O Presidente angolano declarou hoje, em Lisboa, que a CPLP é mais do que a língua portuguesa, é cultura e trocas comerciais entre os Estados-membros e que África tem potencial para servir o mundo, com o devido investimento.
O Presidente da República de Angola, João Lourenço, esteve na manhã de hoje no 8.º Fórum EurAfrican, promovido pelo Conselho da Diáspora Portuguesa na Universidade Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Carcavelos (Lisboa), onde foi o orador convidado para a ‘Conversa com os Presidentes’, que encerrou o evento, num diálogo com o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, moderado pela directora editorial do Sapo, Joana Petiz.
Para o chefe de Estado angolano e também actual detentor da presidência rotativa da União Africana (UA), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) “é mais do que a língua portuguesa, é cultura, trocas comerciais entre os Estados-membros” e a própria diversidade da língua portuguesa, em termos de sotaques pelo globo, são um “enriquecer da mesma”.
O chefe de Estado português considera a CPLP um projecto que tem influência nos diversos continentes e que pode ser uma ponte entre instituições como a União Africana e a União Europeia, que tem como presidente do seu conselho o ex-primeiro-ministro português António Costa.
“Sabem quem é que desencadeou as cimeiras da União Europeia com África? Portugal. Primeiro em 2000, depois em 2007 e agora a próxima vai ser em Angola”, na capital, entre 24 e 25 de Novembro, indicou Marcelo Rebelo de Sousa.
Para o presidente da UA, o potencial de Angola e do continente africano, de uma forma geral, não se restringe ao seu potencial humano, ao ter uma população jovem que simboliza o futuro.
“Em relação a África, penso que não nos deveríamos limitar a falar do potencial demográfico. É um facto que África é um continente essencialmente jovem (…) está em vantagem em termos de força de trabalho que pode servir o continente e o mundo”, frisou João Lourenço.
“Portanto, a Europa devia olhar para ele [potencial demográfico] com outros olhos, investir em África, até para evitar que os jovens africanos atravessem o [mar] Mediterrâneo e cheguem à Europa nas condições que conhecemos. Se o investimento for feito em África, não só eles vão servir o continente, como vão servir o resto do mundo, servir a Europa, em melhores condições, mais qualificados, portanto, para ocuparem, digamos, o mercado de trabalho”, reiterou.
Sobre o investimento chinês no continente, o Presidente angolano argumentou que a Europa está em África há cinco séculos e que a China chegou há poucas décadas, por isso, o ‘velho continente’ deveria tirar maior partido dessa vantagem de “ter chegado primeiro”.
“A Europa poderia tirar um melhor proveito, no sentido de serem retiradas vantagens mútuas, do facto de conhecer melhor o continente africano, porque sempre esteve em África”, declarou o chefe de Estado africano.
João Lourenço frisou que África precisa de investimento em infra-estruturas e que, dessa forma, pode solucionar dois problemas mundiais: a fome e a crise climática.
Por um lado, o continente possui as maiores reservas de minerais raros, essenciais para a energia verde e, por outro, “pode ser o celeiro do mundo”.
No entanto, o chefe de Estado reiterou que a falta de investimento faz com que o continente não esteja a evoluir da forma como ambiciona, o que justifica o facto de ainda não se ter conseguido implementar uma zona de comércio livre em África.
“Ainda não conseguimos cumprir com uma das decisões, das mais importantes, da União Africana: da criação da zona de livre comércio continental. Mas só haverá comércio entre os nossos países se existir a possibilidade de locomoção, de mobilidade de pessoas e de bens, o que infelizmente não acontece actualmente”, lamentou.
Na sua opinião, África só se vai desenvolver se investir “fortemente em energia, na sua produção e distribuição”, em meios de transportes e na industrialização.
Por fim, o chefe de Estado angolano frisou que para se atrair investimento é preciso “criar bom ambiente de negócios” e convencer os investidores “que só têm a ganhar se o fizerem”.
