O Instituto de Fundos Soberanos (IFS) atribuiu ao Fundo Soberano de Angola (FSDEA) oito pontos em dez possíveis, tornando-o no segundo mais transparente em África, a seguir à Nigéria, e nos melhores 30 dos cerca de 80 analisados. Das duas uma. Ou o IFS é uma sucursal do regime ou trata-se, embora de mau gosto, de uma anedota.
D e acordo com a informação publicada no sítio na Internet deste Instituto, que serve de referência para este sector, o Fundo Soberano de Angola, dirigido – por mera coincidência, é óbvio – pelo filho do presidente vitalícia de Angola, obteve oito pontos em dez possíveis no último trimestre do ano passado, ao ser analisado através do Índice de Transparência Linaburg-Maduell.
O FSDEA, liderado por José Filomeno dos Santos, filho do Presidente de Angola desde 1979 e nunca nominalmente eleito, Presidente do MPLA e líder do Governo, consegue inclusivamente ter uma melhor classificação do que o Fundo Pula, do Botswana, que é frequentemente citado como um exemplo de boas práticas nesta área.
Divido em dez alíneas que valem um ponto cada, o IFS analisa a transparência do Fundo, não classificando a qualidade nem a quantidade dos investimentos, mas sim aspectos como a disponibilização de informação sobre a história, as razões para a criação do fundo, a origem da riqueza, a estrutura de accionistas, os contactos e a morada, estratégias e objectivos claros, e valorização do portefólio, entre outros.
“Desde o lançamento em Outubro de 2012, o Fundo Soberano de Angola não perdeu nenhuma oportunidade para sublinhar o seu compromisso com a transparência, apesar de a nomeação de José Filomeno dos Santos, o filho mais velho do Presidente, como presidente executivo, ter estado a ser difícil de vender aos mercados e analistas”, que também olham com “inquietação” para a escolha de uma única empresa de gestão de activos, baseada na Suíça, e fundada por Jean-Claude Bastos de Morais, descrito pela Economist Intelligence Unit como “um privilegiado parceiro de negócios” do presidente do Fundo.
Num comunicado de imprensa colocado na sua página na Internet, relativamente a esta atribuição, o presidente do Fundo, José Filomeno dos Santos, afirma que “a nota positiva do Índice de Transparência Linaburg-Maduell evidencia o compromisso do FSDEA com na aplicação dos princípios recomendáveis e as boas práticas de gestão, definidos pelos Princípios de Santiago, em todos os aspectos da sua governação e actividades” e acrescenta que “esta classificação é um marco importante para o Estado Angolano e demonstra o compromisso do FSDEA com a prestação de um serviço responsável e eficiente para o benefício das gerações actuais e futuras de Angolanos”.
Entre outros fundos lusófonos que aparecem na tabela, destaque para os nove pontos do Fundo brasileiro e para os oito obtidos pelo Fundo de Timor-Leste.
Diz o líder do FSDEA que o país vai ter, em 2015, uma academia para formação no ramo da hotelaria, indústria crescente nos últimos anos, já em construção na província de Benguela.
O projecto, denominado Academia de Gestão da Hospitalidade Angolana, é de iniciativa do FSDEA em colaboração com a Lausane Hospitality Consulting (LHC), empresa suíça de consultoria de capacitação e aconselhamento à gestão, e da divisão de formação de executivos da École Hôtelière de Lausane (EHL).
O FSDEA refere em comunicado que o principal objectivo da futura academia “é proporcionar educação de elevado padrão no ramo da hotelaria aos profissionais mais jovens desta indústria crescente”.
A construção da nova infra-estrutura deverá ser feita por fases, devendo as admissões ocorrerem no quarto trimestre de 2015. A formação abrangerá as áreas de gestão, operações de alimentos e bebidas e culinária.
Segundo o Presidente do Conselho de Administração do FSDEA, José Filomeno dos Santos, o projecto surge como resposta ao crescimento económico exponencial de Angola e a uma necessidade crescente de profissionais capazes no ramo hoteleiro.
“O principal objectivo da academia é prover ensino de melhor qualidade neste ramo a nível do continente. A EHL é uma das melhores escolas a nível mundial, portanto, o facto de que os jovens angolanos, e quiçá, do resto do continente, beneficiarem da sua reconhecida competência e experiência agrada-nos bastante”, lê-se no documento.
O programa da Academia de Gestão da Hospitalidade Angolana enquadra-se nos projectos de desenvolvimento dito social do FSDEA.
Reduzir a carência de quadros nessa área é outro dos objectivos da academia, cujos cursos incluem programas de formação para executivos e cursos de duração curta dedicados a profissionais do ramo, preparados de acordo com os padrões internacionais de serviços de hotelaria.
Recentemente, José Filomeno dos Santos disse ao britânico Financial Times que 1,6 mil milhões de dólares serão investidos em infra-estruturas e hotelaria africanas para compensar a descida do petróleo e intensificar a diversificação das aplicações económicas.
José Filomeno dos Santos referiu que 1,1 mil milhões de dólares (cerca de 880 milhões de euros) seriam alocados a um fundo para investimentos em energia, transportes e outras infra-estruturas em projectos na África Subsaariana, reservando mais de 500 milhões (401 milhões de euros) para outro fundo de investimentos na hotelaria e em projectos ambientais.
