A consultora Oxford Economics considerou hoje que a isenção tarifária oferecida pela China a todos os países africanos “não é apenas uma iniciativa comercial, mas sim uma manobra estratégica” para redefinir a relação com o continente.
A “política de tarifas zero de Pequim não é apenas uma iniciativa comercial, é uma manobra estratégica para redefinir as suas alianças com África, reduzir o poder de influência dos Estados Unidos, e implantar a China de forma mais profunda no futuro político e económico do continente”, dizem os analistas do departamento africano desta consultora britânica.
Num comentário à decisão de Pequim de isentar de tarifas todas as exportações africanas para a China, com excepção de Essuatíni por reconhecer Taiwan, os analistas escrevem que “a implicação mais profunda é um declínio gradual da influência norte-americana em África, com os líderes chineses a ficarem mais inclinados a apoiar a perspectiva chinesa no palco mundial, diminuindo assim a influência do Ocidente”.
Para além disso, apontam ainda, as tentativas dos países ocidentais de imposição de sanções ou implementação de regulamentos comerciais pode perder a eficácia, já que “as economias africanas estarão mais integradas com as cadeias de abastecimento e redes comerciais chinesas”.
Na semana passada, durante o Fórum de Cooperação China África (FOCAC), a China anunciou isenções tarifárias totais para produtos tributáveis dos 53 países africanos com os quais mantém relações diplomáticas, bem como novas medidas para facilitar o acesso de produtos africanos ao seu mercado.
Paralelamente, Pequim reafirmou a sua disponibilidade para cooperar com África em sectores como indústria verde, comércio electrónico, inteligência artificial, segurança e governança, no contexto de uma relação económica que ganhou peso.
Segundo dados da Administração Geral de Alfândegas, o comércio bilateral superou os 2,1 triliões de yuans (255,7 biliões de euros) em 2024, enquanto nos primeiros cinco meses de 2025 cresceu 12,4% em relação ao ano anterior, até 963,21 biliões de yuans (117,29 biliões de euros).
De acordo com a Oxford Economics, a República Democrática do Congo e Angola eram, em 2023, os maiores exportadores africanos para a China, com o país lusófono a exportar quase metade (46,4%) das vendas totais para o gigante asiático, numa lista onde Moçambique também aparece em lugar de destaque, com quase 20%.
A situação da dívida angolana à China é mais antiga do que a iniciativa Belt and Road de 2013, começando a ser desenvolvida a partir do final da Guerra Civil em 2002, constituindo-se a China no principal financiador da reconstrução que se sucedeu. Neste momento, considerando os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), o stock da dívida pública de Angola em relação à China é 18,4 mil milhões de dólares (biliões na designação anglo-americana), correspondendo a 37% da dívida total.
Mais do que isso, os números mostram que entre 2019 e 2023 esse montante desceu de 22,4 mil milhões para 18,4 mil milhões. Tal significa que, em quatro anos, Angola pagou – só de capital, sem contar com juros – 4 mil milhões de dólares à China. Tem sido notado por todos o peso que o pagamento da dívida pública tem no Orçamento Geral do Estado, notando-se sérios apertos nas Finanças Públicas angolanas em 2023, e antevendo-se que o mesmo aconteça em 2024, sobretudo a partir de Março, tendo em conta as necessidades de pagamentos à China.
Embora, não entendamos que o pagamento da dívida à China coloca em causa a solvabilidade do Estado angolano, entendemos que tem um efeito crowding out muito significativo, uma vez que retira recursos do Orçamento Geral do Estado que poderiam ser destinados ao desenvolvimento e ao sector social para pagamento de dívida, dívida que em certa parte é polémica, uma vez que houve uma utilização muito questionável dos empréstimos: Parte dessa dívida foi destinada a infra-estruturas descartáveis, como estádios e estradas que hoje estão em condições precárias. Além disso, uma parcela significativa desses empréstimos acabou apropriada privadamente por dirigentes angolanos, prejudicando a economia do país.
Há um claro problema angolano com a dívida chinesa, que como acabámos de descrever sumariamente, também existe em relação a outros países africanos.
Sendo a dívida chinesa uma questão africana, não deve continuar a ser encarada bilateralmente, tornando-se evidente que cada Estado, por si, pode ser demasiado fraco para negociar com a China, uma das potências mundiais da actualidade ou para surgir sozinho nas organizações que os credores promovem. Os credores unem-se, enquanto os países africanos os enfrentam sem apoio, individualmente.
Seria importante que a Conferência da União Africana, órgão supremo da UA composto pelos chefes de estado e de governo (art.º 6 do Acto Constitutivo da UA) criasse um Comité Conjunto de Negociação da Dívida Chinesa (art.º 6.º, d) de si dependente, mandatado para negociar com as autoridades chinesas um quadro global de reajustamento da dívida africana para com a China, que depois seria aplicado a todos os que pretendessem um aligeiramento da divida.
Torna-se evidente que a negociação da divida africana com a China é um processo complexo que envolve a interacção entre as diferentes partes com interesses e objectivos distintos. Para alcançar o sucesso é fundamental considerar a unidade africana para exigir a cooperação chinesa. Essa unidade traduz-se, desde logo, em reunir informações e obter o máximo de elementos para a negociação, o que um órgão conjunto pode facilitar. Em negociações complexas, o tempo e a capacidade de entender o outro são aspectos fundamentais, e nesse sentido, uma solução una africana permitirá uma muito maior troca de experiências, e, simultaneamente, um acompanhamento mais técnico, menos emotivo e com mais peso negocial da negociação.
Torna-se fundamental que África delineie uma política conjunta para lidar com a dívida chinesa de igual para igual e não numa posição de fraqueza.
Uma solução clara é fazer passar todas as negociações por um corpo unido africano dentro da União Africana, tornando-se numa negociação alargada União Africana-China. Tal permitiria igualmente reforçar a unidade do continente berço.