SEM COMIDA NEM ESCOLARIDADE

O representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância em Angola (Unicef), Antero Almeida, reconheceu hoje o aumento a cada ano do orçamento para a educação, mas lamentou que um elevado número de crianças continue fora do sistema de ensino. Importa perceber, e relembrar, que o MPLA ainda não teve tempo para fazer tudo porque só está no Poder há… 49 anos!

Antero Almeida intervinha na abertura de uma mesa-redonda sobre Investimentos no Sector da Educação, que junta representantes do Unicef, do Ministério da Educação, do Ministério das Finanças e membros da sociedade civil.

“Reconhecemos os esforços do Governo de Angola e o aumento a cada ano do orçamento dedicado à educação e as metas ambiciosas definidas no Plano Nacional de Desenvolvimento 2023-2027, que visam o aumento da taxa líquida de escolarização na classe de iniciação, em dez pontos percentuais, e no ensino primário, em seis pontos percentuais, e secundário, em quatro pontos percentuais, até 2027”, referiu Antero Almeida.

O responsável (como lhe compete de acordo com as ordens superiores do… MPLA) aplaudiu igualmente o foco do Governo angolano na venda de gato por lebre, caso da expansão do acesso à educação, através da construção de escolas (algumas inauguradas diversas vezes) e centros infantis, de importantes iniciativas como o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e o foco na qualidade do ensino e na formação de professores, através de projectos piloto como “Aprendizagem na Idade Certa”, que visam reforçar competências e novas abordagens que permitirão reduzir lacunas e acelerar o aprendizado dos alunos.

“Entretanto reconhecemos também os desafios em relação ao número elevado de crianças ainda fora do sistema de ensino, a diferença entre as meninas e meninos que não transitam do ensino primário para o ensino secundário e a sobrelotação das infra-estruturas escolares, influenciando a qualidade do ensino”, sublinhou.

De acordo com Antero Almeida, presentemente a proposta do Orçamento Geral do Estado para 2025 “define a maior alocação de sempre para educação”, com 2,24 biliões de kwanzas (2,1 mil milhões de euros), representando 6,5% do total do OGE. A verba para a educação tem vindo a aumentar nos últimos cinco anos. Aumenta em termos formais, contabilísticos, mas no terreno o resultado continua a ser uma miragem.

Para Antero Almeida, “só será possível alcançar a meta da Declaração de Incheon de 20% e melhorar a qualidade da despesa, se houver melhorias na alocação dedicada ao sector de educação”.

Esta mesa-redonda, salientou o representante do Unicef, é uma oportunidade para peritos e responsáveis do sector, com o compromisso da sociedade civil e parceiros internacionais de discutirem os caminhos e as estratégias para se alcançar “mais e melhores resultados, com os recursos existentes”, identificando também outras fontes de financiamento para o sector.

“Garantir uma educação de qualidade para todos os meninos e todas as meninas em Angola é fundamental para o crescimento económico, sendo que cada dólar investido na educação gera até 10 dólares em benefícios económicos”, observou.

Por sua vez, o secretário de Estado para o Ensino Pré-Escolar e Ensino Primário angolano, Pacheco Francisco, referiu no seu discurso de abertura que “o Governo tem buscado nas suas acções maior aproximação da qualidade dos processos educativos, tanto no que concerne ao alinhamento curricular, quanto à melhoria dos programas e dos manuais escolares, enquanto acções de relevância estratégica”.

Pacheco Francisco sublinhou igualmente a necessidade de se reforçar o investimento de modo a reforçar o papel da educação na sustentabilidade do país.

“O que se pretende com o aumento gradual do orçamento do sector é o maior investimento em recursos humanos, materiais, organizacionais e simbólicos destinados a propiciar um ambiente adequado para o desenvolvimento cabal do sector”, disse.

ANALFABETOS SIM, MATUMBOS NÃO

Mais de quatro milhões de angolanos entre os 15 e os 35 anos continuavam sem saber ler nem escrever, sendo muitos os factores que justificam o elevado número, assumiu em 2018 a então ministra da Educação de Angola, Maria Cândida Teixeira. Se a estes se juntarem os que da leitura e da escrita apenas têm uma vaga ideia, ficamos com a perspectiva do enormíssimo analfabetismo funcional, onde se incluem os que sabem ler e escrever, mas não lêem nem escrevem, muitos dos quais são a reserva intelectual do Governo.

Maria Cândida Teixeira falava, em Luanda, após a assinatura de um protocolo de cooperação entre o Ministério da Educação (MED) e a Igreja Metodista Unida Angola (IMUA), que visava a criação de turmas de alfabetização nos seus templos da Conferência do Oeste de Angola, que abarcava 12 províncias do país.

A então governante reconheceu que muitos dos problemas vividos na sociedade angolana, como a violência doméstica, gravidez precoce, criminalidade, prostituição, “entre outros males” (incompetência governativa, por exemplo), estavam ligados à falta ou à pouca instrução e educação das pessoas.

Por esse motivo, ressaltou, o sector da Educação pretendia implementar os programas contidos na Agenda 2030, que visa transformar a vida da população através da educação como principal impulsionadora para o desenvolvimento do país e bem-estar dos cidadãos.

Maria Cândida Teixeira referiu estar comprometida em estender e melhorar a rede de ensino pelo país, para que todos cidadãos possam ter acesso a formação académica. Estávamos, relembre-se, em 2018.

Por seu turno, o assistente do bispo da Igreja Metodista Unida, reverendo Manuel André, afirmou que o protocolo tinha o objectivo de “redimensionar o combate sem tréguas ao analfabetismo”.

Salientou também que a Igreja Metodista Unida tinha, doravante, o compromisso de transformar os templos em centros de escolaridade, para ajudar os cidadãos que necessitam de aprender a ler e a escrever.