No dia 20 de Novembro de 2008, o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, anunciou o estabelecimento de uma comissão especial no sentido de criar as bases para um novo Fundo Soberano de Riqueza (FSR) a fim de promover o crescimento, a prosperidade e o desenvolvimento socioeconómico em Angola.
Em 2011, o Fundo foi legalmente ratificado e oficialmente estabelecido como o Fundo Soberano de Angola em 2012, com uma dotação inicial de USD 5 biliões.
Com sede em Luanda, o Fundo actualmente gere uma carteira significativa de investimentos. Em conformidade com a política e as orientações de investimento do Fundo Soberano de Angola, a sua carteira de investimentos será distribuída gradualmente por várias indústrias e classes de activos, incluindo acções públicas e privadas; obrigações; moeda estrangeira; derivados financeiros; produtos base; títulos do tesouro; e fundos imobiliários e fundos de investimento.
Ao procurar investimentos que geram rendimentos financeiros e sustentáveis a longo prazo, o Fundo Soberano de Angola representará um papel importante na promoção do desenvolvimento socioeconómico de Angola através da criação de riqueza para o povo angolano.
Recorde-se que, em Junho do ano passado, o Financial Times dedicou um extenso artigo de análise a Angola, apresentando o nosso país como um exemplo dos casos em que a abundância de recursos naturais não chega à grande maioria da população.
O artigo, assinado pelos jornalistas Andrew England and Javier Blas, começava por reflectir a semelhança da vida nocturna em Luanda e no Rio de Janeiro para explicar que todos esperam que essa semelhança se revele também nas reservas de petróleo no pré-sal, uma espécie de camada por baixo do fundo do mar.
“Algumas das maiores companhias mundiais de petróleo estão a apostar milhares de milhões de dólares que Angola também tenha reservas similares”, que no caso do Brasil estão já comprovadas e quantificadas, lê-se no artigo, que diz que esta aposta “é crucial para o futuro económico e social de Angola”.
O problema, acrescentavam, é que “ainda está por provar que a descoberta de mais reservas ajude a população de 20 milhões”, porque “se a história recente de Angola serve como guia, as expectativas são, no máximo, duvidosas; os petrodólares impulsionaram o crescimento económico mas muita da riqueza continua concentrada num pequeno círculo de plutocratas”.
O artigo citava depois o director da ONG Open Society Initiative no país, Elias Isaac, dizendo que “as pessoas sentem que as coisas estão a acontecer, mas não estão a acontecer de uma maneira justa, que beneficie realmente toda a gente”.
Ainda assim, escrevia o Financial Times, “Angola enquadra-se na narrativa da ‘África em ascensão’”, fazendo um trocadilho com o nome da conferência organizada pelo Fundo Monetário Internacional em Maputo.
“O país beneficiou de algumas das mais rápidas taxas de crescimento da economia no mundo na última década, crescendo 10,1% em média, segundo o FMI, mas também é um exemplo de vítima da maldição dos recursos: em vez de criar prosperidade económica universal, o petróleo tem ajudado a suportar o segundo Presidente há mais tempo em exercício em África e espalhou a corrupção, que mina o desenvolvimento económico”, escreveu o jornal britânico.
Citando o filho do Presidente e director do Fundo Soberano a defender que Angola é um país recente, com apenas 12 anos de estabilidade e paz, e que as coisas estão a melhorar, o FT acrescentava que o desenvolvimento político não acompanhou o sucesso da economia.
O artigo refere as “abundantes alegações de que a corrupção enriqueceu os membros da elite, incluindo membros da família do Presidente, à custa da população”, e termina escrevendo que o Governo, apesar de estar a travar o poder da Sonangol, como quer o FMI, “ainda continua a usar a empresa estatal para operar projectos em novas cidades em todo o país, argumentando que a experiência de décadas da Sonangol na gestão da construção é valiosa”.
Assim sendo, compreende-se as razões pelas quais o Financial Times é considerado, quando comparado com o Jornal de Angola, um aprendiz de jornalismo. Também se compreendem os elogios de Barack Obama ao “querido líder” José Eduardo dos Santos ou, ainda, o facto de Sarah Palin, governadora do Alaska e candidata derrotada à vice-presidência dos EUA, ter dito que África era um… país.
Para os EUA, tal como para a Europa, o importante é que se faça o que for mais parecido com eleições “rapidamente e em força”, como disse – embora a outro propósito – António de Oliveira Salazar, seja onde for, mesmo sabendo que os povos votam com a barriga (vazia).
Mesmo sabendo que votar nestas condições nunca será sinónimo de democracia. Mesmo sabendo que, desta forma, não tardará que estejamos todos a lamentar mais umas mortes violentas. Mas, do ponto de vista do Ocidente, vale a pena ter esses lamentos. E vale porque os africanos vão morrendo mas as riquezas, essas continuam lá à espera do… Ocidente.
Ao que parece, a comunidade internacional nada mais pode fazer. Até porque existe uma grande diferença entre a qualidade dos que morrem. Uns são gente, são pessoas e outros são apenas qualquer coisa.