O ano de 2014, à semelhança de outros passados e na linha dos que virão, a começar em 2015, começou logo no final de Janeiro com a musculada acção policial contra aquela que se julga ser, a par dos jornalistas independentes, a principal força desestabilizadora do democracia e do Estado de Direito: as zungueiras de Luanda.
N essa linha pragmática e programática do regime, foi em Fevereiro condenado, embora com pena suspensa, um jornalista da Rádio Despertar, a emissora da UNITA.
Por não controlar, embora tente, o regime sofreu o primeiro revés com a divulgação das artimanhas monárquicas eu mostraram o envolvimento de Isabel dos Santos nos negócios opacos dos diamantes. Dizia a Revista Forbes que a filha do Presidente, por via do seu marido, Sindica Dokolo, estabeleceu uma parceria estratégica com o Estado para a compra, a primeira de muitas aquisições, a renomada joalharia suíça de Grisogono.
Ainda em Fevereiro, mostrando que para alguns o ano novo significa novos negócios, ficou a saber-se que mais um general, no caso, Leopoldino do Nascimento passara a ser – por mérito próprio, obviamente – o novo bilionário do país. Roendo-se de inveja, as autoridades portuguesas resolvem investigar os negócios de alguns dos mais impolutos e nobres dignitários do regime, figurando entre o próprio general Leopoldino Fragoso do Nascimento, general que só por coincidência pertence à Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos.
Luanda, apesar de tudo isso, ou até talvez por causa de tudo isso, continuou (como continuará) a ser o epicentro dos grandes negócios internacionais. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, não quis deixar os seus créditos por mãos alheias e logo em Março aterrou por cá com uma vasta equipa de empresários.
Pouco depois, Maio, foi a vez do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que teceu louvaminhas de bradar aos céus a propósito do empenho, divino de Eduardo dos Santos na região dos Grandes Lagos.
Atento esteve também o Banco Africano de Desenvolvimento que aprovou o empréstimo de mil milhões de dólares para o Programa de Apoio à Reforma do Sector de Energia Angolano.
Ainda em Maio, arrancou o censo geral da população e habitação, o primeiro em 39 anos de independência. O orçamento para este importante passo foi de 20 milhões de dólares e, com a divulgação, em Outubro, dos primeiros resultados ficou a saber-se que somos 24 milhões e 300 mil.
Para não fugir à regra, o mundo que não dorme e que é, reconheça-se, cada vez menor, assistiu no dia 27 de Maio a mais um exemplo da democracia “made in MPLA”. A polícia impediu uma manifestação, prevista para o Largo da Independência, em Luanda, de jovens activistas que queriam protestar contra aquilo que todos sabemos não existir: assassinatos de cidadãos inocentes. Perante o fantasma de um outro 27 de Maio (de 1977) a receita contra dos caça-fantasmas foi porrada, detenções, agressões e outros mimos previstos no manual da reeducação patriótica.
A 16 de Junho, a justiça brasileira revogou o pedido de prisão contra o general Bento Kangamba, então acusado de chefiar tráfico de mulheres de Angola para o Brasil e Europa. A Interpol retirou o nome deste familiar (por coincidência) do Presidente da República da lista de procurados.
No país real, que é outro que não o do Presidente, a seca no sul do país teve consequências “dramáticas”, como denunciou a 8 de Julho o padre Pio Wacussanga, do município de Gambos, província da Huíla.
A 17 de Julho, reflectindo uma orquestrada campanha para denegri a imagem do regime, conheceu-se o desvio de dinheiro do BESA. Dois dias depois, o Presidente José Eduardo dos Santos assinou a garantia de 5,7 mil milhões de dólares ao Banco Espírito Santo Angola que protegia o BES – Banco Espírito Santo.
A 29 de Julho confrontos violentos entre garimpeiros e a Polícia Nacional do regime, na província da Lunda Norte, provocaram a morte de 5 pessoas, o ferimento de várias, tendo o posto da polícia ficado destruído.
Manuel Nito Alves, um jovem que – para além do nome – se orgulha de pensar com a cabeça que tem, foi acusado de cometer um crime contra a segurança do Estado por ultraje ao Presidente José Eduardo dos Santos. Acabaria por ser absolvido a 14 de Agosto.
Ainda neste mês, começou o repatriamento voluntário dos cerca de 30 mil ex-refugiados angolanos que vivem na República Democrática do Congo. O processo viria a ser interrompido devido à epidemia de Ébola que assolava países vizinhos.
O julgamento do caso do assassinato dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule, cujos pormenores foram revelados em primeira mão pelo F8, começou a 1 de Setembro. Os dois activistas foram raptados e mortos em 2012 quando tentavam organizar uma manifestação que, por reivindicar aos eus direitos, era contra o Presidente José Eduardo dos Santos. E se era contra, a solução foi assassina-los. Simples.
Ainda em Setembro, José Eduardo dos Santos promoveu a brigadeiro um dos autores do assassinato dos dois activistas, facto que levou o Tribunal Provincial de Luanda a declarar-se incompetente para prosseguir com o julgamento.
Entretanto, perante a divulgação desta criminosa originalidade, que também teve destaque prolongado aqui no F8, o chefe de Estado recuou e anulou a promoção. O julgamento seria retomado a 18 de Novembro.
No fim-de-semana dos dias 22 e 23 de Novembro, a Polícia do regime, que usa a sigla de “Nacional”, voltou a impedir uma manifestação contra o Governo e deteve mais de uma dezena de pessoas. Laurinda Gouveia, uma jovem de 26 anos, foi um dos exemplos de como a reeducação patriótica funciona, usando cassetetes para escrever no corpo dos visados as suas mensagens.
A 2 de Dezembro, o nosso director, William Tonet, volta a ser processado: foi a 98ª vez. Os Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), consideraram-se difamados num artigo do nosso jornal em que se faziam legítimas comparações entre a actuação dos serviços secretos e a organização terrorista Estado Islâmico.
William Tonet é, aliás, o jornalista angolano preso mais vezes pelo regime, fruto da sua liberdade de pensamento, e com mais processos judiciais: 98, até Novembro de 2014.