SE FÔSSEMOS UM ESTADO DE DIREITO…

A ministra das Finanças angolana, Vera Daves de Sousa, considerou hoje, em Luanda, que há um “caminho muito importante” que pode e deve ser percorrido na concessão de crédito bancário à economia real pelos diversos actores envolvidos no processo. Se o caminho estiver como grande parte das nossas vias de suposta circulação (os buracos têm pouco estrada), vai ser uma missão impossível “levar a Carta a Garcia”.

Vera Daves de Sousa disse que, em 2022, verificou-se uma elevação do rácio de transformação do sector da banca (relação entre o crédito a clientes e os depósitos de clientes), em cerca de 3,8 pontos percentuais, passando de 23,6%, em 2021, para 27,4% o ano passado.

“Apesar desta evolução, este indicador está muito aquém do que se verifica, por exemplo, na África do Sul (acima de 90%), em Portugal (na ordem dos 80%) e na Nigéria (onde vigora a imposição legal de o rácio de transformação ser no mínimo de 65%)”, disse Vera Daves de Sousa quando procedia à abertura da sessão de apresentação do Estudo Banca em Análise, da Deloitte Angola.

Em declarações à imprensa, Vera Daves de Sousa destacou também a evolução positiva nos meios de pagamento, com “indicadores animadores na emissão e utilização de cartões multicaixa, nos serviços de ‘homebanking’ e no pagamento de serviços ao Estado via RUPE [Referência Única de Pagamento ao Estado]”.

Esta é, aliás, uma vulgarizada forma de pagamentos utilizada pelos 20 milhões de pobres quando fazem as suas compras nos mercados instituídos pelo Governo do MPLA, popularmente conhecidos por lixeiras na sua versão híper e por caixotes do lixo na versão mini.

Vera Daves de Sousa realçou também os indicadores animadores sobre “alguns bancos que estavam a ter uma performance bastante negativa e que já começam a dar sinais de, não só reduzir o resultado negativo, mas – dados mais recentes do início de 2023 – até passar para resultados positivos, como é o caso do BPC [Banco de Poupança e Crédito]”.

“No entanto, continuamos a ter desafios no que diz respeito ao crédito malparado, apesar do crédito vencido mais concretamente, apesar da melhoria do indicador de 2021 para 2022 continuamos a ter uma taxa alta, o que demonstra que os bancos deverão continuar a fazer esforços para a constituição de imparidades”, referiu.

Segundo a ministra das Finanças de Angola, continuam os desafios relativamente à cobertura geográfica dos serviços bancários, situação que os bancos poderão reverter “utilizando os critérios de eficiência”.

“Nalguns casos não será possível colocar uma agência, coloca-se um posto, faz-se parceria com agentes comerciais, de modo que os bancos vão ter que ser um pouco inovadores neste domínio”, observou.

Na sua intervenção de abertura, Vera Daves de Sousa desmistificou o “chavão de que os bancos não emprestam aos empresários, porque emprestam ao Estado”, argumentando que o que existe é “a escassa procura de crédito solvente junto dos bancos”.

“Na realidade, para poderem ter acesso ao crédito bancário, as empresas devem dotar-se de capital próprio, ter rácios de autonomia financeira adequados, aperfeiçoar a sua informação contabilística e de gestão, tornar transparentes os seus balanços e submeter aos bancos planos de negócios credíveis, compatíveis com o crivo necessário da avaliação de risco”, realçou.

À imprensa, Vera Daves de Sousa reforçou que o processo deve envolver quem busca financiamento, “que deve procurar estrutura-se da melhor forma possível”, os bancos, que devem apoiar os empresários no processo de estruturação dos seus planos de negócios, de reforço de capacidade, e as instituições do Estado vocacionadas para o efeito.

“Desafiamos também empresas de consultoria como a Deloitte e outras que operam no mercado a não se focarem apenas nas grandes corporações, a terem também uma oferta preparada para as pequenas e médias empresas, com preços ajustados à capacidade de pagar dessas empresas”, disse Vera Daves de Sousa.

A titular da pasta das Finanças acrescentou que no domínio da fiscalidade também há um conjunto de propostas que foram apresentadas e decididas na última reunião da Comissão Económica, para que “cada um fazendo a sua parte” se tenha “um sector privado mais forte, mais actuante, e o Estado progressivamente venha a reduzir peso, participação, em actividade económica”.

“E essa dicotomia de financiamento ao sector privado versus ao Estado vai-se esbater naturalmente, mas para isso cada um de nós temos que contribuir para que as instituições financeiras que já exercem o seu papel façam cada vez mais e para que aqueles que ainda estão timidamente a darem esses espaços reforcem a posição”, vincou.

A INCLUSÃO FINANCEIRA E A FOME

No dia 29 de Junho, a ministra Vera Daves de Sousa realçou os “sérios desafios” de inclusão financeira nas zonas rurais e para as mulheres, com percentagens altas de exclusão nessas duas categorias, segundo uma pesquisa efectuada sobre o assunto.

