“(…) God had bound us, manacled us, together. In a way it was to live out what Martin Luther King said: ‘Unless we learn to live together as brothers (and sisters) we will together die as fools’”. Desmond Tutu (in “No Future Without Forgiveness”)
Por Marcolino Moco (*)
No fundo irei dirigir saudações a partir de e para todas searas minhas. Na verdade, hoje por hoje, só falamos em “searas alheias” colocados no campo de frases feitas, tão desajustadas na caminhada do homem ao encontro de outros homens, como desajustados são os “muros de vergonha” erguidos ainda hoje, 26 anos depois da queda do Muro de Berlim.
Nos microcosmos temporais e espaciais que venho pisando, já ouvi, nos anos noventa do século passado, este grito numa rua de Lisboa: “Ouve lá, ó patrício, quando é que vais para a tua terra?” O grito era dirigido a um angolano, num tempo em que em Portugal corria um tempo de “espigas e vacas gordas”.
Mas sempre que as coisas se inverteram e à custa de uma paz não sustentada (baseada apenas na morte de um dos beligerantes e, em surtos efémeros, na elevação de petrolíferas jactâncias e de outros minerais) e “espigas e vacas gordas” se passaram para o “outro lado do mar”, o mesmo grito, com sotaque diferente e uma ou outra palavra substituída, passou a ouvir-se no outro “ultramar”. Para dizer (repetindo) que hoje por hoje, já não há, ou pelo menos, não deveria haver “alheias searas” no que seja essencial entre os homens de todos os recantos do mundo. Assim:
1-Uma saudação à atitude, algo inesperada, da Senhora Angela Merkel, sempre vista como a “capataz” da “Europa imperialista”, mas que, à volta dos fugidos das guerras do Médio Oriente, foi capaz de reavivar, com forte simbolismo, a ideia de que a Europa tem grande responsabilidade no regresso ao primado da dignidade humana, se quisermos preservar o nosso planeta, em tantas ameaças envolto.
2-Se a consideração da dignidade humana e dos direitos humanos são o eixo da salvação do género humano como, a contrario sensu, o demostraram a I e a II guerras mundiais e todos os outros conflitos sangrentos entre grupos humanos, então, uma saudação deve ir para o gesto de Barack Obama na sua tentativa de colocar os Estados Unidos na liderança das batalhas mais directas para poupar o ambiente terráqueo do que poderão ser as últimas machadadas contra a esperança de vida digna e completa para os nossos filhos e netos, e, quem sabe, mesmo para nós próprios nos dias que ainda nos restam?
3º-Já mais perto da minha seara histórico-linguística, não posso de saudar a ainda que tardia e meia emenda do actual Presidente da República da Guiné-Bissau, que depois de nos ter dado uma triste lição de interpretação tão estrita e mesquinhamente legal e formalista (positivista?) de uma Constituição, abrindo no seu país uma crise absolutamente desnecessária, só para (quiçá) fazer jus à sua condição (formal) de “primeiro magistrado da Nação”; vá lá, aceitou o veredicto da suprema instância judicial do país. Esperemos que não seja apenas uma cedência transitória para novos assaltos demolidores contra a tão necessária estabilidade institucional no país irmão. Seja como for, deu-se mais uma comprovação de afirmações anteriores minhas, de que quanto a certo “sentido de vergonha”, não há, entre os países africanos de língua portuguesa, pior do que a actual situação da “justiça angolana”, agora (com a saída do Dr. Cristiano André da presidência do Tribunal Supremo) superior e totalmente entregue a assessores do Presidente da República e abertamente dependente de suas “ordens superiores”.
4-Já o fiz no FB mas, volto a fazê-lo aqui. Na margem índica do Continente, muito mais perto ainda da “minha seara”, lá onde se voltam a adensar nuvens agoirentas (assassinatos ainda não explicitados e quase a queima-roupa de figuras como o professor do Gilles Cistac ou, mais recentemente, do jornalista Paulo Machava, em simultâneo com reajuntamentos de tropas dos antigos “dois lados” – para novos confrontos?!), saudação a Mia Couto que “sem papas na palavra”, não tremeu para dizer aos que mandam que, hoje por hoje, é preciso saber ouvir o “não” dos outros. Necessária esta saudação a partir desta margem atlântica, em que de gargantas do mesmo peso, idade e talento que Mia Couto, enrolam-se as palavras de fora para dentro, onde são bem deglutidas depois de engolidas. Na verdade, o caso não é para menos.
5-Finalmente a “foice” dentro da “minha própria seara” e quem sabe se isso não são derradeiros sinais da aproximação da “vez de todos” (ainda Mia Couto):
5.1- Graças a persistência de almas como a eurodeputada Ana Gomes e do activista dos direitos humanos Rafael Marques, o Parlamento Europeu reconhece – até que em fim! – e de forma inequívoca, que antes do petróleo e outros minerais está a dignidade humana, no caso dos angolanos e, especialmente, da sua juventude que quer romper com as péssimas práticas do passado, porque merece um futuro melhor.
5.2- E no momento que escrevo estas linhas estará a decorrer um encontro de apoio aos presos políticos – vergonha no século XXI e num país “democrático e de direito” –, se ao menos for permitida esta forma de manifestação. Como não saudar esta forma criativa de contornar legitimidades ”ilegitimadas”?
5.3-Finalmente, mas não menos importante, saudar a acção coordenada de todos os grupos da oposição na Assembleia Nacional (AN), reunidos pela primeira vez em jornada parlamentar conjunta, com a presença de partidos não representados na AN, presentes todos os líderes partidários de Angola e figuras importantes da sociedade civil; e com intervenções e conclusões à altura da situação grave que o país vive já há algum tempo, no essencial artificialmente criada no plano jurídico-institucional, e que se vai tornando um tanto quanto explosiva na sua combinação com a irresponsabilidade com que se gere a administração do Estado e dos seus recursos.
A hora é grave mas ao mesmo tempo é mais uma oportunidade que se nos oferece para se resolver, de vez, o problema fundamental de uma nação que já por si se constrói com dificuldades naturais, para que, especialmente, partidos políticos não venham a “furar” (como alguma vezes já aconteceu) compromissos solenes a troco de bagatelas e outras efemeridades, para quem se incumbiu de representar sectores importantes de populações e regiões que constituem a nação em construção.
E seria inusitado se, mais uma vez (mesmo quando já quase ninguém acredita) que o Presidente José Eduardo dos Santos aproveitasse esta vaga para rever (sem pensar que se inferioriza) com seus parceiros do panorama político angolano, o caminho errado que escolheu e que pessoalmente tenho criticado com sentido positivo, particularmente, depois do fim da guerra civil?
Como gosta de dizer, com certa graça, um apresentador desportivo na televisão sul-africana, “a ver vamos”. Seguiremos os passos encetados e contribuiremos com ideias para estas iniciativas de indiscutível importância e pertinência, caminhando sempre por veredas da moderação e do realismo possíveis.
(*) Ex-primeiro Ministro de Angola e ex-secretário Executivo da CPLP.
Não vejo potencial (e nem vontade !) no actual regime político para se auto-reformar, para se abrir à sociedade civil e para mudar de rumo ! Quanto mais tarde Angola acertar o passo com a modernidade de pensamento, com a despartidarização do Estado e com a democracia pluriétnica e pluricultural, maior tenderá a ser o trauma psicológico para as novas gerações … É isso que querem os angolanos ?