Escrevemos, no passado, alguns artigos sobre a paz, com a simples finalidade de propor uma fórmula adequada à luz de alguns intelectuais tais como Epicuro, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Montesquieu, entre outros que já partiram para a vida eterna onde, provavelmente, podem estar com saudades de voltar para a vida física.
Por Albath da Cruz
A ssim afirmamos, para sustentar a ideia segundo a qual “se morrer é descansar, prefiro viver cansado”. É de salientar ainda que com tais escritos publicados por nós no passado, sobre a paz, pretendíamos ainda resgatar alguns princípios valiosos para manter a vida harmoniosa que por que todos clamamos.
Muitos de nós falamos e rezamos pela paz, mas não percebemos o que é a verdadeira paz. Alguns continuam a matar e a criar desordem em nome da paz. Até parecem-se aqueles crentes que roubam em nome Deus. Consomem o álcool de forma exagerada, alegando que Jesus transformou a água em vinho e o mesmo era para ser consumido. Outros até chegam a dizer que se Deus tivesse visto que a bebida alcoólica é má, nem a teria inventado.
É verdade que não são estes os assuntos que pretendemos tratar nesta nossa dissertação, mas sim a grande “ladainha” que é a paz. Algo bastante importante e indispensável para uma boa convivência entre os homens; sem deixar de lado os animais irracionais que também precisam de viver num clima tranquilo. Hoje o ponto de reflexão no seio da sociedade moçambicana é a paz.
Viramos para a direita, ouvimos a paz. Viramos para a esquerda, ouvimos a paz. Passamos pelas barracas, o debate é em torno da paz. Entramos nas igrejas, ouvimos a paz. Prova esta das igrejas que testemunhamos na celebração dos setenta e cinco anos da Arquidiocese de Maputo no Estádio da Machava, onde desde o Bispo Dom Chimoio até aos líderes políticos falavam da paz nos seus discursos.
Talvez o que esteja a falhar ou a faltar é, sem dúvida, viver a paz e não falar da paz! Inspirados em Epicuro, no tocante à paz precisamos de beber dos quatro remédios, analisando a expressão quadrifármaco para retratar os remédios que fazem o Homem atingir a paz efectiva e duradoira para os moçambicanos.
Platão estava preocupado com a limitação de poderes e manutenção da paz obviamente; isto é, para que uma única pessoa não possuísse poderes demasiado poderosos, por isso havia necessidade de limitar com um outro poder, estabelecendo uma divisão de classes estratificadas; o que Montesquieu considera de equipotência de poderes.
Portanto, é possível, em Platão, visualizar a questão da separação de poderes e a limitação dos mesmos. Quando aborda sobre a separação das funções da cidade na instituição da cidade, quando este discorreu da polís perfeita, afirmando que deveria haver distinção de funções dos entes da comunidade, ou seja, cada pessoa deveria realizar a sua função junto ao grupo social, ficando mais clara essa ideia.
Mesmo quando menciona que os guerreiros deveriam proteger a cidade, os magistrados deveriam governá-la e os mercadores deveriam produzir e comercializar os bens de consumo (PLATÃO, 1998:19).
Platão poderia se considerar o primeiro pensador a trazer a ideia de uma descentralização de tarefas, levantando uma doutrina baseada no equilíbrio, proporcionando por uma organização política formada por partes, defendendo uma teoria de que o todo precede as partes. Entendia a realização das funções de cada indivíduo de acordo com as suas atribuições, como o princípio de uma ordem justa e harmoniosa (PLATÃO, 1998: 19).
Ora, para que possamos viver em paz, por exemplo à luz de Santo Agostinho, teríamos de ler e colocar em prática o que o autor defende na Cidade de Deus. Agostinho não distingue o fundamento ético do Homem e Estado. Para ele o Estado será bom, justo, correcto e em paz se os homens que o compõem forem movidos pela verdadeira justiça que se encontra somente em Deus.
