LIVRO BRANCO DAS PESCAS

Anteriormente falámos da evolução do PIB do sector e de algumas questões levantadas num recente fórum sobre onde foram apontadas criticas e soluções que começámos a listar. Chamámos nessa altura a atenção do leitor para o facto do que escrevemos serem as nossas conclusões do que ouvimos, de algumas conversas com pessoas ligadas ao sector e da análise que fazemos dos dados oficiais e das notícias e análises que vêm sendo publicadas, sendo, portanto, da nossa exclusiva responsabilidade.

Por Heitor Carvalho (*)

Prosseguindo: Foi também apontada como solução para os possíveis transbordos ilegais dos navios industriais a utilização obrigatória de sistemas electrónicos (que existem) de registo automático da posição e capturas. Para o controlo da pesca industrial (são meia dúzia de navios), esta parece a solução mais eficaz, sendo essencial que o centro de controlo em terra trabalhe permanentemente e seja, ele próprio, permanentemente supervisionado, acrescentamos nós. A meia dúzia de embarcações de grande porte pode ser acompanhada a cada momento, conhecendo-se a sua posição e a quantidade e qualidade do pescado que têm a bordo com um investimento mínimo para o volume de negócios deste subsector. Do nosso ponto de vista, depende apenas da vontade, não havendo outra explicação lógica para a sua não implementação imediata que não seja a defesa de interesses que é necessário eliminar.

O controlo da pesca semi-industrial e artesanal é talvez mais difícil, mas não impossível. Hoje, existem meios electrónicos de controlo de posicionamento suficientemente baratos, mesmo para a pesca artesanal. Apenas nos dizem onde está a embarcação, mas isso já é muito. Este sistema talvez não permita seguir todas as embarcações, mas permite conhecer as que saem das suas zonas de actuação para realizar transbordos ou pesca em zonas que lhes estão vedadas ou que acostam em locais de descarga não autorizados.

Pelo que percebemos, a fiscalização a bordo claramente não funciona. Para a pesca semi-industrial um sistema mais eficiente poderia ser a distribuição das quotas até ao esgotamento da capacidade das embarcações e a limitação dos dias no mar em função das mesmas. Imaginemos que uma pescaria tem dois barcos e uma quota de pesca de 1.500 Ton, sendo distribuídas 1.200 Ton por um barco e 300 Ton por outro, mas que efectivamente pesca cerca de 5.000 Ton. Nesse sistema, a quota de 1.500 Ton seria apenas dada ao primeiro barco (que tem capacidade efectiva de captura de 2.500 Ton) e apenas por um número de dias específico, necessários para atingir a quota, ficando a segunda embarcação totalmente paralisada e a primeira em parte. Assim poderia cumprir-se efectivamente a quota, reduzindo-se os potenciais esquemas de corrupção de que todos falam de forma velada no sector, mas nunca denunciam cabalmente!

Se as quotas da pesca industrial e semi-industrial são inferiores à capacidade de captura das embarcações (tendo em conta os índices de eficiência dos subsectores), deve tornar-se claro, para todos os angolanos, quais as embarcações existentes que não poderão ir para o mar e o número de dias permitido para a saída das restantes, de forma que se cumpra a quota de pesca. Este recurso natural é de todos nós, não dos empresários do sector ou do Ministério das Pescas!

No evento a que nos estamos a referir, foi sugerido que se separe a venda do pescado da sua captura, nomeadamente para a pesca semi-industrial. Concordamos plenamente com esta proposta, defendendo que a forma de controlo das descargas nos pontos autorizados deva ser entregue a operadores privados, interessando-os directamente no controlo do pescado descarregado, promovendo a concorrência e o autocontrolo e realizando inspecções surpresa frequentes com penalizações graves que vão até à proibição do exercício da actividade, mesmo por infracções médias.

Para o controlo da pesca artesanal, defendemos há muito tempo a necessidade de maior fiscalização ao longo da costa, buscando embarcações sem registo e sistema de posicionamento, nomeadamente navios de maior porte (batelões) que são proibidos, e limitando-se as praias onde o desembarque pode ser feito. Nestas, o controlo da descarga deve ser feito através de operadores privados, de forma semelhante à pesca semi-industrial, o que permitiria conhecer a prática de métodos ilegais de captura e a actuação das autoridades no sentido da sensibilização e punição destas práticas. Isto exige naturalmente que existam pontos de descarga abundantes ao longo a costa e a proibição da acostagem em todos os restantes.

Estes sistemas de controlo também permitiriam cruzar informações de capturas por espécie e calibre recolhidas nos pontos de descarga e nos navios industriais com a informação obtida pelos cruzeiros de investigação.

É também necessário organizar os pescadores tradicionais e pequenos armadores em cooperativas que possam ajudá-los a defender os seus interesses imediatos e a sustentabilidade.

Continuamos a defender que o controlo do posicionamento das embarcações no mar é o sistema mais eficaz, cruzando-o com a actuação de inspecções-surpresa em embarcações ligeiras rápidas, dos meios electrónicos de localização e dos meios de observação da marinha e força aérea, substituindo a inspecção a bordo, cara e ineficaz.

No Planapesca é apontada como solução, a exemplo do que se passa pelo mundo, a aquicultura. Contudo, mais uma vez, parece querer-se andar mais depressa do que as pernas, o que é garantia de queda. Para se fazer aquicultura, é necessário conhecimento, ração adequada e aprendizagem prática. É importante que se impulsione o subsector (ou os vários subsectores), mas acompanhando os investimentos da disseminação das técnicas, da disponibilidade de rações e da necessária curva de aprendizagem. De outra forma os investimentos não serão rentabilizados, destruir-se-á valor e criar-se-á a desconfiança numa solução comprovadamente eficaz e testada. Neste sentido os objectivos do PlanaPesca são claramente exagerados e contraproducentes. Ao criar pressão sobre o Ministério e os operadores vamos proporcionar investimentos sobre-dimensionados, que não poderão ser eficientemente explorados com o nível e evolução do nosso conhecimento, disponibilidade de rações, capital, etc. Depois, como habitualmente, culpar-se-á a execução que não foi capaz de compreender e acompanhar o brilhantismo de quem criou o programa!

Em conclusão, considerando a enorme falta de clareza, propomos a elaboração de um livro branco, patrocinado pelo Ministério, mas composto por pessoas e entidades independentes que entrevistem os operadores, visitem as operações e os serviços do Estado e escrevam um documento de análise critica e soluções para a regulamentação, controlo e práticas do sector.

(*) https://www.cinvestec.com

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