17 de Setembro. Dia do Fundador da Nação e do Herói Nacional. Poderia ser, se calhar com mais propriedade e de acordo com os ortodoxos do regime, o 27 de Maio. Milhões de pessoas foram mobilizadas para celebrar, de cócoras, o acontecimento de culto aos líderes, um pouco à semelhança do que se passa com o Herói Nacional da Coreia do Norte, o também “querido líder” e igualmente “o escolhido de Deus”, hoje Kim Jong-un, ontem Kim Il-sung.
O bureau político do MPLA, partido líder da monarquia absolutista, considera que, “35 anos após o desaparecimento físico do Presidente Agostinho Neto e numa altura em que cumpriria o seu 92º aniversário natalício, os ensinamentos do Guia Imortal da Revolução Angolana (em Pyongyang chamam-lhe “presidente eterno”) e Fundador da Nação continuam vivos na memória e prática quotidiana dos continuadores da sua obra imortal, particularmente do seu digno sucessor, o Presidente José Eduardo dos Santos, o Arquitecto da Paz e artífice número um do desenvolvimento do país. “
O MPLA, na sua velha tese de ser o guia supremo do Povo, sublinha que “os angolanos, de Cabinda ao Cunene e nos quatro cantos do Mundo, comemoram o Dia do Fundador da Nação e do Herói Nacional, sob o lema “com o legado de Neto edifiquemos a nova Angola”, em “reconhecimento do papel determinante e inolvidável do saudoso Presidente Agostinho Neto, na luta pela libertação de Angola e contra a dominação estrangeira, onde o 11 de Novembro de 1975 é o marco mais importante dessa epopeia gloriosa”.
Ficamos todos a saber que, ao contrário do que nos foi dito quando isso dava jeito, afinal nem a UPA/FNLA, e muito menos a UNITA, participaram na luta que levou à independência. Vamos, por isso, reescrever a nossa História, ficando por saber se ela deve falar de Holden Roberto e Jonas Savimbi. Provavelmente não.
“O bureau político do MPLA rende homenagem ao Presidente António Agostinho Neto, como um patriota convicto, no qual se reuniram as virtudes superiores do revolucionário sem mancha, do militante total, do intelectual e poeta universal, do médico profundamente humano, do Chefe amigo, do Líder clarividente, do companheiro de todas as horas, do incansável servidor do Povo”, lê-se no documento que mais não é do que uma cópia do que diziam os seguidores de Adolfo Hitler.
Diz igualmente o Partido Nacional Socialista, não o alemão mas o angolano, que a sua aposta vai no “no sentido de fazer Angola crescer cada vez mais e continuar a distribuir melhor os seus rendimentos, o amplo diálogo com a juventude, com a mulher rural e com todas as forças vivas do país, para a identificação e resolução dos seus principais problemas, dentre outras acções centradas em todas as camadas mais vulneráveis, mostram que o legado do Presidente Agostinho Neto, de que “o mais importante é resolver os problemas do Povo”, é uma aspiração já enraizada na memória colectiva dos angolanos e que está a ser concretizada, de modo gradual e consistente.”
Nesta altura, mesmo de barriga vazia, o Povo ri-se às gargalhadas. De facto é uma anedota que deve constar obrigatoriamente nas enciclopédias mundiais. Isto porque, para além de fazer dos angolanos uma camada de matumbos famintos, entende que só os dogmáticos do passado do MPLA têm capacidade para pensar.
Já agora, no que poderia ser uma mais-valia para a candidatura de Eduardo dos Santos a um qualquer Prémio Nobel, poderiam dizer que se não fosse o contributo do MPLA, do actual presidente e, é claro, de Agostinho Neto, Hitler não teria sido derrotado, o alemão Wilhelm Conrad Röntgen não teria inventado o equipamento de Raio X, o escocês Alexander Flemming não teria descoberto, em 1928, a Penicilina e nem a humanidade saberia que existiram, entre outros, Isaac Newton (leis de movimento), Louis Pasteur (vacinas) ou Albert Einstein (relatividade).
As jornadas comemorativas da semana dos dois únicos heróis nacionais (Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos) inclui um vasto leque de actividades de bajulação e culto canino. Consta, aliás, que Kim Jong-un mandou uma delegação a Luanda para se formar em educação patriótica, admitindo contudo que nesta matéria nutre uma especial admiração por alguém que liderou o 27 de Maio de 1977 e é hoje considerado herói nacional, eventualmente continental e, quem sabe, mundial.
Igualmente rendidos, ou até mesmo ajoelhados, à importância estética e cultural da poesia de Agostinho Neto para a literatura angolana e mundial, estariam certamente Florbela Espanca, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, Alda Lara, Jorge Huet Bacelar, Alexandre Dáskalos ou David Mestre.
Acresce que quem não alinhar com o pensamento oficial vai necessariamente aumentar as fileiras dos que devem ir para os campos de reeducação… patriótica. Estes são, como muito bem pensa o MPLA, locais onde os cépticos e descrentes no papel de vanguarda do querido líder aprenderão com quantos paus de faz uma canoa que, quase sempre, afunda no meio do rio para gáudio dos jacarés. Os manuais são os usados pelos Khmer Vermelhos de Pol Pot.