JORNALISTAS? SE EM PORTUGAL É ASSIM…

«Poder-se-ia pensar que da primeira proposta para o Orçamento do Estado deste governo constasse um programa robusto de apoio a quem trabalha em jornalismo. Mas, tal como no Plano de Acção para a Comunicação Social do Governo, também não se vislumbra neste orçamento grande ambição para os jornalistas», diz o Sindicato dos Jornalistas de Portugal, em comunicado.

Pode-se, legitimamente, perguntar o que é que isso importa aos jornalistas angolanos. Importa e muito, sobretudo pelo exemplo. Nada melhor do que ver o que se passa num Estado Democrático e de Direito (Portugal) para analisar como está o jornalismo num país lusófono que, ao fim de 49 anos de independência, ainda não é democrático e muito menos um Estado de Direito (Angola).

Vejamos, nesta perspectiva, o comunicado do SJ de Portugal: «Em reuniões com a tutela ao longo do último ano, o Sindicato dos Jornalistas apresentou algumas medidas que considera essenciais para fortalecer o jornalismo e dar condições de trabalho dignas aos profissionais de informação. Encontrando-as, na sua maioria, ausentes, vimos, uma vez mais, dar nota do que fica a faltar para que haja um plano para os media que vá além das ambições dos patrões, e que valorize a profissão.

«Do orçamento sabemos já que o Governo não actualiza a contribuição audiovisual conforme manda a lei, continuando a fragilizar a situação financeira da RTP. Ora, do plano – que já mereceu a oposição do SJ – à proposta de aumento da dotação orçamental dos órgãos de comunicação social (OCS) públicos, de forma a que lhes seja possível deixar de recorrer sistematicamente à contratação a recibos verdes, pagar salários dignos, e reforçar as suas redacções, respondeu o Governo reduzindo o financiamento da RTP e anunciando a saída de 250 trabalhadores do grupo, para contratar de novo apenas metade desse número, e com um “perfil digital”, independentemente de quem possa sair. Não é fácil entender como o Governo acha que a RTP pode fazer mais e melhor jornalismo com menos meios humanos e menos financiamento, se o fim da publicidade, a três anos, não for acompanhado por um aumento da contribuição pública.

«Mas muitas outras propostas, para a sustentabilidade de órgãos de comunicação social, defesa de direitos laborais, e a garantia do acesso à informação, ficaram aquém do exigível ou, pior, fora desta proposta de orçamento. O SJ terá esta semana, após a caricata apresentação pública do plano de acção do Governo (um encontro promovido pelo patronato, repleto de críticas a jornalistas) reuniões com vários partidos com assento parlamentar, tendo pedido reunião também à secretaria de Estado da tutela, para insistir na necessidade de incluir medidas destinadas especificamente aos jornalistas, essenciais em qualquer projecto justo e eficaz para os media. Irá também reunir com as administrações da RTP e da Agência Lusa.

«Desde logo, o plano do Governo ignora o que é para o SJ uma condição basilar: condicionar o acesso aos apoios à contratação de jornalistas ao cumprimento da legislação laboral, manutenção de postos de trabalho com contratos sem termo e cumprimento dos contratos colectivos de trabalho em vigor. O Governo parece temer que se exigir às empresas que cumpram a lei, possa ficar sem quem apoiar. Contudo, tornar o acesso a apoios públicos dependente da melhoria de condições de trabalho para jornalistas, desde logo pelo cumprimento da contratação colectiva, é uma condição essencial para que estas medidas possam, sequer, ser tomadas em consideração de forma séria.

«Por exemplo, o apoio de 50% às assinaturas digitais ou a oferta a 400 mil estudantes do ensino secundário, reconhecemos, podem ser importantes para a sustentabilidade das empresas de média, contribuindo para criar novos públicos e democratizar o acesso à informação séria e rigorosa, feita (espera-se) por jornalistas habilitados com carteira profissional, e no estrito cumprimento da lei. Mas o acesso das publicações às assinaturas subsidiadas tem de ser condicionada ao cumprimento das convenções de contratação colectiva, sectoriais – como na imprensa – ou de empresa, pois não será entendível pelos contribuintes que os dinheiros públicos financiem empresas a operar à margem da lei.

