Por finais de 1955 e princípio de 1956, Beto Van Dúnem começou a ser aliciado por Higino Aires e Liceu Vieira Dias para integrar uma célula dum movimento de libertação de Angola.
Por António Setas
N essa altura o jovem Beto aceitou a proposta, mas nem sequer conseguiu ficar a saber para que movimento “trabalhava”. Foi participando em algumas reuniões e colaborava como estafeta para o “misterioso” movimento, até que um dia, já no final do ano de 1957 participou na distribuição dum panfleto, um panfleto que era o primeiro a ser distribuído pelo Movimento para a Independência de Angola (MIA), fundado, segundo a sua versão, por Viriato da Cruz, Ilídio Machado, Higino Aires de Sousa, André Franco de Sousa e Liceu Vieira Dias.
Beto Van Dúnem foi preso e fez parte do processo dos 50. A respeito dessa passagem pela prisão, esse nacionalista lembra-se dum episódio assaz curioso que se pode inserir numa análise comparativa a propósito da preparação do ataque às prisões do 4 de Fevereiro de 1961.
Das duas últimas semanas de Janeiro de 1961 correu o mujimbo de que a missão dos novos aviões que tinham acabado de chegar a Luanda, a que davam o nome de “Barriga de Ginguba”, de facto um cargueiro destinado ao transporte de mercadorias pesadas, era “mazé” carregar os prisioneiros que se encontravam na prisão de São Paulo e levá-los em viagem sem retorno até ao alto mar, onde eles seriam descarregados à força e lançados de muito alto em pleno oceano Atlântico.
Isto era o que se dizia à boca pequena, e aconteceu que no dia 1 de Fevereiro a seguir, dia de visita aos prisioneiros da prisão de São Paulo, notou-se uma grande polvorosa e efervescência, por se juntarem aos mujimbos relacionados com os aviões “Barriga de Ginguba” o facto de muitos prisioneiros terem pedido aos seus familiares quantidade anormal de roupa podendo levar a pensar que eles iam viajar. Viajar!!?…Não seria a bordo do “Barriga de Ginguba… para serem lançados ao mar??!…
Eis como nasceu nessa altura uma enorme angústia no seio das famílias dos nacionalistas angolanos que estavam presos na prisão de São Paulo. E não só, pois os patriotas ainda em liberdade e que faziam tudo o que podiam para libertar os que estavam presos, também muitos deles estavam à beira duma crise de nervos. E para dar um exemplo, precisamente nesse dia 1 de Fevereiro de 1961, dia de visita à prisão de São Paulo, Beto Van Dúnem lembra-se de, a certa altura, ter visto um jovem negro a entrar espavorido pela sala adentro e ir ao encontro do Agostinho Mendes de Carvalho.
Chegado à sua beira, perguntou-lhe, muito depressa, “É verdade que vocês vão viajar?”. E o Mendes de Carvalho, “Dizem que sim. Parece que vamos sair daqui”, “Para onde”, insistiu o negro, muito nervoso”, “Não sei”, fez o Mendes de Carvalho, “estes gajos fazem o que lhes apetece, sei lá para onde é que vamos”. O jovem não esperou por mais conversa, deu um apertão no ombro do Mendes de Carvalho e saiu espavorido, tal como tinha entrado, a correr.
Depois disto ter acontecido, Beto Van Dúnem aproximou-se de Mendes de Carvalho e perguntou-lhe quem era aquele jovem tresloucado que o tinha importunado. “É o Neves Bendinha”, foi a resposta.
Mais tarde veio a saber-se, sempre segundo esta versão de Beto Van Dúnem, que o Neves Bendinha tinha nesse dia saído da prisão de São Paulo a correr para ir avisar sem perca de tempo o cónego Manuel das Neves da probabilidade de os presos serem evacuados a breve trecho das prisões. Entre os nacionalistas angolanos via-se já o “Barriga de ginguba” a levá-los pelos ares rumo ao alto mar, a despejá-los do meio do oceano.
Enfim, este é mais um entremez, mais uma pequena peripécia que teria apressado o despoletar do ataque às prisões militares de Luanda no dia 4 de Fevereiro de 1961.