O facto de a Guiné-Bissau ser (se é que já não é) um não-estado não impede que Fundo Monetário Internacional (FMI) anuncie que chegou a acordo com o desgoverno de Umaro Sissoco Embaló para a sétima revisão do Programa de Financiamento Ampliado, o que permite o desembolso de mais 7,2 milhões de dólares (6,6 milhões de euros). Quanto pior melhor, pensa o FMI.
Por Orlando Castro (*)
No comunicado de imprensa do FMI lê-se: “O desempenho do programa foi forte, com as autoridades a cumprirem oito dos novos critérios quantitativos de desempenho até final de Junho de 2024, e as reformas estruturais estão a progredir bem, especialmente no sector energético”.
O FMI dá conta, no mesmo comunicado, da aprovação do desembolso de cerca de 6,6 milhões de euros, de um total inicial de quase 35 milhões de euros, que foi aumentado para 48 milhões de euros em Novembro do ano passado.
Depois da aprovação do corpo técnico, falta ainda o acordo da administração do FMI, o que deverá acontecer a meio de Dezembro, acrescenta a instituição financeira, que prevê um crescimento de 5% do PIB este ano e uma inflação média de 4,2%.
O desempenho do sector do caju estará abaixo das perspectivas, elevando o défice da balança corrente para 7,4%, com o desequilíbrio nas contas públicas a chegar a 5% do PIB, aponta ainda o FMI.
“Doravante, avançar nas principais reformas estruturais vai sustentar um crescimento inclusivo e a diversificação económica, diz o chefe de missão para o país, Niko Hobdari, citado no comunicado.
Mas nem tudo é mau. Quase tudo é péssimo
Em Maio, na mesma altura em que o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, desfilava em Moscovo ao lado de Vladimir Putin, um deputado guineense do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G 15) Manuel Irénio Nascimento Lopes, de 57 anos, era detectado no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, após um voo da transportadora aérea portuguesa TAP proveniente de Bissau, com 13 quilos de cocaína dissimulados na bagagem. Este foi o segundo caso de suspeita de tráfico de droga por parte de individualidades guineenses detidas no Aeroporto de Lisboa.
O Procurador Eduardo Mancanha, que se encontrava de licença de serviço para estudar em Portugal, há mais de três anos, foi detido no passado dia 21 de Abril “em flagrante delito” na posse de dois quilogramas de um produto que se presume ser droga, segundo um comunicado do Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público guineense, no qual foi anunciada a sua suspensão de funções.
A vida dos guineenses está difícil. Em 19 de Dezembro de 2007, António Maria Costa afirmava, em Lisboa, que “a Guiné-Bissau está à beira do colapso, com o Estado incapaz de assegurar a soberania do território face ao narcotráfico e ao crime organizado”.
Dando mais um relevante exemplo de perspicácia, mesmo que eventualmente sustentado por informações dos serviços (pouco) secretos de Portugal, o então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Portas, disse que a questão do narcotráfico também foi a chave do golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 na Guiné Bissau.
É brilhante. Aliás, quase desde que se tornou independente que todo o mundo (talvez com a excepção de Portugal) sabe que o narcotráfico é uma forma de vida de muitos militares e políticos guineenses.
Na altura, Paulo Portas afirmou que “todas as informações” de que Portugal dispunha relacionavam o golpe de Estado de 12 de Abril na Guiné-Bissau com o narcotráfico e que este assunto em concreto teria de ser analisado pelas Nações Unidas, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, União Europeia e União Africana.
As informações que Paulo Portas recebeu na altura como quentinhas eram, afinal, requentadas e não passavam de uma cópia fiel do que se tem passado desde que, por exemplo, Nino Vieira chegou ao poder, também através de um golpe de Estado. Os relatórios são sempre os mesmos, apenas mudando a data e o nome dos protagonistas.
É pena que ninguém tenha dito a Paulo Portas que, já no dia 24 de Junho de 2009, um relatório do director executivo do Escritório das Nações Unidas sobre a Droga e o Crime (UNODC), António Maria Costa, dizia com todas as letras que o narcotráfico era uma das causas da violência e da instabilidade políticas na Guiné-Bissau.
Já antes, em 19 de Dezembro de 2007, António Maria Costa afirmava, em Lisboa, que “a Guiné-Bissau está à beira do colapso, com o Estado incapaz de assegurar a soberania do território face ao narcotráfico e ao crime organizado”.
Apesar de tudo, houve coisas em que Paulo Portas teve razão. Ou seja, tal como o poder político, entre outros, em Portugal é permeável à corrupção, o poder militar na Guiné-Bissau “é permeável ao narcotráfico”.
O grau de permeabilidade depende, obviamente, de se saber se os golpistas são ou não amigos do governo português. No tempo de Nino Vieira a situação era a mesma mas o então presidente era, digamos, visita de casa dos donos de Portugal. Por isso tinha carta branca para negociar a branquinha. Os de agora não agradam tanto a Lisboa e, por isso, são os mauzinhos da fita.
“Eu não tenho nenhuma dúvida. Todas as informações de que Portugal dispõe apontam para que, claramente, na origem deste golpe de Estado também está o narcotráfico e, ou a Guiné-Bissau tem condições para ser um Estado de Direito, ou a Guiné-Bissau fica sequestrada a um certo poder militar que é permeável ao narcotráfico”, dizia Paulo Portas.
O então chefe da diplomacia portuguesa fez estas declarações durante uma conferência de imprensa em que participou também o então primeiro-ministro guineense deposto, Carlos Gomes Júnior, após uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“As Nações Unidas sempre se preocuparam que a Guiné não servisse como interposto de droga”, disse Carlos Gomes Júnior que recordou que a ONU e a Interpol tinham escritórios em Bissau para a investigação e combate ao tráfico de droga.
Pois é. Mas será que nenhum dos frequentadores dos areópagos da política do reino lusitano se lembra que Nino Vieira esteve metido até ao pescoço em crimes de sangue e de corrupção mais do que activa? Que Nino Vieira usou todo o género de truques, de golpes, para se perpetuar no poder, afastando política ou fisicamente quem lhe fez sombra, casos de Kumba Ialá ou Carlos Gomes Júnior, líder do PAIGC, e depois primeiro-ministro que em tempos disse que Nino teria sido o mentor do assassinato do Comodoro Lamine Sanha?
Mas há mais. Recorde-se que o então presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), principal força política da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, afirmou no dia 25 de Outubro de 2008 que “há dinheiro do narcotráfico na campanha eleitoral” para as legislativas de 16 de Novembro”.
“Só não vê quem não quer. Há dinheiro do narcotráfico nesta campanha eleitoral”, acusou Carlos Gomes Júnior, no seu discurso de abertura da campanha do PAIGC em Bissau, dizendo que “nós não somos tolos, sabemos que há dinheiro da droga na campanha eleitoral. Se formos governo, vamos acabar com o banditismo e o crime organizado neste país, podem ter a certeza disso”.
Carlos Gomes Júnior dizia nesse dia que se fosse eleito primeiro-ministro no dia 16 de Novembro, com foi, iria promover uma ampla reforma no país, dotando as forças de defesa e segurança de meios para combater “todos os crimes” na Guiné-Bissau.
Viu-se. Vê-se. Ver-se-á.