O ex-Presidente timorense, José Ramos-Horta, classificou hoje em Marraquexe as relações Atlânticas entre a costa ocidental africana e a costa oriental latino-americana como “conversa académica”.
Em declarações à agência Lusa, à margem da 3ª edição dos Diálogos Atlânticos, um encontro de especialistas de diversas áreas em que pela primeira vez participa e que se destina a encontrar formas de reforçar as relações entre a comunidade Atlântica, formada por 54 Estados de quatro continentes – Europa, África, América (do Norte e do Sul) e Ásia (Menor) -, Ramos-Horta defendeu que tais relações não têm verdadeira expressão.
“Realisticamente falando, relações Atlânticas entre costa ocidental africana e costa oriental latino-americana? Eu diria que é conversa académica. Porquê? Vamos ver o volume de comércio: é inexistente”, sustentou.
“A América Latina transacciona, sobretudo, com os Estados Unidos da América e com a Europa; as relações comerciais de África são, sobretudo, inter-africanas e com a Europa e Estados Unidos – não há comércio de alguma monta, turismo ou investimentos que atravessem o Atlântico no hemisfério sul”, insistiu.
Para o ex-representante das Nações Unidas incumbido de acompanhar o processo de consolidação da paz e estabilização da Guiné-Bissau, a própria noção da existência de uma “comunidade Atlântica”, só porque são países banhados por esse oceano, é “uma construção teórica”, porque “apesar da geografia, que está ali, o nível de desenvolvimento económico dos países da América Latina virados para o Atlântico, à excepção do Brasil, não é à mesma escala, em termos de tecnologia, de produtos, nem sequer de um Estado médio europeu”.
“O Brasil, que dá cartas a todo o mundo nas áreas da agricultura e da segurança alimentar, é o único país da América Latina com vocação africana e com dinheiro, ‘konw-how’ e tecnologia para marcar uma presença a sério”, apontou.
Inquirido sobre a utilidade de um encontro como este para debater soluções para os muitos problemas que o mundo actualmente enfrenta, Ramos-Horta referiu que “há, pelo menos, uma dúzia de fóruns desta natureza, desde o Fórum Económico Mundial de Davos, a tantos outros mini-Davos pela Europa fora, África e Ásia”, sublinhando que “são sempre úteis para troca de informação, para ouvir os peritos.
Mas, acrescentou, “desde que esses especialistas tenham capacidade política para influenciar decisões nos respectivos países”.
“Não sendo assim, fica só em conversa académica, não é?”, observou.
Admitiu, contudo, que “há pessoas que participam nestes encontros que são gente de influência nos respectivos países – influência pelo ‘background’ político, influência pelo seu peso académico e intelectual – e influenciam, obviamente, os governantes”.
“Aí, sim”, comentou.