A Associação de Mulheres Jornalistas da Guiné-Bissau denunciou hoje uma “inaceitável violação da liberdade de expressão” e manifestou solidariedade com a colega da RTP-África em Bissau, Indira Correia Baldé, impedida de cobrir actividades ligadas ao poder político.
Numa nota de repúdio, refere-se à “expulsão e impedimento de Indira Correia Baldé” de cobrir uma actividade do Governo no passado dia 22 de Agosto, num hotel de Bissau. O caso ocorreu quando a ministra da Saúde Pública interina, Maria Inácia Sanha, saiu da sala ao constatar a presença da jornalista, que seria mais tarde convidada a abandonar o local.
“Conforme os relatos, o assessor da ministra alegou que a acção foi tomada em cumprimento de ordens superiores”, refere a nota da Associação de Mulheres Jornalistas.
De acordo com Indira Correia Baldé, o assessor da ministra informou-a que as “ordens superiores” seriam do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, segundo as quais a jornalista não poderia estar em nenhuma actividade do Governo.
A Associação das Mulheres Jornalistas da Guiné-Bissau considera o acto “uma flagrante e inaceitável violação da liberdade de expressão e dos direitos humanos”, consagrados na Constituição e nos tratados internacionais rubricados pelo país.
A organização realça que não admite que a voz de nenhum dos seus membros seja silenciada. “Indira Correia Baldé, além de ser uma profissional exemplar, é também membro dirigente da Associação, e qualquer ataque à sua pessoa e ao exercício do seu trabalho é um ataque a todos nós”, destaca o comunicado.
A organização exige das autoridades a tomada de decisões para que actos do género não se repitam na Guiné-Bissau.
Indira Correia Baldé é presidente do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social (Sinjotecs) da Guiné-Bissau que tem mantido uma relação de alguma tensão com o Presidente do país.
Umaro Sissoco Embaló disse, durante a posse de novos membros do Governo, que não deu ordens no sentido de impedir que a jornalista fizesse a cobertura das actividades do executivo, mas que a proibia de “pisar o palácio enquanto for Presidente da Republica”.
O Sinjotecs acusa o Presidente guineense de “desrespeito ao papel dos jornalistas” na sequência de vários episódios de Sissoco Embaló com profissionais de comunicação social.
Em Julho, o sindicato apelou ao boicote dos jornalistas a todas as actividades de Sissoco Embaló, embora o apelo não tenha sido totalmente respeitado.
Em reacção, o Presidente guineense disse que o próprio tinha boicotado os jornalistas e o seu sindicato “por ser ilegal”, em alusão à caducidade do mandato da direcção de Indira Correia Baldé.
Recorde-se que, em Julho, regressado da China, o presidente do não-Estado que dá pelo nome de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, não gostou que um jornalista lhe fizesse uma pergunta sobre as eleições. Mostrando todo o seu nível, foi bem explícito na resposta: “Vá para o caralho”.
Razão, reconheça-se, teve o chefe de Estado de Angola, João Lourenço, que prometeu no dia 15 de Setembro de 2022, no discurso de tomada de posse, defender os macacos e os chimpanzés. Será que já estava a pensar no nível de alguns dos seus homólogos da lusofonia, sendo o caso de Umaro Sissoco Embaló o mais recente?
Ainda em Julho, Umaro Sissoco Embaló, instou (ordenou, mais exactamente) o Ministério Público e o Ministério da Comunicação Social a actuarem contra a Direcção do Sindicato dos Jornalistas, que considera “caduca”.
Sissoco Embaló reagiu, à saída da reunião do Conselho de Ministros, a que presidiu, à tomada de posição do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social (Sinjotecs) da Guiné-Bissau que tinha apelado ao boicote das actividades do Presidente.
“Eu mesmo boicotei os jornalistas (…), eu mesmo decretei que boicotei o Sindicato dos Jornalistas, que é um sindicato que até nem está legal”, declarou Embaló.
“Aqui também é porque a Procuradoria-Geral da República não está a fazer o seu trabalho. Quando não se está legal, não se pode falar. A Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Comunicação Social têm de accionar os mecanismos”, afirmou Umaro Sissoco Embaló.
O chefe de Estado guineense reforçou a sua argumentação para afirmar que não se pode ter um órgão caduco e ter pessoas a falarem em nome dessa instituição. Para Umaro Sissoco Embaló, o Sindicato dos Jornalistas não pode ser de duas ou três pessoas.
“Eu também boicotei aquele vosso sindicato porque não está legal”, disse Embaló, referindo-se à Direcção do Sinjotecs, presidida pela jornalista Indira Correia Baldé, da RTP-África na Guiné-Bissau.
Em entrevista à DW, o jurista Fodé Mané considerou que as declarações de Sissoco Embaló visavam transmitir um recado ao Executivo. Segundo Mané, ao dizer que o Governo deve tomar medidas contra o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social, o Presidente estava a dar ordens no sentido de o Executivo actuar contra o sindicato.
“Ele [Presidente da República] pretende demonstrar que as pessoas que o desafiam devem pagar por isso”, afirmou Mané.
Para o jornalista Bacar Camará, a atitude de Sissoco Embaló são prejudiciais à democracia e ao Estado de Direito: “Acho que o Chefe de Estado devia potenciar a liberdade de imprensa e a democracia. Mas com essa conduta, não ajuda a consolidação da democracia e do Estado de Direito. Aliás, o Presidente da República tem constantemente hostilizado a imprensa, desde que assumiu a presidência do país”.
O jurista Fodé Mané não tinha dúvidas de que as declarações do Chefe de Estado guineense também revelavam musculação perante os jornalistas.
“É a continuação e o aumento da sua agressividade contra os direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente dos que defendem ou que são vozes dos sem vozes, que são os jornalistas”, acrescentou.
A antipatia de Umaro Sissoco Embaló aos jornalistas e órgãos de comunicação social da Guiné-Bissau não são de agora. Também enquanto primeiro-ministro, em 2017, Embaló desferiu um duro ataque contra a imprensa nacional, ameaçando na altura contratar órgãos internacionais para actuarem no lugar dos jornalistas guineense que considera parciais e “sem preparação”.
Desde que assumiu a Presidência da Guiné-Bissau em 2020, registou-se dois ataques armados à rádio privada Capital FM, encerramento das emissões de dezenas de rádios por alegadamente não pagarem a licença e ataques contra analistas políticos.
Em Janeiro passado, Sissoco Embaló ameaçou acabar com analistas políticos nas rádios do país e acusou os jornalistas de serem da oposição.
Esses ataques levaram o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social a realizar uma vigília em Bissau para pedir que Umaro Sissoco Embaló os “deixe trabalhar”. Na ocasião, a presidente do SINJOTECS, Indira Correia Baldé, apelou também à intervenção do Chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, para sensibilizar o seu homólogo guineense sobre a forma de relacionar com a imprensa.
O jornalista Bacar Camará não vê solução para o problema: “Eu acho que o Presidente não vai parar, vai continuar com os seus ataques à imprensa, sobretudo contra os jornalistas que estão a fazer a informação com total liberdade e independência. O Presidente não quer que lhe sejam colocadas questões que não são da sua conveniência ou não quer responder e, entretanto, o Presidente obriga a imprensa a colocar-lhe perguntas que lhe apetece. Sendo assim, naturalmente a confrontação vai continuar”.
Foto: Indira Correia Baldé, jornalista guineense.
Folha 8 com Lusa