No ano em que o Teatro Universitário do Porto (TUP) comemora 75 anos e se aproximam os 50 anos da Revolução de Abril, o TUP apresenta uma exposição que celebra uma vida de liberdade, experimentação e resistência.
Partilhamos “o nosso arquivo com a cidade, revisitando as peças que estiveram em cena no período durante e após a revolução, os actos de solidariedade, as músicas originais dos espectáculos”, afirma o TUP, mostrando “que a vontade de experimentar e perceber alguma coisa a partir do Teatro é a mesma que nos acompanha até hoje”.
A inauguração da exposição acontece no dia 9 de Dezembro, às 17h, e fica até 15 de Dezembro e está patente na Galeria Geraldes da Silva, Rua de Santo Ildefonso, nº 225. No dia 13, às 19h, celebram-se os 75 anos do TUP.
Enteado da Universidade do Porto (Portugal), para quem o Teatro e toda a sua envolvência social e cultural é descartável, o Teatro Universitário do Porto (TUP) é o grupo de teatro mais antigo ainda em actividade do Porto e está, como o próprio nome indica, de alguma forma ligado à Universidade do Porto. No TUP nasceram, ou passaram, muitos dos nomes mais sonantes desta nobre arte.
No dia 29 de Junho de 2017, a Universidade do Porto deu um passo decisivo e oficial para passar a declaração de óbito (há muito pretendida) ao Teatro Universitário do Porto (TUP), instituição fundada em 1948 e com actividade permanente desde então, sendo por isso o grupo teatral mais antigo da cidade do Porto.
Nesse dia o Diário da República publicou o anúncio de um concurso público da venda ou concessão do antigo colégio Almeida Garrett, localizado na Praça Coronel Pacheco, pela Universidade do Porto, por um preço base de 4,768 milhões de euros.
“O procedimento visa a celebração de contrato de compra e venda do espaço denominado ‘ex-colégio Almeida Garrett’, ou a celebração do contrato referente à cedência em direito de superfície por um período máximo de 30 anos”, especifica o anúncio. Localizado na freguesia do centro histórico do Porto, o imóvel tem entrada pela praça Coronel Pacheco e está inserido num terreno com uma área total de 8.520 metros
De há muito que se sabia que a Reitoria da Universidade do Porto tinha uma visão exclusivamente economicista em relação a este tentador espaço que fazia salivar qualquer empreendedor imobiliário. Também se sabe que a Reitoria se estava nas tintas para o facto de nesse espaço existir um grupo de teatro, o mais antigo – repita-se – do Porto e sempre em actividade.
“O TUP, habituado que está a saltar de um lado para o outro e a nunca ter uma casa mesmo sua, voltará certamente a fazer as malinhas. O TUP, para os que não sabem, tem património e tem gente lá dentro. Património e gente que não cabem numa ou duas salinhas. O TUP, para os que não sabem, voltou a fazer do antigo auditório da ACE Escola de Artes um auditório de teatro (obviamente com o acordo da ACE). Um auditório onde os senhores da reitoria nunca põem os pés. Um edifício onde os senhores da reitoria nunca põem os pés, habitado por um grupo de teatro universitário onde os senhores da reitoria nunca põem os pés, que faz teatro que os senhores da reitoria nunca vão ver, que acolhe a comunidade universitária e não só e que lhe dá a oportunidade de fazer um teatro de que os senhores da reitoria não querem mesmo saber”, desabafou na altura Nuno Matos, um “TUPniano” que se recusa a pactuar com o domínio do lucro sobre a arte e a cultura.
Em 1948, aos treze dias de Dezembro, o Teatro Universitário do Porto nasce com vontade própria, comum a um grupo de estudantes da Universidade do Porto, e teve em Hernâni Monteiro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o seu primeiro dirigente. A partir de 1953, sob direcção de Correia Alves, o TUP dá os primeiros passos na tríade que desde então lhe serve como matriz: formação, renovação e experimentação. Numa época de silêncio imposta pelo regime salazarista, ousou o TUP levar à cena textos de autores como Synge, Thornton Wilder, Tennessee Williams, Aristófanes, Buero Vallejo e Lope de Vega, sendo, ao lado de outros (raros) colectivos, como o TEP, um organismo falante, denunciante, idealisticamente alternativo – vivo.
