Estradas intransitáveis, inundações, casas alagadas, carros a circular por ruas reservadas a barcos. Sempre que chove, Luanda fica assim. Nem sequer nos vale o Aeroporto Internacional recentemente inaugurado ou o metro(politano) de superfície… alagada.
A chuva continua a mostrar, sobretudo em Luanda, que os governos do país (de uma forma geral) e da Província (de forma particular) continuam – como tem sido hábito e regra ao longos de décadas – a julgar que o corredor de fundo e o fundo do corredor são a mesma coisa. A incompetência é de tal ordem que até se desculpam com os erros do tempo colonial…
Mortos, desalojados, casas destruídas, inundação de escolas, de centros de saúde fazem parte da identidade do MPLA sempre que chove. E, ainda por cima, a chuva não obedece às ordens superiores do Presidente do MPLA. É uma verdadeira arruaceira. Ao menos serve para que todos possamos constatar a incompetência de quem, ao longo de muitos anos, teve e tem responsabilidades na estruturação da província.
O Governador de Luanda viu, no terreno, o mesmo que tinha visto o seu antecessor, o antecessor do antecessor e por aí fora. E então porque é que nada se faz, para além de medidas paliativas, para resolver de forma definitiva estes problemas?
Nada se faz, desde logo, porque os responsáveis não são criminalmente responsabilizados.
E o culpado é… Entendamo-nos. Tudo o que de errado se passa em Angola foi, é e será culpa dos portugueses, da UNITA, dos activistas e, já agora, do Folha 8. A independência poderia ter chegado há 500 anos mas só chegou há 48. A culpa é dos portugueses. João Lourenço poderia ser loiro, mas não é. Manuel Gomes da Conceição Homem poderia ser competente, mas não é. A culpa é dos portugueses e similares arruaceiros. Angola poderia ser um dos países menos corruptos do mundo, mas não é. A culpa é dos portugueses, da UNITA, dos activistas e, já agora, do Folha 8.
Em tempos recentes o ex-Presidente da República (que só esteve no poder há 38 anos) considerou que a província de Luanda vivia “graves problemas decorrentes da situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”.
Sua majestade o rei de então, como certamente o monarca de hoje dirá a mesma coisa, intervinha na abertura de uma reunião técnica, dedicada à problemática dos constrangimentos sócio-conjunturais da cidade capital, e que juntou alguns membros do Executivo e responsáveis da província em busca de fórmulas mais consentâneas para a implementação dos projectos decorrentes de programas aprovados há alguns anos.
Segundo o nosso Kim Jong-un de então, os 30 anos de guerra que o país viveu (por culpa dos portugueses, é claro) não permitiram a mobilização de recursos humanos e financeiros para satisfazer todas as expectativas das populações.
Para Eduardo dos Santos, os desafios eram enormes, as despesas cresceram muito e, em certos casos, “superam a nossa capacidade”, daí a necessidade de recorrer-se à sabedoria no domínio da gestão parcimoniosa.
José Eduardo dos Santos disse também ser preciso trabalhar com base em prioridades “atacando os problemas essenciais”, que, por sua vez, permitam a resolução de outros, decorrentes dos eixos fundamentais.
Antes dessa reunião, no Marco Histórico “4 de Fevereiro”, no município do Cazenga, com titulares das pastas da Construção, Transportes, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Urbanismo e Habitação, os secretários de Estado das Águas e do Tesouro, entre outros responsáveis, o “querido líder” cumpriu uma jornada que o levou às obras de intervenção na zona conhecida como da “Lagoa de São Pedro”, na comuna do Hoji-Ya-Henda, assim com a algumas vias rodoviárias, que supostamente iriam conferir melhores condições de vida às populações.
Nessa época (Março de 2017), com a impressão digital de um dos seus sipaios (no caso até é filho incerto de pais portugueses) que dirigia o Pravda (Jornal de Angola) do regime, Eduardo dos Santos mandou dizer que “no ano de 2015, de grande significado para os angolanos, a empresa lusa Mota-Engil foi contratada para reabilitar todos os passeios e ruas da cidade de Luanda”.
Até aqui tudo normal. Mas seguiu-se a reprodução do argumentário simiesco do sipaio, com o aval do Presidente: “Durante as obras, a construtora vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas. Quando nesse ano as fortes chuvas chegaram, as ruas ficaram transformadas em rios e no sítio dos esgotos abriram-se crateras que ainda hoje se vêem.”
