O investimento privado externo que Angola atrai é escasso. Níveis muitíssimo abaixo do que o país precisa ou do que o seu vasto potencial económico poderia esperar – é o que o conceito escasso quer dizer. Acresce, para tornar o quadro ainda mais sombrio, que uma parte do investimento oficialmente apresentado como tal não o é tanto assim. Ou redunda em meros negócios de ocasião, em proveito pessoal ou de grupo daqueles que o promovem, tão estranhas/exorbitantes são as benesses do Estado que lhe servem de impulso, ou degenera em desinvestimento.
Por Xavier de Figueiredo
O mau ambiente de negócios no país, assim considerado por gabinetes de consultores especializados nos quais os investidores a sério geralmente se apoiam para tomar decisões, é o busílis da fraca capacidade de atracção de investimento e do chamado investimento “avariado”. Os elementos que na classificação entram – corrupção generalizada, mau funcionamento da administração pública, falta de segurança jurídica, desajustamento das leis e mesmo algumas perspectivas de instabilidade política, entre outros – são todos remetidos para uma ausência de reformas estruturais capazes de modernizar o Estado e a economia.
Angola não tem salvação se não conseguir recuperar e acrescentar valor a sectores de actividade cuja antiga pujança lhes conferiu, no período colonial, a importância de verdadeiros esteios da sua economia. A agricultura (grande produtor de café, algodão, açúcar e sisal) as minas, as pescas, a indústria e ainda outros, todos eles entrados em acelerado definhamento ou colapso no pós-independência. Já recuperam alguma vitalidade, mas em grau ainda muito incipiente. Como acontece com as infra-estruturas em que se apoiavam, estradas e vias férreas, ou com bens de que dependiam, como a energia e a água.
Entre as múltiplas causas da agonia dos antigos sectores da economia contou especialmente uma. A produção de petróleo iniciada nos derradeiros anos do período colonial, e a partir de 1975 em galopante expansão, “chegava e sobrava”. O argumento de que a petroeconomia que assim medrou em Angola “foi culpa” da guerra civil viria a revelar-se uma falácia depois de 2002. A guerra chegara ao fim, a paz era completa, mas a prometida diversificação da economia, também justificada pelo carácter finito do petróleo como recurso natural, pouco passou de uma miragem.
Os fartos dinheiros do petróleo (a produção chegou a atingir 1.600.000 bpd/dia), que teriam permitido voltar a pôr de pé os outros sectores da economia, nunca tiveram, porém, tal destino. Por falta de visão ou por efeito de males como o da corrupção, na sua irresistível tentação para pôr interesses privados à frente de genuínos interesses comuns. Com a produção petrolífera em declínio constante a partir de 2014 – exaustão de reservas e não reposição das mesmas por falta de investimento – é para o investimento privado que se olha como tábua de salvação.
O MPLA é visceralmente avesso a reformas, sejam elas políticas e económicas, por ver nelas meio caminho andado para cenários de enfraquecimento ou perda do controlo do Estado e da economia nacional (seus recursos), verdadeiros instrumentos do poder hegemónico de que não parece prescindir. O que não parece ver é que a pobreza, as desigualdades e as injustiças que cada vez mais alastram pelo país, como consequência da falta de investimento privado capaz do milagre da chamada diversificação da economia, tenderão a agravar-se. E a fomentar novos descontentamentos.
A história dos últimos cinquenta anos está cheia de factos reveladores de que o MPLA sacrificou sempre o que quer que fosse em nome do seu doentio apego ao poder. Em 1975 contou mais a conquista do poder pela força do que a guerra civil que tal acarretaria – com o seu tétrico cortejo de destruição e morte. Em nome da conservação do poder a que então se alçou e para o qual olha como uma espécie de direito natural ou histórico, outros factos com a mesma extracção se seguiram.
A sociedade angolana de hoje já não é, porém, a de há vinte anos, nem sequer a de há dez e muito menos ainda a de há quarenta. A sua superior consciência cívica e política, não apenas fruto de uma evolução social natural, mas também de elementos que tonaram o mundo global, entre os quais o das novas tecnologias, deixou a milha o espírito resignado e submisso das anteriores. É por isso que o mastodôntico aparelho securitário perde muito tempo a tentar vigiá-la e que as cadeias estão cheias de recalcitrantes. Ou pior ainda.
O MPLA, ao contrário, parece parado no tempo. As reformas, reformas a sério, não a fazer de conta, que precisa de levar por diante de modo a acertar o passo com a nova realidade social e política, ou não se abalançou nelas ou contentou-se com o seu carácter cosmético. Se não se modernizar de verdade, indo ao encontro de exigências dos tempos de hoje, tenderá inexoravelmente a ser ultrapassado pela sociedade. Ou, ironia das ironias, a perder o poder, traído pelo instinto da sua conservação.
Os grandes investidores, estes os representados pelas grandes economias petrolíferas, sempre investiram em todo o lado, em circunstâncias tantas vezes adversas. O seu poder e influências eram suficientes para lidar com imprevistos. O investimento privado pequeno e médio, o único em condições de promover a recuperação de sectores tradicionais da economia angolana – dispõe de capital, de know houw e capacidade de gestão – esse é especialmente exigente quando trata de escolher mercados e só investe em condições plenas de confiança, em relação às quais não transige.
Contribuem para isso ecos de peripécias por que passaram investidores privados que por excesso de confiança ou falta de cautela aligeiraram tais condições. Como àquele velho homem do norte de Portugal que há anos se viu metido num intrincado sarilho quando os seus “sócios” angolanos, impostos por leis que chamam a isso a angolanização da economia, se quiseram apoderar da empresa, contando para tal com a conivência da justiça e do próprio poder. Ficou a dever a Cavaco Silva o ter conseguido sair da cadeia em que foi metido por efeito de intrigas que chegaram a levá-lo aí.