UM PASSO EM FRENTE E DOIS A TRÁS?

Os grupos parlamentares do MPLA, no poder há 49 anos, e da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite que exista em Angola, decidiram juntar as suas propostas de lei sobre a institucionalização das autarquias, para elaborar um único documento para discussão, disseram hoje fontes dos dois partidos.

A Assembleia Nacional agendou para hoje a reunião conjunta, na especialidade, para discussão do Projecto de Lei da Institucionalização Efectiva das Autarquias Locais, do grupo parlamentar da UNITA, e da Proposta de Lei da Institucionalização das Autarquias Locais, do executivo.

Em declarações à imprensa, o deputado da UNITA e presidente da Comissão de Administração do Estado e Poder Local, Franco Marcolino Nhany, referiu que a concertação visa que se chegue a uma conclusão, para facilitar a aprovação da lei que está em falta.

“Os dois projectos, como disse o vice-presidente do MPLA, têm aspectos em que estamos divergentes, fracturantes, e há muitos deles em que existe acordo, portanto, com este exercício que se vai fazer, espero que dentro de muito pouco tempo tenhamos um só projecto para ser debatido na especialidade”, referiu.

Por sua vez, o primeiro vice-presidente do grupo parlamentar do MPLA, Virgílio Tyova, disse que, nesta reunião, vão também participar os outros partidos com assento parlamentar – o Partido Humanista de Angola (PHA), o Partido de Renovação Social (PRS) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

Salientando que o interesse da criação das autarquias locais é dos angolanos, Virgílio Tyova afirmou que, por isso, os dois grupos parlamentares decidiram encontrar uma forma de os dois projectos poderem convergir e haver um único para debate na especialidade.

Segundo o deputado do partido maioritário, há normas convergentes e aceitáveis nos dois diplomas, com a certeza de que também vai haver divergências.

Tyova afirmou que as lideranças dos dois grupos parlamentares decidiram criar uma comissão negocial interpartidária, para, antes do debate das respectivas leis, aproximarem posições e elaborarem um único projecto a ser apresentado para debate nas comissões especializadas.

Os dois diplomas sobre a institucionalização das autarquias foram aprovados na generalidade sem votos contra.

Angola está a terminar a aprovação de um conjunto de leis, denominado pacote legislativo autárquico, composto por 13 instrumentos jurídicos, dos quais dez foram já aprovados, ficando definidas as competências da função autárquica, composição e funcionamento das autarquias, bem como os princípios e regras.

O Presidente angolano, general João Lourenço, tinha apontado 2020 como ano previsto para a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, sendo a falta de conclusão do pacote legislativo autárquico uma das mais do que convenientes desculpas para o MPLA protelar as eleições autárquicas de modo a concretizá-las apenas quando (supostamente) tiver a certeza de que as vai ganhar.

No dia 11 de Janeiro, o Presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, prometeu promover este ano, em todo o país, uma ampla mobilização para que as autarquias garantam a atenção da agenda nacional.

No discurso da cerimónia de apresentação de cumprimentos de ano novo, Adalberto da Costa Júnior avançou que a UNITA estabeleceu prioridades, atribuindo o lema: 2024 – Ano da Mobilização Nacional para as Autarquias.

“Vamos levar a todo o país uma ampla mobilização para que as autarquias retomem a atenção na agenda nacional. As autarquias e a concretização das eleições locais são totalmente rejeitadas pelo regime”, defendeu.

Segundo o presidente da UNITA, a aprovação das leis tem sido impedida, frisando que foi votado na Assembleia Nacional, na generalidade, todo o pacote autárquico em Abril de 2019.

“Bastava um mês para que em Maio de 2019, tivéssemos tudo aprovado na especialidade. Foram retardando e agora falta apenas uma lei: a Lei para a Institucionalização das Autarquias Locais. E como não existem mais desculpas para o seu não agendamento, os estrategas do regime inventaram a multiplicação dos municípios e a divisão político-administrativa, cujo único objectivo é impedir a realização do poder local”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.

O líder da UNITA considerou que “o problema está na formatação mental dos dirigentes do partido que governa, que têm uma educação centralizadora do Estado partidário e sabem que só sobrevivem retardando a real democratização do país”.

De acordo com Adalberto da Costa Júnior, “hoje o país anda para trás, para o lado, dá um passo em frente e três para trás”, estando os angolanos “reféns de um pequeno grupo”.

O Presidente angolano, general João Lourenço, anunciou no seu primeiro mandato, iniciado em 2017, que as primeiras eleições autárquicas em Angola teriam lugar em 2020, o que ainda não se materializou, segundo o chefe de Estado angolano, porque o pacote legislativo autárquico não está ainda concluído.

O mês passado, o grupo parlamentar da UNITA submeteu com carácter de urgência, o Projecto de Lei Orgânica da Institucionalização das Autarquias Locais, considerando que as desculpas para o não agendamento “estavam ultrapassadas”.

Em conferência de imprensa, o líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, disse que o partido estava empenhado em dialogar com todos os poderes públicos e com a sociedade, para promover a democracia participativa e tornar as autarquias uma realidade em Angola durante a presente legislatura.

Liberty Chiyaka frisou que, com a apresentação desta iniciativa, “as desculpas para o não agendamento da discussão e votação final global da lei que cria as autarquias, estão ultrapassadas”.

