Os investimentos privados nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) continuam voláteis e centrados nas indústrias extractivas de Angola e Moçambique, constata a OCDE, que recomenda a cooperação com instituições financeiras de desenvolvimento para diversificar e superar obstáculos.
Ao longo de 2015-21, mais de 90% do investimento directo estrangeiro (IDE) em novos projectos visou apenas dois países, Angola e Moçambique, e principalmente as indústrias transformadoras e extractivas, refere a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) num relatório divulgado hoje.
Além disso, os investimentos privados continuam “altamente voláteis”, com entradas de investimento directo estrangeiro (IDE) que variaram entre 10,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e 0,8% em 2021, segundo dados do relatório.
Outra constatação é que mais de três quartos do IDE nos PALOP – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – tiveram origem na China, em países europeus e nos Estados Unidos da América.
No relatório, que analisa como África pode atrair investimentos que ofereçam o melhor equilíbrio entre objectivos económicos, sociais e ambientais, a organização realça que os PALOP estão a procurar desenvolver novas oportunidades de investimento sustentável, nomeadamente nos designados “sectores verdes”.
Um exemplo apontado é o investimento da produtora de papel Portucel, de 2,3 mil milhões de dólares (cerca de 2,1 mil milhões de euros) em actividades florestais sustentáveis em Moçambique, plantando mais de 20 milhões de árvores – um ‘stock’ de carbono de 1,7 milhões de toneladas.
A OCDE sublinha a importância da “cooperação entre instituições financeiras de desenvolvimento, africanos e parceiros internacionais, que oferece oportunidades para superar obstáculos e diversificar portfólios”.
O Pacto Lusófono, uma plataforma de investimento criada com o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e do Governo português, que visa impulsionar o crescimento do sector privado nos PALOP, é apontado neste contexto.
Os membros desta iniciativa desenvolveram acordos específicos por país em linha com as prioridades de desenvolvimento, recordam os autores do relatório, lembrando a importância dos principais mecanismos usados pelo Compacto: a redução dos custos de financiamento, instrumentos de mitigação do risco e reforço das capacidades para melhorar a viabilidade financeira dos projectos.
Em Setembro de 2022, o Governo português e o BAD assinaram um acordo ao abrigo do qual Portugal prestará garantias até 400 milhões de euros exclusivamente a projectos financiados por bancos aprovados no âmbito do Compacto Lusófono, cuja vigência vai ser prolongada por mais cinco a 10 anos.
Sem engenho nem arte
O vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Mateus Magala, disse no dia 10 de Julho de 2019 que o conjunto de projectos que seriam analisados em Angola no âmbito do Compacto Lusófono chegavam aos 2 mil milhões de dólares.
“O que foi acordado é que Portugal disponibiliza 400 milhões de euros para prestar garantias aos projectos co-financiados pelo BAD e pelos países, o que significa que podemos fazer uma alavancagem financeira de quatro a sete vezes, ou seja, dos 400 milhões de euros disponíveis em garantias estamos a olhar para uma mobilização de recursos que pode ir de 1,6 a 2,8 mil milhões de dólares”, disse.
O Compacto para o Desenvolvimento é uma iniciativa lançada no final de 2017 pelo BAD e pelo Governo português (através da SOFID) para financiar projectos lançados em países lusófonos com o apoio financeiro do BAD e com garantias do Estado português, que assim asseguram que o custo de financiamento seja mais baixo e com menos risco.
A presidente da comissão executiva da SOFID afirmou na altura que o Compacto Lusófono, um acordo para facilitar financiamentos nos PALOP, é um “mitigador de risco” e salientou a necessidade de adoptar “soluções criativas” para apoiar projectos de desenvolvimento nos países africanos.
“Para mobilizar os fundos, precisamos de avançar com soluções criativas”, sublinhou Marta Mariz, durante uma intervenção no 21º Fórum de Energia de África (AEF 2019), destacando o apoio ao Compacto Lusófono.
“É um mitigador de risco, permite financiar e conceder assistência técnica aos projectos”, acrescentou a responsável da SOFID (Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento) a propósito do Compacto.
O Compacto Lusófono “surge de uma nova política de financiamento ao desenvolvimento por parte do Estado português que permitirá ao BAD aumentar a sua disponibilidade de financiamento nos países lusófonos”, disse Marta Mariz à margem do Fórum.