Já o especialista de programas da UNESCO em Angola, Nicolau Bubuzi, lembrou que, actualmente, existem mais de 360 milhões de crianças e adolescentes em todos o mundo que estão fora do sistema de ensino. Por outro lado, acrescentou, seis em cada 10 crianças e adolescentes, o equivalente a 617 milhões de pessoas, não adquirem as competências mínimas em literacia.

Acrescentou ainda que 750 milhões de jovens e adultos ainda não sabem ler nem escrever, dos quais dois terços são mulheres, factores que estão na base da exclusão social, da desigualdade social e do género.

O memorando, então assinado pelo director nacional do Ensino de Adultos, Evaristo Pedro, e o reverendo Manuel, previa que a IMUA disponibilizaria as turmas e os professores, enquanto o MED ficaria responsável pela formação dos alfabetizadores voluntários e garantir o fornecimento do material didáctico e a certificação dos formandos.

“Vira” o ministro, toca o mesmo

Setembro de 2017. O então ministro da Educação, Pinda Simão, disse, em Luanda, que 25% da população angolana ainda era analfabeta, mas apesar da crise económica e financeira que o país enfrentava, 500.000 pessoas estavam a ser alfabetizadas em todo o país.

Apesar de pecar por defeito, esta percentagem de analfabetos é só por si um atestado de incompetência a quem nos desgoverna há 49 anos.

Pinda Simão, que falava em Luanda por ocasião do Dia Mundial do Analfabetismo, disse que Angola estava “comprometida com uma agenda de educação única e renovada, ousada e ambiciosa”.

Aqui foi (como continua a ser) altura para rir. Falar de “uma agenda de educação única e renovada, ousada e ambiciosa” é a expressão exacta de mais uma piada candidata ao anedotário nacional, na senda do exemplo dado pelo general João Lourenço.

O então governante angolano referiu ainda que, porque 24,7% da população angolana não saber ler nem escrever, este é um desafio para toda a sociedade, “de garantir que o analfabetismo não constitui factor de exclusão” para esses cidadãos. O então ministro não sabia o que dizia e nem dizia o que sabia.

Segundo Pinda Simão, devido à crise económica (antes a desculpa era a guerra agora é a crise) que Angola enfrenta desde finais de 2014, com a baixa do preço do petróleo no mercado internacional, não tinham sido pagos os subsídios a alfabetizadores e facilitadores, bem como para a aquisição dos materiais didácticos.

O titular da pasta da Educação realçou que, apesar das “inúmeras dificuldades resultantes da crise económica, há uma demonstração clara do espírito de sacrifício, que caracteriza os alfabetizadores, facilitadores, formadores e todos os agentes envolvidos no processo”, aos quais reiterou os seus agradecimentos.

Para o então ministro, o desafio para o futuro passava “pela melhoria da qualidade do processo e a criação de condições, para que um maior número de alfabetizados possa dar continuidade aos seus estudos até à conclusão do ensino primário”.

Sobre o lema das celebrações da data, “Analfabetismo num Mundo Digital”, Pinda Simão disse que deviam ser objecto de reflexão questões como o tipo e níveis de alfabetização necessários, num mundo cada vez mais digital, bem como a adaptação dos programas, em termos de metodologias de ensino e aprendizagem.

O então ministro acrescentou que as tecnologias podem ser decisivas para um melhor acesso à educação, informação e conhecimento, tendo assegurado que o Governo adoptou iniciativas no sentido de acelerar o desenvolvimento com o uso das novas tecnologias.

“A governação electrónica, a expansão da rede digital no país e o aumento das condições para um maior acesso à internet são já uma realidade em pelo menos todas as sedes municipais do país. O projecto de construção de 25 mediatecas enquadra-se nos esforços para conferir mais cidadania e mais inclusão”, referiu.

Recorde-se que Angola gastou menos de 2% do total das despesas públicas orçamentadas para o sector global da Educação, nos últimos doze anos, segundo um estudo divulgado no dia 29 de Junho de 2017, assinalando que nesse período o peso da dotação orçamental foi de até 1,72%.

Os dados, apresentados em Luanda, constavam do estudo governamental sobre os “Custos e o Financiamento do Ensino Superior em Angola”, realizado por uma consultora portuguesa, que compila o peso da dotação orçamental dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior de Angola.

Este facto, salienta o documento, “pode dificultar a realização, pelos órgãos do governo, das acções necessárias ao crescimento do sistema educativo, em quantidade e em qualidade”.

De acordo com o estudo, no período em análise, 2004 a 2016, a dotação orçamental do Ministério da Educação registou um acentuado decréscimo, a partir de 2008, passando de 1,37% para 0,68% em 2016, enquanto para o Ministério do Ensino Superior assistiu-se a um crescimento muito acentuado.

“Todavia, o esforço despendido pelo país com os órgãos de Governo, que tutelam a educação superior e não superior, revela uma situação que se nos afigura bastante deficitária, quando se percebe que o total das despesas públicas orçamentadas para esses órgãos não chega aos 2% do Orçamento do Estado, na quase totalidade dos anos em análise”, observou.

O trabalho de investigação, realizado entre Julho de 2016 e Maio de 2017, sublinhava que em relação à taxa de alfabetização, o ritmo de crescimento quase que parou nos anos posteriores à década de 1990, contrariando os objectivos de desenvolvimento propostos pelas autoridades angolanas.

O gráfico sobre a taxa de alfabetização espelhava que em 1998 a taxa de alfabetização em Angola cifrava-se em 42% e que de 2001 a 2015 a cifra rondou entre 67,4% e 71,2%.

Folha 8 com Lusa

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