Vera Daves de Sousa disse, em declarações à imprensa, no final da conferência “Inclusão Financeira em Angola — Desafios e Oportunidades”, organizada pelo Banco Nacional de Angola (BNA), que os resultados da pesquisa demonstram que ainda há “bastante trabalho a fazer”. Uau! É obra!

“Relativamente às zonas urbanas não estamos mal, mas estamos com sérios desafios relativamente às zonas rurais e também se formos numa perspectiva de género, junto das mulheres. Temos aqui muito trabalho a ser endereçado não só pelo BNA, mas por todas as instituições que participam e que têm um papel no sistema financeiro”, sublinhou a ministro.

O Inquérito FinScope Consumer Angola 2022 sobre o estado da inclusão financeira angolana no ano passado, efectuado pela FinMark Trust, revelou que as pessoas com maior inclusão financeira estão nas áreas urbanas (48%) e que a maioria das mulheres são financeiramente excluídas (60%), bem como os indivíduos que dependem da agricultura (70%), do trabalho por conta própria (54%) e dos biscates (68%).

O estudo não tem nenhuma rubrica relativa à exclusão (ou não) dos 20 milhões de pobres, ou da multidão de angolanos se alimentam nas lixeiras, ou ainda dos cinco milhões de crianças que estão fora do sistema escolar do país.

Segundo Vera Daves de Sousa, o Governo tem um papel a fazer, através dos seus programas, para conseguir aumentar os níveis de inclusão financeira. É claro, dizemos nós, que o governo (do MPLA) ainda não teve tempo para resolver esse problema. De facto, reconheça-se, estar no Poder só há 48 anos é muito pouco tempo…

“Saímos daqui com um diagnóstico claro, com recomendações claras, o que temos que fazer agora é, de forma coordenada, concertada e alinhada, endereçarmos esses desafios de exclusão financeira e de baixos níveis de saúde financeira por parte dos angolanos”, destacou a ministra. Será, na verdade, muito bom educar financeiramente todos aqueles angolanos que, actualmente, nem sequer sabem o que é uma… refeição.

Dara Castelo, da FinMark Trust, que apresentou o estudo destacou que Luanda, talvez por ser a capital, tem a maior taxa de inclusão financeira (58%), do que nas restantes províncias do país onde “o típico é a exclusão financeira”. Exclusão financeira, exclusão de saúde, de habitação, de emprego, de escolaridade, de comida, de dignidade, de… de… de… .

“Ao nível regional, olhando para os países da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] Angola tem a menor taxa de inclusão financeira”, acrescentou Dara Castelo, certamente soltando uma ligeira eructação (arroto) a mandioca. Perdão, a lagosta!

De acordo com Dara Castelo, a maioria dos financeiramente incluídos usam apenas um produto financeiro, “o que sugere que há pouca profundidade mesmo na taxa de inclusão, que pode haver uma falta de oferta de produtos adaptados a todas as suas necessidades diferentes do dia-a-dia”.

Relativamente à acessibilidade, considera-se que os serviços financeiros digitais, como pagamentos móveis e outros, promovem a inclusão financeira, principalmente porque reduzem as barreiras de acesso.

Embora 72% de todos os inquiridos tenham acesso a um telemóvel, a penetração dos pagamentos móveis é muito baixa, sendo que apenas 6% dos entrevistados têm contas registadas.

“O que aponta uma enorme oportunidade para alargar a inclusão financeira através dos móveis”, considerando que não se pode “replicar as barreiras que existem nos produtos tradicionais e a tecnologia acessível à maior parte da população, que não são ‘smartphones’”.

Relativamente a poupanças e investimentos, o inquérito revela que 75% não poupam e entre os que o fazem “há uma dependência em mecanismos informais”, nomeadamente guardar dinheiro em casa.

O consumo de crédito é baixo, de acordo com o documento, “um pouco mais pronunciado entre os funcionários públicos”, sendo a preferência predominante procurar empréstimos entre familiares e amigos.

O estudo deixa algumas recomendações, nomeadamente para o sector público, no sentido de elaborar uma Estratégia Nacional de Educação Financeira que complemente a política de inclusão financeira, com foco em competências digitais e para o BNA que continue a dar prioridade à educação financeira do consumidor através do programa de literacia financeira e digital, entre outras.

A pesquisa teve como objectivos descrever os níveis de inclusão financeira, de uso e acesso aos produtos financeiros, formais e informais, os tipos de produtos e serviços usados pelos indivíduos financeiramente incluídos, identificar os facilitadores e as barreiras para o uso de produtos e serviços financeiros e avaliar as tendências ao longo do tempo.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

One Thought to “SE FÔSSEMOS UM ESTADO DE DIREITO…”

Leave a Comment