Acessos e falta de postos fronteiriços são alguns dos obstáculos ao desenvolvimento do turismo na bacia do Okavango em Angola, a que o Governo angolano diz querer pôr cobro para atrair investidores e visitantes para a região. Fiquemos sentados, na margem, à espera de um milagre.
Na gigantesca área natural entre os rios Okavango e Zambeze, partilhada por cinco países – Angola, Botsuana, Namíbia, Zâmbia e Zimbabué – está a ser desenvolvido um projecto internacional que conjuga turismo e conservação ambiental, como explicou à Lusa o director geral do Polo de Desenvolvimento Turístico da Bacia do Okavango (PDTBO) e ponto focal do projecto transfronteiriço KAZA.
Angola, com 90 mil metros quadrados, compreendendo quatro municípios (Cuito Cuanavale, Dirico, Rivungo e Mavinga), detém a terceira maior parcela, mas será talvez o país que menos tem tirado partido do potencial turístico nesta região da província do Cuando Cubango, onde está (quase) tudo por fazer. Situação que se deve ao pouco tempo que o MPLA está no governo. De facto, 48 anos é muito pouco…
“Ainda temos algumas lacunas”, admite Gime Sebastião, responsável da Área Transfronteiriça de Conservação do Kavango Zambeze (ATFC KAZA), que congrega cinco países e 36 parques nacionais, numa área total de 520 mil quilómetros quadrados.
O tratado que estabeleceu o KAZA foi assinado há 12 anos, em Luanda, mas (por manifesta falta de tempo do MPLA) Angola ainda não ratificou o documento, o que cria dificuldades no acesso a fundos internacionais e captação de investimento.
“Aguardamos a todo o momento que esse passo seja dado”, afirma Gime Sebastião. Importa perceber que o Governo do general João Lourenço tem gasto muito tempo a fazer crescer o número de pobres no país, tendo nesta altura – com sucesso – ultrapassado a fasquia dos 20 milhões.
Esse será um passo importante para o desenvolvimento do turismo no Okavango, denominador comum onde se cruzam as águas dos rios Cuando e Cubango, na província a que deram o nome, uma das mais extensas e remotas do país, ocupando uma área com o dobro de Portugal, com diversidade faunística e paisagens intocadas.
Segundo o responsável do PDTBO, acessos e “normalização das fronteiras” são obstáculos ao desenvolvimento, dificultando o movimento de turistas naquela região que faz fronteira com a Namíbia, a sul, e a Zâmbia, a leste.
“Os postos fronteiriços daquela zona ainda estão encerrados administrativamente”, diz Gime Sebastião, esperando que a situação esteja ultrapassada até ao início do próximo ano.
Lembrou, por outro lado, que a região foi fortemente afectada pelo conflito armado que durou cerca de 30 anos em Angola, opondo as forças do MPLA às da UNITA, levando a vida selvagem a dispersar e praticamente abandonar o seu ‘habitat’ durante a guerra civil.
“Neste momento, com a segurança que se vive e limpeza das minas, os animais estão a regressar”, garante.
Actualmente pode-se circular “com toda a segurança” em cerca de 50% do território do Cuando Cubango, mas é preciso desminar o restante para garantir a segurança e movimentação dos turistas, já que em grande parte da região se circula em picadas, estando em curso acções de desminagem a cargo das autoridades angolanas e parceiros como a ONG Halo Trust.
Mas faltam também operadores e guias turísticos que desenvolvam actividades e roteiros e infra-estruturas hoteleiras para acolher os visitantes.
“Para começar”, o Governo angolano vai tentar (ou, pelo menos, como é regra, vai pensar em tentar) cativar os adeptos do chamado “turismo de natureza”, prometendo a criação de parques de campismo para breve, “tão logo estejam oficializados os postos transfronteiriços”.
Gime Sebastião espera contar com alguns operadores turísticos provenientes de países vizinhos, como é o caso da Namíbia, no próximo ano.
Entre as atracções, além da fauna selvagem, onde destaca a presença de elefantes, búfalos, girafas e palancas, o director do PDTBO aponta a pesca desportiva como oferta turística complementar, estimando que, em 2024, cerca de 10 a 15 mil turistas venham conhecer a região.
O responsável diz ainda que as autoridades angolanas estão atentas às comunidades locais, sublinhando que no polo do Okavango, após a instalação de unidades hoteleiras prevista na primeira fase, prevê-se a criação de 1.500 postos de trabalho, proporcionando o desenvolvimento do turismo comunitário.