Esta, segundo o filósofo hiponense, é a condição necessária para que o Estado desempenhe com eficácia sua função de salvaguardar a segurança, a paz e a concórdia dos cidadãos. Esses deveres do Estado podem bem ser parafraseados pela própria definição de Estado que Santo Agostinho na Cidade de Deus explicita: “Uma concorde multidão de pessoas unidas entre si por um laço social” (AGOSTINHO, 1990: 8).
Motesquieu, no que toca a paz considera que cada uma das três formas possíveis de governo é animada por um princípio: a democracia baseia-se na virtude, a monarquia na honra e o despotismo no medo. Ao rejeitar este último e afirmar que a democracia só é viável em repúblicas de pequenas dimensões territoriais, decide-se em favor da monarquia constitucional.
Elabora a teoria da separação dos poderes, em que a autoridade política é exercida pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, cada um independente e fiscal dos outros dois. Seria essa a melhor garantia da liberdade e da paz dos cidadãos moçambicanos e, ao mesmo tempo, da eficiência das instituições políticas. Seu modelo é a monarquia constitucional britânica. A liberdade, a paz só é possível quando se limitam os poderes governamentais.
A melhor garantia da liberdade e da paz é a salvaguarda mais conveniente contra as possíveis tiranias políticas e reside, segundo Montesquieu, na separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, tal como supunha que existia na Inglaterra. O exercício de cada poder deve estar a cargo de um órgão apropriado, mediante o estabelecimento de um sistema de equilíbrio (GETTELL, 1993: 295).
Segundo o antigo Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano, numa entrevista concedida à Rádio Moçambique e que passou ao ar na noite do dia 22 de Setembro, o povo moçambicano deve revisitar o Acordo Geral da Paz para não se deixar enganar por interpretações erradas de alguns políticos falaciosos.
Todos são chamados a defender um Estado de Direito, que está em construção. Recusando totalmente a guerra e em aqueles que procuram destruir a democracia com ameaças que promovem o desequilíbrio social. Diz ainda Chissano que a reconciliação deve residir nos moçambicanos e não nos interesses individuais. O pensar diferente deve constituir um mecanismo de crescimento rumo ao desenvolvimento. As ameaças e a guerra não constroem nenhuma sociedade de irmãos.
O diálogo não deve consistir somente em duas pessoas, nem com a finalidade de beneficiar uma ou duas pessoas mas sim do interesse da nação. A reconciliação não se negoceia, constrói-se deixando de lado todas as barreiras que possam atrapalhar. O diálogo deve construir confiança. Não existe nenhuma Constituição de onde quer que seja que não possua alguma imperfeição.
Defende ainda Chissano o seguimento e o respeito pela Constituição, realidade esta tratada também na antiguidade clássica por Aristóteles, quando afirmava que o Homem é um animal político que se distingue dos outros animais pelo facto de estar integrado numa polis (cidade), que resulta de uma civilização contínua da espécie humana: família, tribo, aldeia e cidade. Pela primeira vez Aristóteles “considera a cidade como Constituição de tal maneira que mudar uma Constituição é na verdade mudar o Estado, porque a Constituição que não poucas vezes é apelidada por lei-mãe é que dá uma ordem à vida social e sobretudo ao funcionamento correcto de todos órgãos do Estado, com maior destaque aos de soberania ou de chefia” (REALE; ANTISERI, 1990:208).
Faço votos para que Chissano nos tenha inspirado para vivermos em paz. Que os seus ensinamento constituam algo bastante importante para uma convivência pacífica. Esta é a nossa fé, que acabamos depositando na juventude. Mas como temos dito, que a juventude não siga todos os exemplos errados de alguns mais velhos que procuram desestabilizar a vida social e semear um clima de terror.
Que a paz reine sempre em nossas vidas. Iniciemos hoje a viver a paz e não falar dela. Primeiro vivamos a paz, para depois falarmos dela. Assim seja.