“Se depois de termos ouvido várias vozes – o Presidente da República, o presidente do MPLA (no Poder há quase 50 anos), distintos membros do executivo, distintos membros do MPLA -, assumirem publicamente a sua vontade de realizar autarquias, se depois desses discursos políticos, quando o grupo parlamentar da UNITA der entrada na Assembleia Nacional constatarmos manobras dilatórias, os angolanos terão toda as razões para se manifestarem e exigir autarquias, o momento vai ser definido pela postura do regime”, referiu.

Segundo Liberty Chiyaka, a Proposta de Lei para a Institucionalização das Autarquias, do Governo, deu entrada na Assembleia Nacional em 2017 e passados sete anos ainda não foi aprovada “porque falta vontade política”.

“O projecto de lei que vai ser apresentado pelo grupo parlamentar da UNITA vai dar entrada na Assembleia Nacional com carácter de urgência. Vamos mobilizar a cidadania para exigir que tal se cumpra. Nos termos da Constituição e da lei um determinado número de deputados podem exigir o agendamento de qualquer assunto com carácter de urgência, é o que vamos fazer”, frisou.

O líder do grupo parlamentar da UNITA reiterou que, “se o regime, a maioria parlamentar”, rejeitar esta iniciativa, “os angolanos vão responder”.

“Os deputados fizeram a sua parte, a partir de hoje começa oficialmente, no quadro do calendário definido pelo grupo parlamentar, a consulta pública. Vamos distribuir este projecto para todos, vamos colher contribuições, são 30 dias de consulta pública”, salientou.

Liberty Chiyaka declarou que “os deputados vão se juntar ao povo e não vão permitir que sejam permanentemente desrespeitados no seu próprio país”.

“A participação do cidadão na gestão da coisa pública está na Constituição desde 1992, são 30 anos em que não temos autarquias. É uma vergonha e não podemos compactuar com esta vergonha, o momento é agora, a nossa postura vai depender da maioria parlamentar”, acrescentou.

O Presidente de Angola, general João Lourenço, disse, em 2023, que o executivo “há muito cumpriu a sua parte” no processo de institucionalização das autarquias, situação que se “arrasta há anos” por se procurar “o maior consenso possível”.

O líder do grupo parlamentar da UNITA “respondeu” dizendo que a proposta de institucionalização das autarquias locais entrou no parlamento na legislatura 2017-2022, mas ficou caducada com o fim da legislatura, segundo o regimento e costume parlamentar.

“Pelo que, não tendo entrado qualquer iniciativa legislativa até agora sobre a matéria nesta legislatura, aguardamos que os senhores deputados e o executivo, por força do artigo 167 da Constituição, tomem a iniciativa legislativa sobre a matéria”, disse Carolina Cerqueira.

O líder do grupo parlamentar da UNITA salientou que “toda aquela explicação dada não colhe”, porque não há nenhum costume que diga “que uma lei que tenha sido discutida na legislatura anterior já não pode prosseguir, não é verdade”.

Liberty Chiyaka referiu que o poder local não é a única forma de se ultrapassarem os problemas da população, “mas é a melhor”, porque o modelo de concentração do poder, de centralização administrativa, “que Angola implementou durante 50 anos falhou”.

A proposta de lei sobre a institucionalização das autarquias é o único diploma do pacote legislativo autárquico que ainda não foi aprovado, estando por agendar as primeiras eleições autárquicas desde 2020.

Na esperança de que alguns dos deputados do MPLA (mesmo aqueles que recentemente abandonaram o seu habitat arbóreo) saibam ler e entender o que está escrito, o Folha 8 volta a lembrar alguns factos sobre a odisseia das eleições autárquicas no reino.

– Em 2018, João Lourenço notificou o Conselho da República para comunicar aos conselheiros que as eleições autárquicas seriam em 2020;

– O Jornal de Angola (do MPLA), titulou no 23 de Março de 2018, em texto assinado por João Dias: AUTARQUIAS EM 2020;

– Em 28 de Abril de 2018, demonstrando ter toda a lição estudada e organizada, Adão de Almeida disse: “As próximas eleições autárquicas previstas para o ano de 2020 no país serão a maior reforma do aparelho da administração pública após a independência”. Adão de Almeida era altura ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, actual ministro de Estado e chefe da Casa Civil da Presidência da República.

– Em 28 de Junho de 2018, o professor universitário da Faculdade de Direito, Carlos Teixeira, numa aula magna, na Faculdade José Eduardo dos Santos, no Huambo, sob o lema a “Institucionalização das Eleições Autárquicas” sugeriu que “a implementação das autarquias em Angola, a partir de 2020, deveria basear-se num modelo assente na realidade histórica e antropológica dos angolanos, evitando, assim, imitações de países com realidades diferentes”.

– No plano partidário, numa demonstração de o seu líder não ser mentiroso, em 17 de Maio de 2019, o coordenador do grupo de acompanhamento do Bureau Político do MPLA na província do Cunene, Pedro Neto, disse em Ondjiva: “As eleições autárquicas de 2020, são para vencer, mas para tal exige espírito de sacrifício e seriedade em todas as tarefas do programa do partido”.

– Em 23 de Julho de 2020, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, considerou “cedo falar-se em adiamento das primeiras eleições autárquicas, previstas para 2020, até porque a Assembleia já aprovou várias leis que conformam o pacote legislativo autárquico, faltando apenas uma”.

– No dia 26 de Outubro de 2022, o Presidente da República confrontado com a promessa não cumprida, da realização, em 2020, das eleições autárquicas, disse, não fosse variar, a uma emissora estrangeira, que não seriam em 2023, mas: “quando houver condições. Como sabe o pacote legislativo autárquico não está terminado. Enquanto isso não posso assanhadamente – se me permite a expressão – convocar eleições”.

Folha 8 com Lusa

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