A venda de sucata material (a imaterial está quase toda no MPLA) é uma actividade rentável em Angola, podendo render até mil euros por tonelada, um negócio na mira das autoridades por ser alimentado – dizem – por material vandalizado, apesar de os comerciantes garantirem tratar-se de trabalho honesto.
Em Luanda, as sucateiras compram a peso todo o tipo de material, seja metálico como o ferro, cobre e alumínio ou papel e plástico, produtos fornecidos por jovens catadores que acampam diariamente em volta dos contentores de lixo, na procura de sustento.
Refira-se que a procura de sustento num país rico que “só” tem 20 milhões de pobres, viola as leis que dão sustentabilidade à tese do MPLA de que conseguirá ensinar os angolanos a viver sem comer…
Os catadores negam que vandalizam bens públicos para o seu benefício, numa altura em que as autoridades resolveram apertar o cerco com maior fiscalização aos estabelecimentos e armazéns improvisados nos bairros de Luanda, que compram este material para revender a fábricas de metais e/ou de reciclagem.
No negócio estão maioritariamente jovens e adolescentes, transformados em parceiros preferenciais das denominadas casas de pesagem, em grande parte tuteladas por cidadãos da África ocidental, que estabelecem o preço da mercadoria.
Um quilo de ferro vale 100 kwanzas (0,1 euros), um quilo de alumínio entre 400 kwanzas (0,4 euros) e 700 kwanzas (0,73 euros), dependendo da qualidade, e um quilo de cobre, mais valioso, pode chegar a 2.500 kwanzas (2,6 euros).
“Por dia podemos pesar até 8 quilos de ferro, há dias que temos muito ferro e outros nem tanto”, contou à Lusa o morador de rua Minguito André, 18 anos, vendedor de sucatas no Bairro Operário, em Luanda.
Sentado com os amigos em volta de contentores no interior do Bairro Operário, distrito urbano do Sambizanga, Minguito assegurou que os metais que comercializa provêm do seu “sacrifício” e não de actos de vandalismo.
Catar ferro velho para vender “é trabalho justo” para garantir comida para o estômago e sustentar outros vícios, afirmou António Paulo, 17 anos, carregando um saco com alguns quilos de sucatas.
“Nós não roubamos, esses ferros apanhamos mesmo aqui”, disse Afonso Paulo, 20 anos, que despertou do sono com a presença da Lusa junto do seu local de trabalho, que denomina de “placa”.
Casas e pequenos armazéns de pesagem de sucatas estão espalhados por Luanda e alguns têm vindo a ser encerrados por ordem das administrações municipais, visando combater o vandalismo de bens públicos.
O fenómeno tem vindo a ganhar contornos preocupantes e deu origem à nova proposta de lei dos crimes de vandalismo de bens e serviços públicos com penas que podem ir até 15 anos de prisão.
Os que ainda estão em actividade, geridos essencialmente por cidadãos estrangeiros provenientes do Mali, Senegal e Burkina Faso, dizem que o negócio pode render até um milhão de kwanzas (mil euros) por tonelada, lamentando o “aperto” da fiscalização.
“Temos muitos clientes sim, recebemos mais ferro. Depois de armazenarmos aqui o material levamos na fábrica e lá vendemos uma tonelada no valor de 1 milhão de kwanzas e por mês podemos conseguir entre quatro e cinco toneladas”, disse Isánio Teixeira, operador de um armazém de sucatas.
Com uma balança semi-industrial, Isánio e o seu colega Narciso Ambrósio, bastante receosos dos agentes da fiscalização, que intensificaram a sua presença nesses locais, asseguraram que não compram material roubado.
“Esse material não é roubado, eles (catadores/vendedores) apanham nas lixeiras e outros compram nas obras de construção e depois vêm vender”, justificou Ambrósio, no interior de um quarto de pequenas dimensões onde armazena enormes quantidades de sucata.
No Sambizanga, no Marçal, distrito urbano do Rangel, e nos Mulenvos de Cima, município de Viana, na capital do reino do MPLA, alguns estabelecimentos foram encerrados por, alegadamente, estimularem vandalismo de bens públicos.