O Compacto estará assim assente “numa política de alavancagem” em que o BAD é um dos financiadores, mas os projectos podem contar com outros co-financiadores, como a própria SOFID, além dos capitais próprios dos promotores dos projectos.
A SOFID funciona como elo entre o BAD, o Estado português e as empresas portuguesas interessadas em projectos de investimento nos países signatários do Compacto Lusófono, continuou a responsável da instituição de crédito que recusou avançar detalhes sobre os projectos que já foram identificados.
O Compacto Lusófono foi assinado pelo BAD, por Portugal e pelos PALOP a 28 de Dezembro de 2018, para garantir financiamento, instrumentos de mitigação de riscos e assistência técnica a projectos do sector privado ou parcerias público-privadas.
Criada em 2007, a SOFID tem como objectivo contribuir para o crescimento económico de países emergentes e em vias de desenvolvimento, articulando com os objectivos e a estratégia do Estado Português em matéria de economia, cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento, de acordo com a sua página institucional.
E o Observatório Luso-Angolano?
A unidade de estudos económicos da revista britânica The Economist considerou, em Julho de 2015, que a criação do Observatório de Investimentos entre Portugal e Angola era uma medida eminentemente simbólica que surgiu na sequência do forte declínio das exportações portuguesas para Angola.
De acordo com uma nota de análise da Economist Intelligence Unit (EIU), “o Observatório de Investimentos foi constituído para aumentar as relações bilaterais e os fluxos entre Angola e Portugal através da facilitação e melhoramento do foco dos investimentos em Portugal e Angola, embora na realidade a sua criação seja mais provavelmente uma medida simbólica do que uma iniciativa prática”.
Na nota então enviada aos investidores, a EIU lembrava que o Observatório foi formalmente lançado durante um fórum de investimentos entre Portugal e Angola, em Luanda, depois de estar planeada há bastante tempo.
“O seu lançamento foi adiado por causa do desentendimento diplomático devido às investigações judiciais portuguesas às elites angolanas, pelo alegado envolvimento em branqueamento de capitais em Lisboa”, escreveu a EIU, concluindo que “isso levou ao cancelamento de uma cimeira bilateral de alto nível, planeada durante um longo tempo e que deveria ter acontecido em meados de 2014, ao passo que o Presidente de Angola usou o seu habitual discurso do estado da nação para questionar a relação do país com Portugal”.
No entanto, resumia a EIU, “essas tensões estão agora resolvidas, já que um número de investigações legais em Lisboa acabaram”.
“Há mais de 300 empresas que estão a recorrer a esta linha de crédito e nós no Governo, em concreto no Ministério da Economia, estamos atentos porque se for necessário ampliar esses 500 milhões assim o faremos, ou proporemos em Conselho de Ministros”, disse o então ministro da Economia, António Pires de Lima.
O ministro português falava após se reunir com o congénere angolano, Abraão Gourgel, no âmbito da visita de dois dias que efectuou a Luanda, onde presidiu à criação do Observatório dos investimentos angolanos em Portugal e portugueses em Angola.
De acordo com António Pires de Lima, esta linha de financiamento, operacional desde Abril, servia também para apoiar as cerca de 5.000 empresas portuguesas que têm Angola como único destino das exportações.
Esta actividade estava a ser afectada pela crise económica em Angola, decorrente da forte quebra nas receitas com a exportação de petróleo, com as vendas de Portugal a caírem 25% no primeiro trimestre do ano, o que levou o ministro português a assumir o “conselho” aos empresários nacionais para diversificarem os destinos de exportação.
“É muito importante que a economia angolana diversifique fontes [de receita], e esse é um objectivo dos responsáveis angolanos, assim como é importante que as empresas portuguesas diversifiquem os seus mercados”, apontou o governante português.
Na altura, várias empresas estrangeiras queixavam-se da dificuldade em obter dólares para conseguir não só pagar aos fornecedores, mas também aos próprios funcionários, que geralmente recebem uma parte do salário na moeda de origem e outra parte na moeda local.
O então ministro Pires de Lima sublinhou aos jornalistas o “forte compromisso de Portugal com Angola”, ao nível das empresas e do poder político.
“Nós estamos em Angola nos momentos de maior crescimento, mas também nos momentos de maior exigência”, disse, após a reunião com o congénere angolano.
Folha 8 com Lusa