A menos de uma semana do início do julgamento de Rafael Marques em Angola, o jornalista recebeu esta quarta-feira à noite, em Londres, o prémio “Liberdade de Expressão 2015” da organização Index on Censorship.
Por Guilherme Correia da Silva (*)
O júri disse que o angolano é “uma figura importante que está a fazer um trabalho importante, num ambiente bastante difícil.” Marques recebeu o prémio na categoria de jornalismo em conjunto com Safa Al Ahmad, autora de um documentário da BBC sobre uma revolta popular “secreta” na Arábia Saudita, que não foi tema nos jornais locais sauditas.
O jornalista e activista dos direitos humanos, Rafael Marques, tem denunciado violações cometidas pelas autoridades angolanas. O seu trabalho já lhe valeu alguns processos judiciais.
O seu último livro “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”, onde denuncia violações na exploração de diamantes nas Lundas, levou alguns generais a o processarem. O início do julgamento de Rafael Marques está marcado para terça-feira, 24 de Março. Os queixosos são sete generais, incluindo o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido como “Kopelipa”, e ainda os representantes de duas empresas diamantíferas.
A DW África entrevistou Rafael Marques sobre o prémio que lhe foi atribuído.
DW África: No espaço de uma semana, receber o prémio “Liberdade de Expressão 2015” e ir a julgamento acusado de calúnia, depois do trabalho de investigação “Diamantes de Sangue”, não será viver um paradoxo?
Rafael Marques (RM): Na verdade, não é uma situação paradoxal porque, primeiro, a acusação não tem fundamento, não se especifica sobre o que realmente insultei os generais angolanos. Eu não posso ser processado por difamação em Angola por causa da dupla incriminação, tendo já o caso sido ouvido pelas instâncias judiciais em Portugal. O único problema que existe aqui é a opção das autoridades angolanas em não respeitarem a Constituição do país.
DW África: Vai a julgamento 15 anos depois de se sentar em tribunal, acusado de difamar o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no seu artigo “O Batom da Ditadura”. De lá para cá, o que mudou?
RM: A situação piorou e veja, eu ganhei o caso contra o Presidente, porque levei o caso às Nações Unidas e o Estado angolano foi condenado a pagar-me uma indeminização que se recusou a fazer e até, na altura, justificou que não reconhecia a autoridade das Nações Unidas. Mas agora está no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já reconhece o prestígio e autoridade que as Nações Unidas conferem ao regime angolano.
Só para explicar, e mais uma vez também neste caso, estranhamente surge um documento, o meu registo criminal em como sou, de facto, um condenado – quando naquela altura o próprio regime teve medo. E eu nunca recebi a notificação do Tribunal Supremo, porque eles tiveram medo com a pressão que foi feita de notificar para que eu cumprisse cadeia ou pagasse indeminização ao Presidente.
Então, o Poder Judicial é utilizado de forma arbitrária pelo poder político e quando isso acontece não nos podemos manter calados, antes pelo contrário, para que, de facto, os direitos dos cidadãos sejam respeitados. E ali onde a Constituição confere poderes absolutos ao Presidente, de forma autocrática, então devemos lutar para repelir esses articulados de modo a que Angola seja um país efectivamente livre e todos os cidadãos tenham participação equitativa na vida pública.
DW África: Este prémio e também o facto de 17 organizações dos direitos humanos endereçarem uma carta às Nações Unidas, o facto de a Amnistia Internacional pedir a atenção para o seu caso são coisas que podem jogar a seu favor na próxima semana?
RM: O que pode jogar a meu favor, sobretudo, é a minha consciência, o cumprimento do meu dever profissional e de cidadania e, fundamentalmente também, todo aquele trabalho, a coragem das testemunhas e das vítimas que partilharam as suas histórias comigo sobre os abusos dos direitos humanos na região diamantífera das Lundas, isto é que joga, sobretudo, a meu favor.
É importante a solidariedade internacional, é importante que as organizações internacionais e nacionais também manifestem essa solidariedade. Mas o fundamental aqui é entender que enquanto cidadão angolano é minha responsabilidade contribuir para que tenhamos um país melhor. E mais uma vez, este caso é uma possibilidade, é um privilégio, uma honra que o regime me concede para desafiá-los em tribunal.
DW África: A entrega deste prémio decorre numa altura em que continuam detidos dois activistas que tentaram organizar um protesto em Cabinda. Que solução deseja para este caso?
RM: Eles estavam a exercer um direito constitucional. Só temos que seguir a Constituição no que toca ao direito de liberdade de manifestação. É mandá-los para casa. É um abuso que estejam detidos, é uma violação do seu direito constitucional e nada mais.
(*) DW África