A Direcção Municipal de Fiscalização e Inspecção das Actividades Económicas e Segurança Alimentar de Viana afixou selos de suspensão temporária da actividade em vários pontos.
Gomes Domingos Francisco, 25 anos, manifestou-se triste pela suspensão da actividade no armazém, onde trabalha há cinco anos, referindo que o estabelecimento não comprava cabos eléctricos, por suspeita de ser material furtado.
“A nossa garantia é recebermos apenas material antigo, mas se forem cabos eléctricos nós não compramos porque muitos são roubados e não aceitamos”, assegurou, lamentando a paralisação da actividade que veio penalizar o ganha-pão de 22 chefes de família.
O material ferroso constitui a grande preferência dos autores que vandalizam bens públicos, como relatam as autoridades policiais, para retirarem tampas de esgotos e grades de sarjetas – em falta por toda a cidade – cabos eléctricos, cabos de fibras, lâmpadas, postos de alta tensão e postos de transformação.
A nova legislação sobre vandalismo, que prevê o endurecimento das penas, é vista com preocupação por partidos da oposição e organizações da sociedade civil, que desconfiam de intenções ocultas para limitar as manifestações e protestos, penalizando os organizadores.
E do lixo se faz arte (texto aqui publicado a 27 de Maio de 2019)
A luta para sobreviver em Angola, país que desde a independência foi sempre governado pelo mesmo partido, o MPLA, tem despertado os jovens angolanos para um misto de desespero, desenrascanço e preocupações ambientais, com “Samuelarte” a conseguir um sustento mensal “relativamente desafogado” a partir do lixo, sobretudo ferro, que recicla.
“Do Lixo ao Luxo” é o lema de Manuel Francisco Fabiano Samuel, cujo nome artístico, “Samuelarte”, começa a fazer “algum furor” e “escola” entre os jovens, sobretudo de uma pequena comunidade nos arredores de Luanda, que criou a associação “Lixo Zero Angola” e que tem servido de “sustento” para “várias” famílias.
Quem o diz é o franzino “Samuelarte”, que na altura a agência Lusa encontrou a vender o seu artesanato reciclado a partir do ferro à porta do Centro de Convenções de Talatona, a sul da capital angolana, sempre muito solicitado por grande parte dos cerca de 1.500 delegados que participavam no Fórum Mundial do Turismo.
“Trabalho com reciclagem. Tenho ajudado algumas associações, com ‘workshops’ de reciclagem, como professor, ensinando crianças, adolescentes, até mesmo jovens”, disse, numa linguagem desenvolta e até mesmo empresarial, lembrando que deixou a escola, em Luanda, há três anos para se dedicar à reciclagem.
“‘Do Lixo ao Luxo’ é o meu lema. A minha função é transformar o lixo em luxo, diminuir o lixo no mundo. Além dessa minha função também trabalho na ‘Lixo Zero Angola’. Temos actividades de limpeza das ruas, praias, etc.. E é também com esse lixo que a utilizamos na reciclagem, fazendo peças de escultura, roupa, pasta, fios, colares, muita coisa”, acrescentou.
Se a luta pela sobrevivência, face à elevada taxa de desemprego em Angola e sem vislumbrarem os 500 mil empregos que o Presidente do MPLA, general João Lourenço, prometeu criar – ‘Samuelarte’ assegurou que, com a actividade, começou também a ganhar preocupações ambientais, numa cidade que tenta manter-se diariamente asseada, tarefa, porém, quase impossível.
“Sim, também há preocupações ambientais. É que há muito lixo que dá para ser utilizado, que dá para ser uma nova coisa. Há muito lixo, que faz muito mal às próprias pessoas. Se nós não queremos que as pessoas passem mal, podemos utilizar o lixo, fazendo coisas que podem ser utilizadas, que podem trazer-nos um fundo para nós e para outras pessoas, reciclando”, explicou.
Segundo ‘Samuelarte’, que se escusou a adiantar quanto consegue obter regularmente com este negócio, há já “muitos jovens” que estão também a apostar na reciclagem como meio de sustento, criando peças ou materiais para fazer roupas a partir do lixo, e que têm ajudado a sustentar as suas próprias famílias.
