Dias após ter sido eleito deputado à Assembleia Nacional pelo círculo provincial da Huíla, Vigílio da Ressurreição Bernardo Tyova escreveu ao ministro da Geologia e Minas a solicitar uma concessão para a exploração, extracção, comercialização e exportação de quartzo no município do Quilengues.
Por Rafael Marques de Morais (*)
N a carta, datada de 18 de Setembro de 2012, o deputado Tyova apresentava-se como sócio-gerente, advogado, “professor universitário” e 2.º secretário do Comité Provincial do MPLA na Huíla. Até 2010, o empresário exerceu o cargo de administrador municipal do Lubango, província da Huíla, a sede dos seus negócios.
Em posse do título de exploração de granito negro n.º 1012/327/TE/DNLCM/2008 em Mpunda, na comuna da Quhita, município da Chibia, o deputado procurava assim aumentar o número de concessões em seu nome.
A Omatali é uma empresa familiar na qual o deputado detém 75 por cento do capital, cabendo aos seus filhos a restante percentagem.
Em discursos oficiais, o presidente da República e a Procuradoria-Geral da República têm defendido sobremaneira a corrupção, ora como um mecanismo de criação da burguesia nacional ora por alegada falta de provas para a investigação de servidores públicos suspeitos de corrupção.
No entanto, o caso de Vigílio Tyova espelha melhor a serventia das leis e da Constituição para os dirigentes do MPLA. Na correspondência, o deputado nota, no cabeçalho, que é advogado e consultor, mestre e pós-graduado em Direito. Logo, Vigílio Tyova conhece bem as leis, sendo também regente universitário de uma disciplina de Direito.
A Constituição estabelece que o mandato de deputado é incompatível com “o exercício da função de administração, gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que prossigam fins lucrativos” (art. 149.º, 2.º a).
Todavia, a 21 de Setembro de 2012, após a realização de uma assembleia geral dois dias antes, o deputado decidiu afastar-se formalmente da gerência e administração da sociedade. Nomeou, para o efeito, os cidadãos João Eduardo Gulofe e Francisco Paulino Adriano. Mantém-se, no entanto, como o presidente e único membro da assembleia-geral da Omatali.
Um deputado e jurista do MPLA garante que “a função de membro da assembleia-geral de uma empresa é incompatível com o exercício do cargo de deputado. A Constituição é clara e severa”.
Entretanto, até ao ano passado, Vigílio Tyova continuava a exercer cumulativamente vários cargos de gerência de empresas suas. Precavido, Tyova mantém as presidências das assembleias-gerais das referidas empresas, conforme provam documentos em posse do Maka Angola.
Para a presente investigação, este portal cinge-se apenas a três empresas, conforme a narrativa que se segue.
Apenas a 10 de Fevereiro de 2014, Vigílio Tyova apartou-se do cargo de gerente da AFRICAD – Publicidade e Marketing Lda.. Mantém o cargo de presidente da assembleia-geral, pela qual assina em seu nome e no da sua filha menor, Airosa Leocádia de Candeias e Tyova. Pai e filha são os únicos sócios da empresa. João Eduardo Gulofe e Francisco Paulino Adriano foram nomeados gerentes na reunião da assembleia-geral realizada pelo deputado e em representação da sua filha menor, em nome de quem tomou as decisões, assinando por ela, a 10 de Fevereiro. Ou seja, a reunião realizou-se com a presença de um indivíduo apenas, Vigílio Tyova.
No mesmo dia, 10 de Fevereiro de 2014, e à mesma hora, 12h30, o deputado Vigílio Tyova dirigiu uma outra assembleia-geral referente a uma outra empresa, a Vivotours Lda. Nessa reunião, que também tinha como ponto único a alteração da gerência da sociedade, o dirigente do MPLA nomeou João Eduardo Gulofe e Francisco Paulino Adriano para o substituírem no referido cargo.
As duas reuniões simultâneas terminaram exactamente às 12h45 e, em relação à Vivotours, o deputado também reuniu sozinho e em representação do seu filho menor, Aires Ribeiro Candeias e Tyova, por quem assinou a acta. Pai e filho são os únicos sócios da empresa.
Todas estas empresas estão sedeadas na Huíla, e as medidas foram registadas em notário pelo responsável do Cartório Notarial da Comarca da Huíla, Luís Tavares Monteiro de Carvalho.
Contactado telefonicamente por Maka Angola, Vigílio Tyova garante que “desde que fui eleito deputado tratei de substituir-me na gestão das empresas”.
Vigílio Tyova explica ainda que a AFRICAD “praticamente não funciona. Iniciou a sua actividade no ano passado mas não deu nada. Contratámos um português para a gestão, mas que já foi embora”. De acordo com o deputado, o ramo da publicidade e do design requer um tipo de especialização que o gestor português não possuía.
Em relação à Omatali, o deputado esclarece que a empresa mineira “nem sequer iniciou a sua actividade ainda. Estamos à espera de estudos de viabilidade, que também poderão facilitar o acesso ao crédito para a realização dos investimentos necessários”.
Sobre a empresa de turismo Vivotours, o deputado refere que a mesma até “foi inaugurada no ano passado pelo secretário de Estado do Turismo”. “Eu nem sequer estava lá porque tinha uma actividade na Assembleia Nacional”, afirma Vigílio Tyova. “Portanto [a Vivotours] está em início de actividades e não há grandes problemas”, conclui.
Entretanto, sob anonimato, o jurista e deputado do MPLA a quem Maka Angola solicitou uma opinião argumenta que “temos aqui um problema sociocultural que não pode ser visto apenas do ponto de vista normativo [legalista]”.
Para o referido deputado, os seus colegas também têm o “direito de serem empreendedores e é por essa via que podem criar riqueza”.
“É importante que vocês continuem com o vosso trabalho de investigação e de forma pedagógica pela transparência e boa governação. Mas temos de entender o nosso contexto sociopolítico e económico. Aqui estamos em África”, conclui o deputado, sublinhando que as leis devem ser “relativizadas”.
(*) In: Maka Angola