Especialistas na área da saúde criticaram hoje em Marraquexe, Marrocos, a lentidão da comunidade internacional em agir para deter a propagação do vírus Ébola, já que os países da África Ocidental afectados não dispõem dos meios para tal.
Os especialistas, que sublinharam a urgência de accionar os mecanismos necessários para combater o surto epidémico, falavam num painel da 3ª edição dos Diálogos Atlânticos, um fórum anual de reflexão e debate de ideias para reforço das relações entre os países banhados por esse oceano que decorre na histórica cidade marroquina até domingo, uma iniciativa do German Marshall Fund, dos EUA, e do grupo mineiro marroquino OCP.
Segundo Paul Farmer, professor de Saúde Global e Medicina Social na Universidade de Harvard, EUA, as vítimas da febre hemorrágica, cuja taxa de mortalidade é de 90% dos infectados e que já fez, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 5.000 mortos em cerca de 10.000 casos desde o início deste ano, padeceram devido ao “terrorismo da pobreza”.
A maioria dos casos registou-se em três países da África Ocidental – Serra Leoa, Libéria, Guiné-Conacri -, países “que não têm ‘staff, stuff and space’ [profissionais, meios e estruturas] para tratar os casos, fazendo com que as pessoas sejam abandonadas à sua sorte (por vergonha, medo de discriminação e falta de meios) em situações de emergência como esta: é isto o terrorismo da pobreza”, frisou Paul Farmer.
A necessidade de atacar o problema “é premente”, defendeu, e tal passa pela formação de profissionais de saúde localmente e por “integrar a prevenção e o tratamento”, até porque “Ébola em todo o lado é uma ameaça para as pessoas em qualquer lado”.
“É preciso uma resposta para ontem”, insistiu.
O especialista liberiano Raj Panjabi, co-fundador e presidente executivo da organização não-governamental Last Mile Health, que trabalha para levar cuidados de saúde aos meios rurais mais isolados e pobres, reiterou a ideia, declarando, de forma contundente: “É preciso um Plano Marshall para o Ébola”.
Para Panjabi, o actual surto da doença poderia ter sido detido há meses se tivesse havido cuidados de saúde locais na aldeia onde a infecção começou.
“Se tivéssemos gastado dezenas de milhões de dólares para levar profissionais de saúde a todas as aldeias remotas da Guiné-Conacri, da Serra Leoa e da Libéria, não teríamos de gastar os milhares de milhões de dólares que estamos agora a despender e teríamos salvado muitas mais vidas”, defendeu.
No debate, subordinado ao tema “Novos e Velhos Desafios à Segurança Sanitária”, interveio também Deborah Birx, responsável, no departamento de Estado norte-americano, pelo Plano de Emergência do Presidente para Ajuda às Vítimas de Sida, que classificou o Ébola como “um apelo para a acção sobre o que a segurança sanitária significa e o que a comunidade internacional deveria estar a fazer conjuntamente”.
De acordo com Birx, cabe aos países prepararem-se para “a próxima inevitável epidemia”, seja ela de Ébola, gripe ou outra coisa qualquer”.
“Ela virá e todos os países precisarão de ter um sistema de alarme instalado, não podemos apenas depender da OMS, temos de agir todos juntos”, sustentou, acrescentando que, quanto à actual epidemia de Ébola, a comunidade internacional “não deve ficar parada à espera de uma cura para o Ébola antes de agir”.
“As vacinas não são uma solução completa, são parte da resposta de prevenção, mas ainda temos de conseguir identificar e tratar e levar as vacinas aos locais onde elas são necessárias”, explicou.
Na Libéria, via Skype, a médica Kris Torgeson, da organização Médicos Sem Fronteiras, confirmou que “há muito a fazer”, a começar por “coligir dados sobre a situação, sobre as infra-estruturas médicas e o pessoal médico existente, e estimar as necessidades”, para se conseguir enfrentar o problema.