“Os melhores guias são eles, são eles que vão mostrar aquilo que o turista procura, os animais, as áreas de observação”, exemplifica, referindo-se aos grupos étnicos locais como os Nganguela e os Khoisan.
Quanto à exploração de petróleo de que já se fala no Okavango, afirma que nada está decidido. Sendo petróleo o que corre nas veias dos dirigentes do MPLA, nunca se sabe…
“Fala-se nisso, o país vizinho, a Namíbia, já tem prospecção em curso, mas na nossa componente ainda não. São acções que dependem fundamentalmente do governo, não tenho conhecimento de projectos dessa natureza que tenham sido autorizados (…) de momento, não temos nada”, assegura, reforçando que o foco é o turismo.
“Neste momento, o turista do lado namibiano já viu tudo, no Botsuana já viu tudo, na Zâmbia já viu tudo, agora Angola é que está fechada e eles estão a pressionar para que a gente abra as portas”, destaca Gime Sebastião.
Na semana passada, o Presidente angolano, João Lourenço, tal como o Presidente do MPLA, João Lourenço, tal como o Titular do Poder Executivo, João Lourenço, assinou um despacho autorizando 19 milhões de dólares (17,5 milhões de euros) para a construção de um novo aeroporto internacional em Mavinga (que talvez se venha a chamar… Agostinho Neto), destacando a importância internacional da nascente do Delta do Okavango e o facto de ser “uma zona estratégica de interesse de investimentos para o desenvolvimento do turismo no país”.
OKAVANGO? SIM, NÃO… TALVEZ!
A exploração de petróleo, as mudanças climáticas provocadas pelo ser humano e captação e desvio de água para a agricultura comercial alteraram a paisagem do delta do Okavango.
De acordo com a Associated Press (AP), da água do delta do Okavango dependem as pessoas e as espécies selvagens que habitam na região. A terra rica em água e vida selvagem é alimentada por rios nas terras altas de Angola, onde o rio tem o nome de Cubango, que correm para o norte do Botsuana antes de serem drenadas para as areias do deserto de Kalahari, na Namíbia.
O pescador Kgetho, da comunidade Wayei de Botsuana, declarou à AP que as coisas mudaram nos últimos anos, no delta do Okavango e em todo o país. “O tamanho dos peixes encolheu e a quantidade está a diminuir”, disse Kgetho, cuja vida e sustento dependem da saúde do ecossistema. “Os rios que desaguam no delta têm menos volumes de água”, acrescentou o pescador.
Os defensores do delta agora esperam bloquear pelo menos uma dessas ameaças – a exploração de petróleo.
As comunidades locais e grupos ambientalistas alegaram que a terra foi arrasada com ‘bulldozers’, esventradas, poluindo fontes de água, sem a permissão das comunidades locais.
Kgetho teme que os rios da sua região estejam a secar devido ao “uso excessivo das indústrias extractivas, incluindo actividades de exploração de petróleo rio acima”.
Numa declaração por escrito, a ReconAfrica, o braço africano da empresa canadiana de petróleo e gás, Reconnaissance Energy, disse que protege os recursos hídricos por meio de “monitoramento regular e relatórios sobre dados hidrológicos às autoridades locais, regionais e nacionais apropriadas de água” e está “a aplicar rigorosos padrões de segurança e protecção ambiental”.
A declaração referiu que realizou mais de 700 consultas comunitárias na Namíbia e continuará a envolver-se com as comunidades no Botsuana. A empresa perfura na região desde 2021, mas ainda não encontrou um poço produtivo.
A licença de perfuração está actualmente definida para durar até 2025, com a ReconAfrica tendo recebido anteriormente uma extensão de três anos.
Os moradores persistiram com as vias legais, mas tiveram pouca sorte. Num caso separado, o tribunal superior da Namíbia adiou uma decisão sobre se as comunidades locais deveriam pagar para abrir um processo contra as acções da empresa.
O tribunal rejeitou anteriormente o apelo urgente feito pela população local para interromper as actividades de perfuração da empresa canadiana.
O ministro da Energia da Namíbia, Tom Alweendo, argumentou sobre o direito do país de explorar petróleo, dizendo que os países europeus e os Estados Unidos também o fazem. Alweendo apoia o objectivo da União Africana (UA) de usar energia renovável e não renovável para atender à crescente demanda.
