grande parte de angolanos de origem europeia, que naquela altura, a bem ou a mal, eram eles que sustentavam a administração, o sector empresarial para o qual só faltava agregar angolanos de origem tradicional”.
A CPLP e os “negócios sujos”
Marcolino Moco considera que a ideia de puxar a organização para os negócios “é errada”, sobretudo para os “negócios sujos”, que permitiram a entrada da Guiné Equatorial.
“Há uma ideia que eu considero errada, puxar a ideia da CPLP para os negócios, sobretudo negócios sujos, como estes que permitiram que a Guiné Equatorial entrasse, o tal problema da doença endémica que é o petróleo”, diz Marcolino Moco.
Questionado sobre como vê hoje a organização da qual foi o primeiro secretário-executivo, Marcolino Moco considerou que “a CPLP fez, faz e fará sentido”, mas criticou o rumo que está a tomar.
“O mundo ocidental só vê negócios e não resistiram à entrada de outro país ditatorial”, afirmou o também ex-primeiro-ministro angolano, referindo-se à entrada como membro de pleno direito na CPLP da Guiné Equatorial, em Julho de 2014.
Marcolino Moco considerou que a CPLP “faz sobretudo sentido no domínio cultural”, defendendo que a organização devia “promover debates sobre a democracia ou promover a educação”.
Neste sentido, o ex-secretário-executivo sugeriu a criação de uma universidade da CPLP para “defender a língua portuguesa em colaboração com as línguas locais em África e em Timor-Leste”.
Integram a CPLP Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, são Tomé e Príncipe e Timor-Leste.