Editorial: O jornal instigador de todas as guerras

William Tonet no Angola Fala Só da VOA - Folha 8

Hoje sou levado a passar em revista a questão da imprensa, da liberdade de imprensa e dos jornalistas, um pouco inspirado em Claude Jean Bertrand, no tocante à sobrevivência, enquanto órgãos de serviço público.

Por William Tonet

Há um século aconteceu o escândalo dos biliões de francos emprestados pelos franceses ao Estado Czarista. Na época, “toda resistência a novos empréstimos (era) combatida pela imprensa que, de acordo com os bancos, habituara-se a uma chantagem lucrativa”.

Em Angola vivemos o caso do BESA, enquanto banco privado, que canalizou dinheiro a “rodos”, para a aquisição de meios de comunicação social privados. Esta prática visou cercear a liberdade de imprensa e colocá-la, ao serviço de uma só coloração política. Os prejuízos para a democracia estão aí patentes.

Noutra latitude, em 1990, num conglomerado proprietário de uma rede de televisão, após a directora de notícias ter posto no ar depoimentos de opositores ao governo, num país no qual o conglomerado de órgãos realiza grandes obras, ouviu-se o presidente dizer: ”Ela deve consciencializar-se dos nossos interesses. Caso contrário, a porta está aberta: ela que vá embora”. Um incidente como esse escapa ao grande público, o que não lhe escapa, é que o apresentador de um grande telejornal, implicado em 1991 num caso de truncagem na apresentação de uma entrevista, e implicado em 1993 num caso de presentes ilícitos, continuava a exercer o cargo três anos mais tarde.

Não é surpreendente que as pesquisas indiquem, em muitos casos, mesmo entre nós, em Angola, uma desconfiança em relação á maioria dos órgãos de imprensa e a tendência de restringir a sua liberdade.

Nos EUA, três quartos dos usuários têm confiança limitada na média, somente um terço dos franceses crêem na independência dos jornalistas. E, por outro lado, os diversos públicos exprimem o seu profundo descontentamento com o entretenimento que a média oferece.

Paradoxo: acusa-se a média de todos os males embora ela nunca tenha sido melhor do que hoje. Para convencer-se disso, basta folhear os jornais do século passado, ver alguns programas de televisão dos anos 50 ou ler as vituperações dos críticos de antigamente.

Melhor hoje portanto, mas medíocre. Ora, se antigamente a maioria das pessoas podia passar sem meios de comunicação, hoje em dia, mesmo nas nações rurais, sente-se necessidade, não só de média, mas de média de qualidade.

E a sua melhoria não é simplesmente uma mudança desejável: o destino da humanidade depende disso. Efectivamente, só a democracia pode assegurar a sobrevivência da civilização, e não pode haver democracia sem cidadãos bem informados, e não pode haver tais cidadão sem média de qualidade.

Essa afirmação é excessiva? A resposta vem da ex-URSS onde, entre 1917 e os anos 80, centenas de milhares de livros antigos e obras de arte foram destruídos, espaços imensos foram irremediavelmente poluídos, dezenas de milhões de pessoas foram mortas-sem que a média soviética tenha querido revelar e protestar.

Assim ocorreu em Angola, em 1977, com a média estatal, nos acontecimentos de 27 de Maio, onde foram selvaticamente assassinadas, sem julgamento, cerca de 80.000 pessoas, pelo MPLA e o seu presidente Agostinho Neto.

Se a média não cumpre bem as suas funções, um problema crucial em toda sociedade cabe numa pergunta: como melhorá-la?

Diz-se que a média constitui ao mesmo tempo uma indústria, um serviço público e uma instituição política. Na verdade, nem todos os meios de comunicação fazem parte desta natureza tríplice: primeiro, a nova tecnologia permite o renascer de um artesanato comunicacional. Por outro lado, uma parte da produção da média não consiste absolutamente num serviço público (por exemplo, a imprensa sensacionalista).

Enfim, numerosos veículos (como as milhares de revistas profissionais) não desempenham nenhum papel nas vidas políticas.

Apesar disso, os órgãos com os quais se preocupam os cidadãos esclarecidos são os meios de informação geral, que não podem desfazer-se de nenhum dos três caracteres.

Na realidade, neste quesito, encontramo-nos frente a um conflito fundamental entre a liberdade de empresa e a liberdade de expressão. Para os empresários da media (e os anunciantes), a informação e o entretenimento são um material com o qual exploram um recurso natural, o consumidor, e tentam manter uma ordem estabelecida que lhes é lucrativa. Para os cidadãos, pelo contrário, informação e entretenimento são uma arma na sua luta pela felicidade, que não podem alcançar sem mudanças na ordem estabelecida.

Para tal antagonismo não há uma solução simples. Durantes decénios, duas foram praticadas em mais da metade das nações do globo. Consistem em eliminar um dos dois antogonistas: as ditaduras de tipo fascista suprimem a liberdade de expressão sem tocar habitualmente na propriedade dos meios de comunicação. Os regimes comunistas suprimem a liberdade de empresa, pretendendo manter a liberdade de expressão. O resultado é o mesmo nos dois casos: a imprensa mutilada torna-se um instrumento de estupidez e de doutrinação.

Uma opção seria conceder à indústria da media liberdade (política) total. Com efeito, o fim do monopólio estatal e do controlo governamental do rádio e da televisão na Europa, nos anos 70 e 80, fez muito pela democracia e pelo desenvolvimento da média.

Em África e em Angola a comercialização crescente e a concentração da propriedade combinam mal com o pluralismo.

A “conglomeração” combina bem com a necessária independência da média. Se houvesse total liberdade, poder-se-ia esperar a prostituição da média, tanto no sector de informação quanto no de entretenimento.

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