Existem temores de deterioração no Botsuana e em toda a região. Grande parte do ecossistema diversificado do país está sob ameaça de vários planos de desenvolvimento.
O Parque Nacional de Chobe, no Botsuana, por exemplo, viu um declínio na qualidade do rio em parte devido à sua crescente indústria do turismo, segundo um estudo.
Na bacia de Cuvette-Centrale, no Congo, uma floresta densa e ecologicamente próspera que abriga a maior população de gorilas de planície, secções das turfeiras – as maiores do continente – foram leiloadas para petróleo e gás em 2022.
O Governo congolês disse que o processo de leilão “está de acordo” com os planos de desenvolvimento e programas do governo e seguirá rigorosos padrões internacionais.
Os ambientalistas não estão convencidos com os argumentos governamentais. Wes Sechrest, cientista-chefe da organização ambiental Rewild, disse que proteger áreas “que têm populações de vida selvagem robustas e saudáveis” como o delta do Okavango, “são uma grande parte da solução para as crises interconectadas do clima e biodiversidade que estamos a enfrentar”.
Recordemos, a este propósito, o texto «O projecto Okavango/Zambeze», publicado aqui no Folha 8 em 7 de Março de 2015 e que é da autoria do nosso saudoso e querido companheiro, António Setas:
«Trata-se de um contrato transfronteiriço do sector do turismo, que abrange cinco países, Angola, Zimbabué, Botswuana, Zâmbia e Namíbia e tem um tamanho de 278 mil quilómetros quadrados. Angola detém a segunda maior participação, com 87 mil quilómetros quadrados de espaço territorial, logo após a Zâmbia, que previa 97 mil.
Na verdade, estamos perante um dos maiores e mais ambiciosos projectos turísticos do mundo, já tem o apoio das Nações Unidas, dispõe desde Agosto do ano passado de um plano de orçamento próprio e poderá disponibilizar, quando estiver pronto, um Visto especial “Kasa” para quem chegue de visita, o que permitirá aos turistas circular livremente nos cinco países ligados ao projecto.
A área em questão integra o também chamado projecto KAZA, acrónimo da língua inglesa para designar a bacia do rio Okavango, que nasce em Angola e não vai desaguar no mar, numa lagoa ou noutro rio qualquer, mas num deserto, pois a foz do rio situa-se no norte do deserto do Kahalari, que já fez parte do território angolano, mas hoje pertence ao Botswana.
O resultado dessa aberração natural é um maravilhoso milagre da Natureza.
Todos os anos, com a chegada da estação das chuvas, este rio despeja 11 quilómetros cúbicos de água no deserto Kalahari, transformando assim essa zona árida em um delta verde, um oásis exuberante capaz de atrair centenas de milhares de animais selvagens.
Nessa altura, uma área gigantesca do deserto ficará inundada, formando um labirinto de canais, lagoas e pântanos, cuja profundidade raramente ultrapassa os 50 centímetros e o milagre acontece, aquela região árida transforma-se em um oásis colossal de 22.000 km2 no norte do Botswana e só retomará a sua genuína forma de deserto mais ou menos três meses depois do termo da estação chuvosa.
De acordo com Ministério da Hotelaria e Turismo do Governo do Regime do Presidente dos Santos, o projecto facilitará integração e a protecção das comunidades, o desenvolvimento sócio-económico e a protecção da biodiversidade dos países membros e, em particular, o crescimento da província do Cuando Cubango. Se avançar, augura-se que transformará esta parte da África austral num dos maiores destinos turísticos do mundo.
Mas há quem não esteja de acordo, por exemplo, os activistas da nação lunda-tchokwe, estimam que o projecto é bonito, mas… «Na prática o que estamos a ver neste ambicioso projecto é a escravatura das populações do Cuando Cubango, a expropriação de terras, é a situação precária da Saúde e a falta gritante de medicamentos e condições hospitalares dignas. Este projecto turístico está bonito, mas parece-nos que a população da nação lunda-tchokwe e as comunidades vizinhas não beneficiarão absolutamente de nada do referido projecto. Os sinais indicam que esta população está fora das prioridades… Senão, vejam bem, onde estão as escolas de Turismo para que a juventude do Cuando Cubango se prepare para o desafio do projecto?», estimam eles.»
Folha 8 com Lusa