Em Junho, o jornal britânico Financial Times dedicou um extenso artigo de análise a Angola, apresentando o nosso país como um exemplo dos casos em que a abundância de recursos naturais não chega à grande maioria da população. Resultado? Tudo continua e continuará na mesma.
Por Orlando Castro
O artigo, assinado pelos jornalistas Andrew England and Javier Blas, começava por reflectir a semelhança da vida nocturna em Luanda e no Rio de Janeiro para explicar que todos esperam que essa semelhança se revele também nas reservas de petróleo no pré-sal, uma espécie de camada por baixo do fundo do mar.
“Algumas das maiores companhias mundiais de petróleo estão a apostar milhares de milhões de dólares que Angola também tenha reservas similares”, que no caso do Brasil estão já comprovadas e quantificadas, lê-se no artigo, que diz que esta aposta “é crucial para o futuro económico e social de Angola”.
O problema, acrescentavam, é que “ainda está por provar que a descoberta de mais reservas ajude a população de 20 milhões”, porque “se a história recente de Angola serve como guia, as expectativas são, no máximo, duvidosas; os petrodólares impulsionaram o crescimento económico mas muita da riqueza continua concentrada num pequeno círculo de plutocratas”.
O artigo citava depois o director da ONG Open Society Initiative no país, Elias Isaac, dizendo que “as pessoas sentem que as coisas estão a acontecer, mas não estão a acontecer de uma maneira justa, que beneficie realmente toda a gente”.
Ainda assim, escrevia o Financial Times, “Angola enquadra-se na narrativa da ‘África em ascensão'”, fazendo um trocadilho com o nome da conferência organizada na semana passada pelo Fundo Monetário Internacional em Maputo.
“O país beneficiou de algumas das mais rápidas taxas de crescimento da economia no mundo na última década, crescendo 10,1% em média, segundo o FMI, mas também é um exemplo de vítima da maldição dos recursos: em vez de criar prosperidade económica universal, o petróleo tem ajudado a suportar o segundo Presidente há mais tempo em exercício em África e espalhou a corrupção, que mina o desenvolvimento económico”, escreve o jornal britânico.
Citando o filho do Presidente e director do Fundo Soberano a defender que Angola é um país recente, com apenas 12 anos de estabilidade e paz, e que as coisas estão a melhorar, o FT acrescenta que o desenvolvimento político não acompanhou o sucesso da economia.
O artigo refere as “abundantes alegações de que a corrupção enriqueceu os membros da elite, incluindo membros da família do Presidente, à custa da população”, e termina escrevendo que o Governo, apesar de estar a travar o poder da Sonangol, como quer o FMI, “ainda continua a usar a empresa estatal para operar projectos em novas cidades em todo o país, argumentando que a experiência de décadas da Sonangol na gestão da construção é valiosa”.
Assim sendo, compreende-se as razões pelas quais o Financial Times é considerado, quando comparado com o Jornal de Angola, um aprendiz de jornalismo. Também se compreendem os elogios de Barack Obama ao “querido líder” José Eduardo dos Santos ou, ainda, o facto de Sarah Palin, governadora do Alaska e candidata derrotada à vice-presidência dos EUA, ter dito que África era um… país.
Para os EUA, tal como para a Europa, o importante é que se faça o que for mais parecido com eleições “rapidamente e em força”, como disse – embora a outro propósito – António de Oliveira Salazar, seja onde for, mesmo sabendo que os povos votam com a barriga (vazia).
Mesmo sabendo que votar nestas condições nunca será sinónimo de democracia. Mesmo sabendo que, desta forma, não tardará que estejamos todos a lamentar mais umas mortes violentas. Mas, do ponto de vista do Ocidente, vale a pena ter esses lamentos. E vale porque os africanos vão morrendo mas as riquezas, essas continuam lá à espera do… Ocidente.
Ao que parece, a comunidade internacional nada mais pode fazer. Até porque existe uma grande diferença entre a qualidade dos que morrem. Uns são gente, são pessoas e outros são apenas qualquer coisa.
Para, por exemplo, se falar genocídio é preciso ver quem são as vítimas e quem são os autores. Na verdade, o que são os milhões de pessoas que em toda a África morrem de fome, de doença ou pelos efeitos da guerra, comparados com a situação na Ucrânia?
É claro que o importante é mostrar ao mundo que, por exemplo, a aviação israelita tornou em escombros grande quantidade de prédios palestinianos. Reconheçamos que tal não acontece em África. Não acontece mesmo. Em zonas onde há milhões de pessoas que vivem (quando vivem) em cubatas é difícil, calcula-se, ter imagens de prédios destruídos.
Além disso, o que interessa não são os africanos mas, antes, o petróleo e outros produtos vitais para o Ocidente. E se até Sarah Palin não tinha a noção do que era essa coisa chamada África, é bem natural que as ruas das principais cidades mundiais se encham de cidadãos de primeira preocupados com outros cidadãos de primeira, e não com essa espécie menor a que chamam pretos.