Com efeito, depois da visita de João Lourenço a Cabinda onde inaugurou uma refinaria que ainda não produziu um único litro de combustível, bem como a sede da governação colonial do território, creio que é tempo, e com a maior seriedade, de nós, cabindenses, filhos e filhas, nos colocarmos esta questão, tanto mais que João Lourenço nunca mencionou os seus acordos, nem a FCD nos seus discursos, em 8 anos de poder… E porquê?
Por Osvaldo Franque Buela (*)
A omissão expressa e desdenhosa do Presidente João Lourenço em mencionar os acordos de paz assinado entre o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD) e o MPLA constitui uma forma de arrogância neocolonial, um importante ponto de rejeição e um indicador da negação do conflito em relação à situação actual de Cabinda.
O governo angolano do MPLA comprometeu o Estado angolano e os seus parceiros cabindenses do FCD perante a chamada comunidade internacional de que estes acordos, assinados em 2006, visavam pôr fim a décadas de conflito armado e conceder um estatuto especial ao território de Cabinda. Estes acordos incluíam promessas de desenvolvimento e reconciliação no papel, mas para muitos cabindenses, estes acordos têm sido, há muito, uma casca vazia, e o silêncio de João Lourenço sobre o FCD e o Memorando de Entendimento do Namibe é profundamente significativo.
A negação do problema de Cabinda é, como já referi anteriormente, uma estratégia política de decadência programada e implementada pelo governo angolano e, sob João Lourenço, a narrativa foi sempre a de minimizar ou negar a existência de um conflito específico em Cabinda. Para João Lourenço, mencionar estes “acordos de paz” assinados com uma facção da FLEC seria um reconhecimento implícito da existência do conflito e da legitimidade das reivindicações do povo cabindense, atitude que ele evita a todo o custo e por força militar. O objectivo de João Lourenço e do MPLA é continuar a tratar Cabinda como uma simples província angolana, e talvez menos, ainda nestes chamados tempos de paz.
João Lourenço sabe perfeitamente que, à data da assinatura, o actual FCD era FLEC-Renovada, a única e principal facção da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), com a qual o governo angolano tinha imposto o acordo em vez de negociar, explorando a situação judicial enfrentada por Bento Bembe.
No entanto, o FCD fragmentou-se, isolou-se, perdeu força, e, como consequência, João Lourenço nunca teve necessidade de se referir a estes acordos para implementar as suas políticas em Cabinda. João Lourenço gere Cabinda através de uma governadora com actores locais seleccionados e ignora deliberadamente o FCD com quem assinou acordos por razões não legítimas, mas por arrogância e desprezo.
Mas diante desta atitude, o que dizem os intervenientes do Fórum Cabindês para o Diálogo?
Até as últimas notícias vistas nas redes sociais e noutros meios de comunicação, Bento Bembe, numa volta de 90 graus, começou a contar-nos uma nova narrativa segundo a qual, qualquer falha dos acordos se deve à má vontade do Governo angolano, e que o acordo continua em vigor… mesmo que todos tenhamos notado a ausência de membros do FCD durante a inauguração da famosa refinaria de Cabinda, uma estrutura económica essencial para o território mas que, no fim de contas, não resolve de forma alguma o conflito territorial.
Dentro do FCD, esta narrativa de Bento Bembe não passa, ninguém acredita nesta narrativa como a única causa dos fracassos dos acordos da Namíbia, neste caso o general reformado e antigo secretário da embaixada de Angola em Brazzaville, cito, José Tembo Bissafi.
Para José Tembo Bissafi, a letargia em que se encontra o FCD e a incapacidade de implementar o estatuto especial para Cabinda é uma questão de responsabilidades partilhadas, sendo a maior dessas responsabilidades o facto, por parte de Bento Bembe, de uma fraca defesa dos acordos do Namibe e de um confisco da gestão opaca do FCD, dos seus bens e património pelo seu clã familiar.
Para tal, após o fracasso e a sabotagem da comissão de gestão criada após a morte do General Amado Nzulu, e a rejeição da moção de reflexão para a revitalização do FCD, José Tembo Bissafi, lançou no dia 4 deste mês, um projecto alternativo para a defesa dos acordos do Namibe, denominado União para a Defesa dos Acordos do Namibe-Acção Política, abreviadamente UDAPN—AP.
José Tembo Bissafi, que é um dos vice-presidentes do FCD, pensa que com o rapto do FCD por Bento Bembe, que exclui todos os cabindenses do capítulo, a UDAPN quer tirar o dossiê de Cabinda da sua letargia através de uma melhor defesa e aplicação concreta de um estatuto especial para Cabinda através do respeito e da dignidade do povo cabindense de acordo com o espírito e a letra da assinatura dos acordos do Namibe.
No seu comunicado de imprensa distribuído aos órgãos de imprensa nacionais, que certamente decidiram silenciá-lo, Bissafi colocam-se dois desafios: sair do status quo, restabelecer a credibilidade dos compromissos assumidos e, concretamente, encontrar com o governo do MPLA um calendário, garantias e um mecanismo de verificação partilhado para a transformação e estabelecimento de um canal de diálogo aberto com as autoridades angolanas.
Num contexto de fragmentação e divisões da elite cabindense, Bissafi quer unir o povo cabindense em torno de uma agenda partilhada e transparente, porque a unidade pragmática não deve ser um luxo mas sim uma condição de credibilidade para um diálogo sustentado e uma implementação coerente dos acordos com o governo, permitindo que todos saibam quem assina o quê, quem fala por todos e quem transmite a mensagem ao povo.
No papel, tudo está bem, mas…
Pela minha modesta experiência, ainda questiono o sucesso de uma iniciativa tão nobre sem ser pessimista, tentando somente ser um pouco objectivo, pois é evidente que, como todos observamos em todas as ocasiões, os atores políticos cabindas respondem com rapidez e celeridade quando se trata de participar de encontros com partidos políticos da oposição angolana e nutrem grande desconfiança quando se trata de nos reunir e discutir juntos, mesmo que não concordemos em tudo.
A minha segunda pergunta é se esta iniciativa não chega um pouco tarde, 19 anos depois da assinatura dos referidos acordos, se o governo angolano se dará ao luxo de ouvir um dos vice-presidentes do FCD, já que este condecorou Bento Bembe com uma das famosas medalhas, que ultimamente entraram na moda em Luanda?
Concluindo, diria que nós, actores e observadores da vida política de Cabinda, jamais devemos subestimar os Acordos do Namibe, não porque não gostemos deles, nem porque tenham sido assinados com uma facção da FLEC, ou por uma pessoa detestável e odiada, mas porque esses acordos têm a assinatura e o selo do governo angolano. E enquanto o governo angolano, independentemente do seu silêncio ou má vontade, não os denunciar oficialmente por decreto, eles serão vinculativos para Cabinda, para as nossas vidas e para a nossa própria existência. Portanto, permaneçamos vigilantes contra qualquer manipulação política, especialmente com a aproximação das eleições.
Boa sorte ao General Bissafi e que Deus abençoe Cabinda.
(*) Escritor, pan-africanista e refugiado político na França