Segundo o jovem artesão, a actividade é rentável – cada peça não custava menos de 10.000 kwanzas (cerca de 27 euros), dependendo do trabalho que teve e do tamanho -, uma vez que o trabalho em ferro é “duro e difícil”. “Trabalho com ferro. Mas sei reciclar tudo”.
Sobre algumas das cerca de três dezenas de peças em ferro expostas, ‘Samuelarte’, cuja inspiração “vem do tudo e do nada”, destacou a “mais polémica”, que retrata a história de uma zungueira que foi assassinada por um polícia.
“É uma história muito triste que abalou o povo angolano. A senhora foi assinada pelo próprio policial, houve uma confusão imensa, a polícia foi agredida, com pedras, etc.. Foi triste. Foi triste a história. Está tudo na internet, no ‘Youtube’”, descreveu.
Outra das peças em ferro tem o título “Lágrimas Coloridas”, para a qual tem uma explicação curiosa.
“É uma máscara que se chama ‘Lágrimas Coloridas’. Lágrimas coloridas são lágrimas de alegria e lágrimas incolores são lágrimas de tristeza, lágrimas sem cor. Às vezes, quando fico aí a dar estas gargalhadas, fico a lacrimejar e isso deu-me a ideia: vou fazer algo assim, idêntico. Uma lágrima sem cor não é lágrima de alegria. Criei esta peça”, concluiu.
Lixo – Um dos Nobel do regime
O regime do MPLA está sempre com os tambores da falsidade aquecidos para, numa poluição sonora, de muito má qualidade, e que intriga a maioria dos angolanos, tentar branquear os 49 anos de uma política de má gestão económica e social, discriminação política, perseguição aos opositores e sociedade civil, não bajuladora e, mais grave, a lixeira de uma política irracional, que já não consegue sair dos monturos por si implantados.
Por mais que o general João Lourenço agora (Eduardo dos Santos antes e durante 38 anos) tente sacudir o lixo para o quintal do vizinho, exonerando governadores e exarando em catadupa decretos e despachos, ao longo destes 49 anos de independência, caricatamente, todos, absolutamente todos, os governantes ficam em cima dos contentores a analisar a lixeira do lixeiro que se segue.
Não é possível tentar enquadrar o tamanho do lixo que inunda Luanda, fora de uma prática incompetente do executivo, hoje superiormente liderado pelo general João Lourenço, que não tem a mínima noção de gestão urbana, que comete erros crassos de gestão, afastando muitos técnicos, oriundos do período colonial, com forte conhecimento da gestão urbana da cidade e das formas para um saneamento eficaz e despartidarizado.
O maior mérito da política do MPLA tem sido a promoção de “jobs for the boys”, muitos dos quais verdadeiramente incompetentes e analfabetos, mas por serem bajuladores do “camarada presidente”, são nomeados, não para acabar com o lixo, mas para a sua verdadeira promoção.
Uma máxima que o MPLA tem perseguido ao longo dos anos é a de que o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA, mas face à incapacidade de não acertar numa política de limpeza e recolha do lixo das cidades, juntou a de que o MPLA é lixo e o lixo é MPLA.
O aumento do lixo, a incapacidade de pagarem às empresas dos próprios membros do MPLA, pois são os únicos autorizados, nesta empreitada demonstra que a discriminação só gera lixo, lixo que afinal o MPLA sente como um verdadeiro elemento imprescindível da sua gestão.
O anterior líder do MPLA e da República, que dirigiu ininterruptamente o país durante 38 anos, foi considerado como o maior “arquitecto do lixo”, face às políticas de promoção da incompetência e interferência numa verdadeira gestão urbana. O seu sucessor, por ter o mesmo ADN, segue a mesma política e em vez de eliminar o lixo que durante décadas foi escondido debaixo do tapete resolveu, sabiamente, aumentar o tamanho do… tapete.
O Presidente da República é avesso a um verdadeiro programa de gestão autónoma das cidades, principalmente, no que se refere à capital, sendo confrangedora a falta de visão sobre o que pretende que seja a Luanda capital; a Luanda Metropolitana ou a Luanda Província…
E numa altura em que o lixo é o que mais ordena, nada espanta que tudo seja uma verdadeira lixeira, ao ponto da política e da justiça serem hoje o seu expoente máximo.