Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) assinalam este ano três décadas de operações em Moçambique, onde foram “voadores” e testemunhas da guerra civil, cheias e epidemias, uma história de flagelos mas também de sucessos contada numa exposição fotográfica em Maputo.
Os MSF responderam em 1984 a um pedido de ajuda do Governo de Moçambique, onde se vivia então uma violenta guerra civil, que deixou populações isoladas, outras refugiadas, num cenário de fome e de diversas doenças.
“Naquela altura era uma das maiores operações dos MSF”, recordou à Lusa Jean-Luc Anglade, chefe da missão da organização nascida em França e laureada com o Prémio Nobel da Paz em 1999.
Chegados a Moçambique, os MSF criaram o programa “Médicos Voadores”, transportando em aviões pessoal clínico e medicamentos para os centros de saúde dos distritos isolados pela guerra em Inhambane e Tete.
Depois alargaram as operações à Zambézia, Manica e Nampula, “ao se constatar a situação catastrófica que as populações estavam a enfrentar”, segundo um documento divulgado pela organização a propósito dos 30 anos de presença no país.
“Eram as províncias mais afectadas pelo conflito ou perto das zonas com mais refugiados. Por exemplo, no Malaui havia dois ou três milhões de refugiados moçambicanos e nós estávamos na Zambézia e em Tete. E em Manica também porque havia muitos refugiados no Zimbabué”, afirma Jean-Luc Anglade, recordando que, já em 1990, os MSF começaram a actuar em Manhiça, província de Maputo, onde 20 mil deslocados enfrentavam graves problemas de nutrição.
“O maior desafio era responder às emergências, numa situação de isolamento e de difícil acesso para as nossas equipas”, de acordo com o chefe da missão, que chegou pela primeira vez a Moçambique em 1990 e, no ano seguinte, teve de lidar com um surto de cólera na Zambézia.
“Tínhamos de imaginar sistemas para superar as dificuldades, apoiar o Ministério da Saúde e também mobilizar a população para o conhecimento de uma doença assustadora, porque as pessoas podiam morrer rapidamente quando podiam ser tratada com facilidade”, contou.
A paz chegou em 1992 mas o trabalho dos MSF em Moçambique estava longe de terminado, num país que tinha de reactivar o seu sistema para atender milhões de refugiados que voltavam para as suas casas.
“No período de paz houve uma série de emergências: a cólera, com uma grande epidemia, não só em Moçambique mas regional em 1996-97, depois houve o período nos anos 2000 das cheias e por fim o período do HIV-Sida, que foi um grande desafio para nós”, disse Jean-Luc Anglade,
No final nos anos 90, ninguém acreditava nos tratamentos com antirretrovirais em África, segundo o chefe da missão, lembrando “uma grande batalha”, em Moçambique e também ao nível internacional, “para mobilizar doadores e governos e demonstrar que era possível”.
Foi um dos principais sucessos em Moçambique dos MSF, que, “apesar da sua reputação de organização de emergência, teve de se adaptar a contextos de longo-prazo”.
Actualmente a missão dos MSF permanece concentrada no programa de luta contra a sida e também tuberculose e na resposta a eventuais emergências.
A organização é parceira do Ministério da Saúde no plano de acção contra o HIV/Sida, colocando o máximo de pessoas em tratamento, em Maputo e em Tete, e trabalhando junto das populações para reduzir o índice de infecção, concretamente com um projecto junto de motoristas de longo curso e trabalhadores de sexo no corredor da Beira.
Segundo Anglade, a taxa de prevalência de sida no país é de 11,5% e, ao contrário do que se pensa, a doença não se encontra em regressão, está até longe da estabilização, exigindo a mobilização dos doadores, porque “os recursos necessários são superiores ao que Moçambique pode oferecer”.
“Ainda não é o momento próprio para uma retirada”, considera o chefe da missão dos MSF, garantindo a continuidade de uma presença contada em 30 fotos expostas entre 11 e 20 de Novembro na Fortaleza de Maputo.