O frenesi da denúncia e os anos revolucionários que se lhe seguiram, fizeram com que também o TUP acompanhasse o desenrolar dos tempos, atento, sempre, às linhas com que se foi tecendo a vida portuguesa nestas últimas décadas. Alargou-se, assim, a área de acção para um cada vez mais assertivo pendor experimental, traduzido principalmente na procura de novas formas de levar a arte e a cultura a cena. Abriu os braços e levou, também, estas formas novas a passear fora da cidade, marcando presença em festivais como o MITEU, em Ourense (Espanha), o FATAL, em Lisboa e o Festival Internacional de Teatro de Liège, sendo o TUP reconhecido nos primeiros dois, com Alan, de 2010, encenado por António Júlio, a regressar com o primeiro prémio.
A História do TUP vive do que está escrito e assente, mas existe principalmente no que não é mero dado, ou facto. Por isso mesmo, mais do que discorrer o á-bê-cê dos nomes ‘’marcantes’’ que por lá passaram, o que realmente importa é saber que cada um dos que lá passou e tem ficado guarda a sua própria história – e todas as formas de a contar, da mesa de um café ao discurso-em-pódio num aniversário, são tão importantes como o arrumar de uma única forma nas linhas de um texto.
O carácter não profissional e universitário do TUP é, porventura, a sua mais-valia. Há espaço para rasgar com as convenções – às vezes tão presas como raízes – que o panorama teatral da cidade do Porto ainda teima em acarinhar, há amor na vontade de fazer como o TUP sabe e quer fazer. Assim o deixem. Para além de encenações colectivas e da apresentação de textos dramáticos de autores inéditos em Portugal, gostam de criar a partir do que está lá dentro – da casa, deles, de quem está com eles. É, continua a ser, acima de tudo, uma questão de verdade e da verdade – porque o Teatro não tem de ser mentira.
Hoje, continuam a apostar na formação, porque querem ver o TUP crescer; querem gente interessante de ver, que encha a casa do que tem para dar, que goste de dar mesmo quando faz ferida – que fique. E que, como disse o Mestre José Rodrigues, escultor e antigo cenógrafo do TUP: «Alertar, não deixar ninguém esquecer. Lembrar, lembrar constantemente. E não perder a memória. Compete ao TUP ser uma espécie de despertador. Não agredir, despertar. Mostrar às pessoas que ser curioso é fundamental».
A história do TUP podia ser uma história contada de forma convencional, feita de números e datas; de dados históricos e acontecimentos relevantes. No entanto, falar da história do grupo de teatro, ainda em actividade, mais antigo da cidade do Porto seria banalizar aquelas que têm sido as suas características mais reconhecidas: a vontade de inovar e de experimentar.
A importância do TUP no teatro português, em especial no teatro do Porto, não se mede, nunca se poderia medir, em estatísticas desapaixonadas, acontecimentos pontuais e recortes de jornais. A importância do TUP está intimamente ligada à natureza da própria instituição, orgulhosamente universitária e amadora. É da paixão dos seus elementos que vive o TUP. Da paixão e, consequentemente, da sua dedicação sem limites. E só se faz teatro como o do TUP, experimental para lá da definição de «teatro experimental», inovador, arrojado e inconformado, com paixão e dedicação; com a vontade permanente de arriscar, de ir mais longe, de não ser refém de convenções.
Mas falar do TUP, contar a sua história, é, acima de tudo, falar com o coração nas mãos. Falar das suas memórias, histórias e experiências, muitas destas escritas para serem decoradas e ditas em palco, ouvidas por um público que as reconhece como suas. E é este uma dos maiores motivos de orgulho de muitas das gerações de actores que passaram por lá, que passam por lá, que querem continuar a passar por lá. O orgulho da criação de textos originais, construídos de raiz, da raiz de cada um; o criar um teatro que também é a fazer de conta mas que nunca é uma mentira ou sequer uma verdade ficcionada. É, sim, a mais pura das verdades, muitas vezes dolorosa, durante tanto tempo guardada, mantida em segredo.
Falar do TUP será para sempre falar de amor e desamor, de saudade, da perda irreparável, das dores e alegrias do crescimento. Falar do TUP será sempre tudo isto porque tudo isto é a verdade que os alimenta e os faz encarar o teatro com seriedade, dedicação e paixão. Acreditam nisto. Acreditam que são as suas próprias ferramentas de trabalho. E no entanto não é trabalho. É amor.
Amor que, infelizmente, está a passar ao lado de quem mais deveria estar com eles, a Universidade do Porto.