Durante décadas o regime de José Eduardo dos Santos esteve, e está, na ribalta por ser corrupto. Não só era, e é, verdade, como dava jeito dizer-se que seria que seria (quase) caso único nos países lusófonos. Mas a verdade é que os governos de Angola aprenderam com os melhores: Portugal e Brasil.
Por Orlando Castro
A gora as notícias quase só falam da corrupção no Brasil e em Portugal, em Lula da Silva e José Sócrates, nas operações Lava Jato (Brasil) e Marquês (Portugal).
Na verdade a corrupção em Portugal é muito mais antiga do que o “arroz de quinze”. Agora, é verdade, tem mais impacto porque foi apanhada uma raposa (o ex-primeiro-ministro José Sócrates) dentro do esquelético galinheiro lusitano.
Na sua senda de ensinar os portugueses a viver sem comer, onde – aliás – se mostrou um débil principiante se comparado com o actual primeiro-ministro, Passos Coelho, José Sócrates alinhou na propalada teoria de que os portugueses, quais súbditos de sua majestade, viviam e vivem acima das suas possibilidades.
Assim, o regime português pôs em velocidade de ponta a tese de que, exactamente por viverem acima do que deviam, os portugueses tinham de pagar com “língua de palmo” essa mania, devendo-o fazer à custa de uma longa e inaudita austeridade.
Os portugueses, povo pacífico e de brandos costumes, aceitaram a tese. Todavia hoje, embora ainda de forma débil e embrionária, começam a perceber que essa história da colossal dívida pública, mas também privada, se deve não a terem vivido acima das suas posses, mas a esse fenómeno perene que dá pelo nome de corrupção.
Quando olham para o elenco de casos conhecidos, tipo BPN, BES, BPP, Parcerias Público-Privadas (PPP) e Sócrates, entre outros, começam a perceber que, afinal, a culpa não é das galinhas. Começam a fazer contas, mesmo que para isso tenham de se descalçar, e concluem que dois terços da dívida privada é resultante da especulação imobiliária, e que se calhar só um terço, ou ainda menos, tem origem nos seus excessos.
A verdadeira explicação para a crise em Portugal, segundo Paulo Morais – especialista em provocar tsunamis nos putrefactos areópagos lusitanos – está nos fenómenos de corrupção na administração central e local, que têm permitido a “transferência de recursos públicos para grandes grupos económicos”.
“Seis a sete por cento dos recursos do Orçamento de Estado vão para grandes grupos económicos”, diz Paulo Morais, há muito exemplificando com o Grupo Espírito Santo, o Grupo Mello e o com o grupo Mota Engil.
“Em 2011, as PPP custaram 1.700 milhões de euros, ou seja, mais do dobro dos 799 milhões de euros que estavam previstos inicialmente”, diz Paulo Morais (também candidato à Presidência da República) com todas as letras e com os decibéis necessários para até os surdos ouvirem, considerando incompreensível que tivesse havido um desvio com um custo superior ao preço que estava inicialmente previsto.
“O que o Estado pagou a mais às PPP só é possível porque a sede da política – Assembleia da República – está transformada num centro de negócios”, diz Paulo Morais. Mais do que um “centro de negócios” (que obviamente é) o Parlamento é um prostíbulo de elites.
Como exemplo da gestão danosa dos dinheiros públicos, Paulo Morais refere sempre que pode uma fórmula de cálculo inserida no contrato de uma PPP, numa auto-estrada em Viana do Castelo, em que o concessionário paga multas, ou recebe prémios do Estado, em função da taxa de sinistralidade.
“Se a sinistralidade aumentar 10%, o concessionário tem de pagar uma multa de 600 mil euros, mas, se houver uma redução de 10% na sinistralidade, o Estado tem de pagar à empresa 30 milhões de euros”, conta o exv-vice-presidente da Associação de Integridade e Transparência.
“Quem assinou o contrato, só por isso, devia estar preso”, costuma afirmar Paulo Morais.
Referindo-se à nacionalização do BPN, Paulo Morais lembrou que o anterior governo socialista, o tal do detido da cela 44 da cadeia de Évora – nacionalizou apenas os prejuízos, que estão a ser pagos pelo povo português, e permitiu que os accionistas da SLN – Sociedade Lusa de Negócios (agora com o nome Galilei), detentora do banco, ficasse com os activos e com todas as empresas lucrativas.
“Se houver vontade política e se a justiça actuar como deve, o Estado ainda pode recuperar três ou quatro mil milhões de euros, através dos activos do grupo Galilei e das contas bancárias dos principais accionistas”, exemplificava há muito tempo (Maio de 2013) Paulo Morais.
A, parcialmente esquecida questão da aquisição de dois submarinos à Alemanha é, segundo Paulo Morais, mais uma caso de “corrupção comprovada”, não pelos tribunais portugueses, mas pelos tribunais da Alemanha. “Na Alemanha há pessoas [acusadas de corrupção] a dormirem todos os dias na cadeia”, lembra.
Se mesmo em países que são de facto, e não apenas de jure, democracias, a corrupção é uma enfermidade contagiosa que está na origem do colapso financeiro de muitas sociedades, começa a faltar a muitos deles, a Portugal – por exemplo – autoridade moral para falar do assunto aos alunos que se limitam a seguir os ensinamentos dos mestres, caso de Eduardo dos Santos.
Sabe-se que se os países não matarem a corrupção acabam por ser mortos por ela. Talvez por isso é que existam muitos já moribundos e outros que, embora já mortos, ainda não sabem.