«A despreocupação com a protecção laboral de quem faz jornalismo é notória: os incentivos à contratação de jornalistas não têm em conta as necessidades e as especificidades da nossa profissão: basicamente resultam de uma adaptação do que já existe para a generalidade dos trabalhadores e, como tal, é caricato anunciar estas medidas como sendo medidas para o sector. Não só revelam que falta ao Governo uma visão específica para os media como nada fazem para garantir o reforço salarial dos restantes jornalistas e a melhoria das suas condições de trabalho. É urgente lidar com o empobrecimento generalizado da classe jornalística, que fica bem patente nestas medidas de apoios à contratação e retenção de talento: para quem entra na profissão vem transportado de outras áreas um salário de 1120 euros, numa classe em que cerca de 30% dos jornalistas ganha menos de mil euros por mês. A questão que se coloca, desde logo, é saber como vão os empregadores manter esse nível salarial após o período do benefício?

«Vai o Governo juntar-se ao SJ na pressão às empresas para que cumpram as convenções colectivas e melhorem as condições salariais ou vai continuar a pactuar com uma situação em que o estagiário poderá até receber mais que do que orientador (e parca esperança terá de ver crescer o seu ordenado ao longo da carreira que inicia)? Sendo que, na realidade, apenas na aparência recebe mais: na verdade, e isto deve ser reiterado: trata-se de uma remuneração subsidiada, uma vez isentando os próprios empregadores de pagar salários. Trata-se, das duas uma: ou de uma infantilização das administrações das empresas de media (porque não têm capacidade para gerir de forma lucrativa as mesmas, o que note-se, é a sua obrigação) ou estamos perante um conjunto de dependentes de subsídio estatal. E se assim, é então devemos aceitar que o Estado deve intervir muito mais… nomeadamente obrigando os beneficiários dessa dependência a cumprir os acordos que celebram.

«Depois, para lá dos genéricos projectos de modernização e capacitação, são pouco ambiciosas as medidas para fortalecer a sustentabilidade dos órgãos de Comunicação Social. Nem o orçamento nem o plano prevêem, como sugeria o SJ, a criação de uma categoria específica no estatuto de utilidade pública para organizações jornalísticas, com os correspondentes benefícios fiscais, garantindo que podem aceder às consignações de IRS e IVA, nem a sua contemplação pela lei do mecenato. Não se estabelece sequer um regime fiscal mais favorável para as empresas jornalísticas, incluindo a eliminação do IVA sobre a venda de assinaturas, pelo estabelecimento de um regime de tributação específica para a venda de publicidade, e englobamento em tarifas reduzidas de energia e telecomunicações.

«E em lado algum se adivinha qualquer projecto do Governo para estabelecer novos modelos de financiamento do jornalismo como serviço público, seguindo os exemplos internacionais de apoio directo à produção de informação, pela criação de um programa de bolsas directas para jornalistas ou de apoio a redacções. O SJ propusera dois programas: bolsas estruturais plurianuais para organizações jornalísticas sem fins lucrativos, financiando a constituição e manutenção de órgãos, fomentando a pluralidade mediática; e bolsas de reportagem, entregues a equipas de jornalistas e jornalistas individuais, independentemente da sua ligação a um órgão de comunicação social, viabilizando a produção de jornalismo de investigação ou fora das lógicas e temas de produção imediatista e das temáticas mainstream.

«Para viabilizar estes programas de apoio directo, o SJ defende a constituição de uma entidade análoga a alguns institutos existentes, que seria a responsável pela distribuição de fundos estruturais e de reportagem através de processos de candidatura regulares, abertos, transparentes, regidos por critérios de interesse público, isolados do poder político, e submetido a júris de jornalistas. A proposta de dedução em sede de IRS da totalidade das assinaturas de OCS e de donativos efectuados também ficou de fora.»

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