Enquanto isso, o Presidente da República portuguesa considerou hoje que às vezes a União Europeia está “concentrada demais” em si e “perde a visão do mundo”, pedindo que se “vire para fora” e tenha “um novo empenho” em África.
Marcelo Rebelo de Sousa fez estes pedidos durante uma sessão no Eurafrican Forum, em Carcavelos (Cascais), que consistiu num diálogo com o Presidente de Angola.
João Lourenço considerou que a Europa pode fazer “fazer mais e melhor” em África, frisando que “o potencial é grande e existem oportunidades” de investimento em sectores como a energia ou as infra-estruturas que trariam benefícios mútuos aos dois continentes.
Depois de ouvir estas palavras, Marcelo Rebelo de Sousa concordou que há um conjunto de sectores nos quais a cooperação entre os dois continentes “é inevitável”, como digital, “alta tecnologia” ou transição energética, e apelou para um “novo empenho europeu na compreensão de África”.
“Porque é que a Europa demora tanto tempo a perceber coisas que são óbvias? Porque a Europa tem-se formado aos bocadinhos e com uma atenção muito grande à geopolítica interna”, considerou.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, a UE “às vezes, está muito concentrada, concentrada demais em si mesma, no seu umbigo”, em questões como os alargamentos a outros Estados-membros, o funcionamento institucional, as crises internas e, “agora, recentemente, a guerra na Europa e o investimento em Defesa”.
“De cada vez que a Europa é chamada a concentrar-se em si, perde a visão do mundo, até para explicar porque é que certas questões que aparentemente são europeias, são questões mundiais. E perde a visão, desde logo, das relações com África, e isso tem acontecido muitas vezes”, avisou.
É por esse foco particular nas questões internas, prosseguiu o Presidente da República, que “a Europa é comercialmente, no somatório das suas realidades, muito forte, mas não aparece tantas vezes quanto necessário como potência internacional mundial, nomeadamente no plano económico e financeiro”.
Neste ponto, Marcelo Rebelo de Sousa abordou a 25.ª cimeira UE–China, que se realizou esta quarta-feira, em Pequim, para salientar que viu “com apreço” essa reunião e frisar que não há “razão nenhuma para a Europa não estar atenta à cooperação económica e financeira com a China”.
Marcelo salientou que isso conheceu “anos de paragens”, mas manifestou esperança de que a Europa esteja a começar a perceber que “virar-se para fora é ser maior do que virar-se para dentro”.
“E, ao virar-se para fora, esse fora (…) é um fora dentro, porque é uma realidade que existe fora e dentro da Europa, que se chama África. Parece uma evidência”, disse.
Marcelo Rebelo de Sousa abordou ainda o facto de Angola deter actualmente a presidência rotativa da União Africana (UA), para elogiar João Lourenço por ter assumido “três linhas estratégicas”: a defesa da paz, “uma visão continental com eixos estratégicos de mobilidade a todos os níveis” e uma “mudança de financiamento”.
“Estas três grandes linhas são linhas que só podem ser, e têm de ser compreendidas pela Europa e pela UE, desde já na cimeira entre a UE e a UA”, em Novembro, em Luanda, disse.
Para Marcelo, numa altura em que a “moda parece ser não o multilateralismo” mas “o fechamento”, essa cimeira pode ser fundamental para a Europa perceber melhor a importância da parceria com África e a importância que tem “na balança de poderes mundiais, neste momento e no futuro”.
“A importância que tem na construção de um sistema internacional com regras, com valores e com princípios fiáveis para a economia internacional poder funcionar. Tudo isso está a ser construído”, defendeu.
No final da conversa, instado a deixar uma mensagem, enquanto líder europeu, a África e à UA, Marcelo Rebelo de Sousa disse estar “muito confiante no empenhamento europeu, no que é um salto qualitativo na União Europeia” e numa “nova fase” nas relações entre os dois continentes após a cimeira de Novembro.