E depois não querem que a rapaziada critique Portugal, mesmo que tenha de se descalçar pra contar até 12. Então a Mota-Engil “vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”? Isso é coisa que se faça? A ideia seria dar razão a Eduardo dos Santos quando este fala da “situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”. Mas, convenhamos, poderiam não ter vedado “com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”.
“Com a acumulação de charcos e lixo, as condições de saúde na capital angolana degradaram-se. A cidade foi assolada por um surto de febre-amarela. A crise só foi ultrapassada com a substituição do governo provincial”, escreveu o Pravda. E escreveu muito bem, ou não estivesse a reproduzir o recado de um líder que até conseguiu pôr o Rio Kwanza a desaguar na foz e não na nascente…
Depois disso, assinada pelo então presidente do Conselho de Administração, Paulo Dias Pinheiro, o Pravda ou Boletim Oficial do regime, formalmente tratado por Jornal de Angola, recebeu da empresa Mota-Engil Angola, com pedido de publicação, a seguinte carta, a propósito do artigo de opinião “Mensagem de harmonia em dia de Natal”, assinado pelo sipaio José Ribeiro, na coluna “Palavra do Director”:
“No passado dia 25 de Novembro, lemos, como habitualmente, o Jornal de Angola e no seu editorial, sob o título ‘Mensagem de harmonia expressa em dia de Natal’, vimos uma crítica à Mota-Engil Angola, que não compreendemos e cujo fundamento também não vislumbramos.
Perante este texto, vimos ao seu contacto para esclarecer os factos e solicitar que a realidade seja divulgada pelo Jornal de Angola, em defesa da verdade e do bom nome da empresa. Assim, refira-se que:
1. A Mota-Engil Angola é uma sociedade de direito angolano, e uma parte significativa do seu capital é detida por reputadas entidades nacionais. Tanto a sua administração como as várias direcções integram cidadãos angolanos e muitos dos seus quadros construíram a sua carreira na empresa.
2. Especificamente em Luanda, muitos foram os projectos que executámos ao longo dos anos, como por exemplo a nova Baía de Luanda. Em 2015, a Mota-Engil realizou, em devido tempo, a 1ª fase de recuperação das Ruas de Luanda, uma obra exigente do ponto de vista técnico pela intervenção em zona urbana. Esta recuperação decorreu, assinale-se, de forma colaborativa com a população luandense.
3. Refira-se que esta obra foi concluída em tempo da comemoração dos 40 anos da Independência da República, um compromisso de elevada responsabilidade ao qual respondemos integralmente.
4. Com a concretização dos objectivos previstos para a 1.ª fase de recuperação das Ruas de Luanda, a Mota-Engil Angola foi reconhecida como entidade seleccionada para a execução da 2ª fase, intervindo em outras Ruas não incluídas na primeira intervenção. Naturalmente que o cumprimento dos requisitos de qualidade técnica na 1ª fase foram determinantes para que tal pudesse acontecer.
5. Pelo exposto e pelas manifestações de satisfação das entidades públicas e de cidadãos que temos recebido a propósito dos trabalhos que executamos nas ruas da nossa cidade, não entendemos as críticas que nos foram efectuadas no Vosso Editorial e muito menos entendemos qualquer associação dos trabalhos realizados por esta empresa ao surgimento de um surto de febre-amarela. Em nada contribuímos para este, tendo, bem pelo contrário, apoiado as várias medidas adoptadas por entidades oficiais para a sua erradicação.
Reconhecendo o trabalho do Jornal de Angola, estamos certos que, reavaliados os termos com que a Mota-Engil Angola foi tratada neste excerto do editorial, merecemos a devida reposição dos factos, em prol da verdade e da isenção de que somos todos defensores.
A Mota-Engil iniciou a sua actividade em Angola em 1946 e tem uma presença ininterrupta activa há 70 anos no País. Consideramos ter dado provas, neste percurso, de um forte compromisso com o desenvolvimento Nacional, o que, felizmente, tem merecido o reconhecimento por parte das entidades e dos cidadãos angolanos que têm confiado na empresa para a realização de obras de relevante importância para o desenvolvimento do País.”
Os próximos episódios dependem da… chuva.
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