Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), Universidade Agostinho Neto, lamentam, nesta quinta-feira, 19, a falta de professores nos respectivos cursos que a instituição ministra.
Por Domingos Miúdo
Este problema configura-se como o principal factor da não conclusão do programa curricular conforme perspectivado por cada um deles. Um estudante do quarto ano de Comunicação Social, identificado por Paizinho, lamentou o facto de a sua turma ter sido arrastada até um suposto ano especial, que corresponderia ao quinto, pois, havia duas cadeiras, a de Língua Nacional e Atelier de Jornalismo Escrito, sem docentes que as pudessem leccionar, a primeira trazida desde o terceiro ano.
“Frustraram as nossas expectativas. Eu, pelo menos, sabia que terminaria em 2021, mas pelas negligências da instituição aqui estamos nós, em 2023. Certamente, que neste ano estaria a fazer o mestrado, mas pelas questões fora de mim, ainda continuo perseguindo a licenciatura”, referiu.
O estudante disse que praticamente ficaram um ano lectivo completo sem estudar, 2021/2022, até que os professores reformados se predispuseram ajudar, tirando-lhes assim de um jejum académico.
Na entrevista cedida ao Folha 8, o universitário disse não compreender o facto de não lhes terem atribuído notas administrativas sendo que para a aprendizagem de uma língua é necessário, no mínimo, seis meses intensos de ensino, contudo, não foi o que aconteceu, as aulas de Língua Nacional foram dadas uma vez por semana, aos sábados, num intervalo de um mês, correspondendo a quatro lições que foram suficientes para eliminar a cadeira.
“Ninguém consegue falar uma língua em quatro dias, ainda mais uma única vez na semana. Tinha e ainda tenho vontade de falar uma língua nossa, mas sob aquelas circunstâncias não poderia”, denunciou.
Na ocasião, conversamos com a estudante de Ciência Política, que preferiu anonimato, também do quarto ano, disse não ser diferente a carência de docentes no seu departamento, que por conta disso, seriam condicionados no segundo ano, porque haviam três disciplinas, Problemas Sociais de Angola, Sociologia Política Eleitoral e o Inglês II, que não tiveram sequer uma aula, ao passo que a de Sociologia Política Eleitoral persistiu até ao último ano.
A formanda apontou a carga excessiva de ocupações como o motivo fulcral que limita a presença daqueles que já foram seus formadores. “Eles são pessoas importantes, se calhar andam muito ocupados a fazer outras coisas sem tempo para dar aulas”, deduziu.
A universitária criticou o episódio vivido no terceiro ano quando o assistente do camarada do MPLA, João Pinto, atribui-lhes a todos 10 valores sem nunca lhes ter dado aulas na disciplina de Direito Administrativo.
Na instância, aproveitou a presença do Folha 8 para lamentar o número de professores assistentes no curso e o número das cadeiras que estes mesmos auxiliares leccionam, “são cinco disciplinas para ambos, regidas por um único docente que nunca mais apareceu”. Para a finalista de Ciência Política, além de achar o cúmulo um só professor ter cinco cadeiras, é igualmente um incómodo receber aulas de licenciados para a formação de licenciatura.
“Seriam pelo menos os que já fizeram mestrados. Nós gostaríamos também de nos gabar, que nosso professor é o fulano. Agora esses assistentes, que são jovens cheios de problemas, não fica bem. Não se tem respeito por eles, em sala de aula, colegas falam uma coisa enquanto o assistente fala outra, criando choques que banalizam a relação mútua. O que sugiro é que os assistentes devem ser assistidos pelos regentes da cadeira para evitar certas banalidades. O grande problema é que o regente anda mais sumido que Angosat 1. Desde que o ano lectivo começou as aulas só têm sido com os assistentes”, assinalou.
No curso de Sociologia, Domingos Almeida e Joana Ngola, ambos estudantes do quarto ano, afirmaram carregar estes problemas desde o segundo ano, sendo que para este ano académico somam-se cinco cadeiras das quais não têm professores.
Domingos Almeida disse sentir muito pelos colegas que vivem este acúmulo de cadeiras pendentes. “Vejo colegas reclamarem pelo excesso de cadeiras, causadas por aquelas não dadas nos anos antecedentes. No quarto ano, o nosso curso tem 26 cadeiras, imagine mais as cinco, condicionadas pela falta de professores?”, sublinhou.
O universitário Viemba Ndombe, estudante do quarto “especial” de História, contou que nesta altura já teria alcançado a Licenciatura, em contrapartida o grande problema recai à escassez de pedagogos na faculdade, sobrando-lhe a recuperação de História Universal, História de África e Língua Portuguesa I.
Por outro lado, a finalista, simplesmente identificada por Gerusa, da formação de Gestão e Contabilidade, afirmou nunca ter passado tais escaramuças no departamento que tem as rédeas do seu curso. Alegou que durante os anos na instituição a sua turma nunca se queixou de professores, empecilhos que apenas evidencia noutros departamentos.
De acordo com alguns membros da Associação dos Estudantes, que de algum modo têm intermediado a conversa entre os alunos e os departamentos, visando a resolução do problema, é que, a princípio, os departamentos não têm verbas para pagar os colaboradores, pois, parte dos formadores vinham de outras faculdades para que colaborassem nas cadeiras que lhes competiam, no entanto, a falta de compromisso financeiro fê-los, uns, definitivamente, abandonar os laços de docência com a instituição. Um outro ponto deve-se a aposentadoria de alguns. Entretanto, conforme as informações, tudo estão a fazer para repor a normalidade.
Lembrar que, José Carlos, sociólogo e professor universitário no ensino privado, já foi estudante da Faculdade Ciências Sociais até ao ano 2014, contou que esta desorganização já havia na altura e pasmou-se ao facto dela ainda existir nos dias actuais
AS NOTAS TÊM ASAS… VOAM
Outro problema de os alunos se queixaram foi dos desaparecimentos constantes das notas no sistema da faculdade. As notas simplesmente desaparecem, ganham asas e voam para bem longe. Facto que tem impedido muitos estudantes confirmarem para um ano quando deveriam estar noutro mais adiante.
Para este assunto, a estudante finalista de Ciência Política que referimos acima, condenou veemente o departamento por nada fazerem. Quando questionada se cabia ao departamento resolver tais anormalidades, disse que em parte sim porque “são eles que ficam com todas as pautas, mas assim que o problema surge te mandam ir sozinha atrás dos professores para lançamento de suas notas naquele sistema de merda”.
“Os departamentos seriam o porto seguro dos estudantes, estar sempre dispostos para resolver de perto as nossas inquietudes, deveriam estar ao serviço do e para o estudante, mas estão pouco se lixando, não conseguem resolver nada. Por outra, o decano também nada faz para extrapolar as precariedades que vivemos aqui. Os de cima não se preocupam com os que estão em baixo. Em suma, é tudo política”, rematou a universitária.
A finalista de Gestão e Contabilidade, Gerusa, atirou a culpa ao sistema de lançamento de notas que aí vigora. “É putrificado, cheio de anormalidades. Por vezes, notas nas pautas físicas constam, mas no sistema elas desaparecem de forma assustadora, é um dado que também desgasta os professores. Hoje lançou a nota, amanhã já estará ser chateado por algum estudante por omissão das notas e assim por diante”
Para Viemba Ndombe, que faz o último ano de História, o facto leva os estudantes adiarem as suas confirmações, a correr atrás de professores, contando que alguns já não se encontram na geografia angolana.
O estudante de Comunicação Social refere que foi obrigado a repetir a cadeira de Técnicas de Imprensa e Fotografia, ainda que já a tivesse eliminado, pois, as notas não se reflectiam no sistema e o professor se recusava entregar as pautas físicas para que as pudessem confrontar no Departamento de Assuntos Académicos da Faculdade de Ciências Sociais.
“Estava atrás da resolução há meses. O departamento não estava conseguir resolver, então, ia directamente ao regente, mas ele dizia que já teria lançado, chegou uma altura que disse que não poderia fazer mais nada, ironizando que o nosso problema seria familiar. Quando solicitado pela pauta física que comprovava que a eliminei, afirmou que não a daria, realçando a inutilidade da pauta com a existência do sistema, mesmo sabendo das debilidade que aquele sistema tem. Para não ficar de braços cruzados, achei como a melhor alternativa repetir a cadeira, infelizmente, tudo por conta de um sistema falhado e do um professor universitário antipático”, disparou.
O cenário verifica-se nas vésperas de reconfirmação de matrículas, épocas de provas e no levantamento das declarações com notas, em que é imprescindível o estudante confrontar com os seus resultados para tramitar a outras fases, mas são habitualmente surpreendidas com as decolagens das notas, para onde vão eles também não sabem.
No final, os estudantes da FCS sugerem a actualização mais moderna do sistema ou, se preferir, a troca dele para erradicação dos males que muito lhes têm aborrecidos. Apelam ao Ministério do Ensino Superior, Inovação e Tecnologia, chefiada por Maria do Rosário Bragança, que olhasse com empatia às suas preocupações, porque o decano não pode lidar com a situação sozinho. “Precisamos de mais professores e de um sistema melhor de lançamento de notas, isso não é pedir muito. É tudo pelo bem-estar da nossa faculdade”, concluíram.
Foto: Arquivo
[…] Os departamentos seriam o porto seguro dos estudantes, estar sempre dispostos para resolver de perto as nossas inquietudes, deveriam estar ao serviço do e para o estudante, mas estão pouco se lixando, não conseguem resolver nada. Por outra, o decano também nada faz para extrapolar as precariedades que vivemos aqui. Os de cima não se preocupam com os que estão em baixo. Em suma, é tudo política”, rematou a universitária anónima, numa entrevista ao Folha 8. […]