Muitas embarcações artesanais de pesca em Luanda foram obrigadas a parar devido à subida dos preços do combustível que aumentou as dificuldades para armadores e pescadores, ainda à espera de receberem os cartões subvencionados pelo Estado. Todos a monte e fé no “deus” do reino, general João Lourenço.
O cenário de dezenas de embarcações paralisadas é visível na conhecida praia da Mabunda, distrito urbano da Samba, em Luanda, onde as poucas que se fazem ao mar dizem ter duplicado os gastos e encarecido o pescado para compensar a actividade.
São poucas as embarcações de pesca que resistem ao actual preço da gasolina, cujo litro custa desde 2 de Junho 300 kwanzas (0,48 euros) quase o dobro dos 160 kwanzas (0,25 euros) anteriores, referem os operadores do sector, temendo o desemprego de muitos.
“Está complicado, porque temos chatas grandes no mar e, antigamente, levavam quatro ou cinco bidões de 200 litros e agora está complicado, então temos de reduzir os bidões. Só ontem para, hoje o combustível de quatro bidões, quase bateu 400.000 kwanzas (488 euros)”, diz Cláudio José.
O responsável de uma das embarcações ainda em actividade na Mabunda deu conta de que está agora a ter o dobro do custo só em combustível, em comparação com o período anterior, tendo criticado a medida das autoridades e a falta de cartões subvencionados, que permitem a determinadas classes profissionais abastecerem-se pagando o preço anterior.
“A venda do pescado subiu um pouco, mas quando tem muita produção, o preço mantém-se como o anterior. Esta medida não veio em boa hora porque complica mesmo o trabalho”, referiu ainda Cláudio José, há ano e meio na actividade.
O Governo do MPLA (no Poder há 48 anos) anunciou a retirada gradual de subsídios à gasolina, mantendo a subvenção aos taxistas, moto-taxistas e ao sector agrícola e pesqueiro, prometendo (e prometer – sem cumprir – é desde sempre o ADN do MPLA) cartões subvencionados aos operadores.
Os cartões subsidiados pelo Estado “nunca” chegaram aos pescadores da Mabunda, contou à Lusa António Miguel, 38 anos, dando conta que a actividade ficou “complicada” com subida do preço.
“Nós que temos uma embarcação temos a licença e estamos à espera do cartão (subvencionado), porque diziam que seria de acesso directo, mas até agora não temos nada”, lamentou.
Há 20 anos na actividade, o pescador falou também dos impactos negativos do aumento do preço da gasolina para a mobilidade das embarcações, referindo que está agora a comprar 112 litros por 333.600 kwanzas (410 euros) para a sua pequena embarcação.
Por outro lado, o preço do pescado está condicionado à oferta existente, disse, lamentando ainda as dificuldades de muitos colegas para manterem as embarcações em actividade.
“Isso está a afectar mesmo muito, porque algumas (embarcações) depois da subida do combustível não estão a conseguir sair, nem todo o mundo tem a mesma condição para fazer sair a embarcação”, apontou.
Nuno Gomes, armador de pesca naquela zona costeira de Luanda, criticou a medida das autoridades referindo que o consumidor final do pescado está também a pagar por isso gastando agora 5.000 kwanzas (6 euros) para a compra de cinco peixes-espadas contra os anteriores 2.500 kwanzas (3 euros) pela mesma quantidade.
O armador, com mais de 10 anos de actividade, falou igualmente das consequências negativas: “Uns estão a conseguir resistir e outros estão a parar devido à esta medida que o governo adoptou”.
“Penso que o Governo, antes de fazer subir o combustível deveria fornecer-nos os cartões, eles dizem que teríamos direito aos cartões, mas o combustível subiu no dia 2 e até ao momento, nada se diz acerca dos cartões”, criticou.
A pagar o litro de gasolina no valor de 300 kwanzas, Nuno disse que “não tem como o peixe ser vendido barato” e já muitos desistiram de trabalhar.
“Sim, muitos estão parados e isso também se reflecte na sociedade, o nível da criminalidade aqui neste bairro da Mabunda aumentou, há muito roubo de peixe e a situação está mesmo péssima”, referiu.
A falta de cartões subvencionados para os pescadores da Mabunda foi também criticada por Sebastião Francisco, pescador de 67 anos, considerando que as “promessas” das autoridades não passaram disso mesmo.
“O dia-a-dia agora mesmo está mal, porque o bidon que se comprava a 10.000 kwanzas (12 euros) agora está a 15.000 kwanzas (50 litros) e eles prometeram os cartões, mas até hoje não vemos os cartões. Deram apenas a duas pessoas como propaganda”, notou.
Sebastião Francisco, que diz ter entrado na actividade ainda na infância, referiu-se também à situação difícil porque passam actualmente os pescadores, assinalando que “muitas embarcações estão hoje paradas”.
“Já não conseguem comprar o combustível e quando conseguem algum peixe nem compensa os gastos da actividade”, salientou.
À beira-mar, a procura por peixe na Mabunda, sobretudo da parte de particulares e até de zungueiras é intensa.
Após a compra do peixe, e com o suporte de alguns jovens que aí operam, muitos tratam aí mesmo do pescado, sem qualquer condição de higiene e segurança, fazendo da Mabunda uma enorme praça de lixo.
PROMESSAS NAVEGAM AO SABOR DA DEMAGOGIA
O Governo angolano antecipou um crescimento económico de 3,5% entre 2023 e 2027, impulsionado pela diversificação económica, sobretudo pelo agronegócio que vai contar com um financiamento de 3 mil milhões de dólares.
Os números foram revelados, em 2022, pelo ministro da Economia e Planeamento, Mário Caetano João, que falava à margem do evento “The Angolan Development Roundtable” onde participaram líderes de empresas e responsáveis do executivo angolano e de instituições públicas.
“Estamos a prever crescer pelo menos 4,6% no sector não petrolífero e entre 0,5% a 1% no sector petrolífero”, indicou, acrescentando que isto não significa uma desaceleração dos investimentos no sector petrolífero, mas sim um “acelerar da diversificação”.
O governante sublinhou que o motor dos próximos anos será o investimento no agronegócio, através de linhas de financiamento do Banco de Desenvolvimento de Angola.
Estão já aprovados o Planagrão (Plano Nacional de Fomento para a Produção de Grãos) com cerca de 500 milhões de dólares por ano e um montante equivalente para as infra-estruturas e acessos às áreas de produção e o Planapescas (Plano Nacional de Fomento das Pescas), para o qual o executivo vai canalizar 300 milhões de dólares.
O Governo disse estar também a trabalhar num plano para a pecuária que irá contar também com 300 milhões de dólares, nos próximos três anos, para apoiar a produção animal e derivados, anunciou Mário Caetano João.
No total são mais de 3 mil milhões de dólares, incluindo infra-estruturas públicas, que o executivo chefiado por João Loureço promete fazer chegar ao sector privado para posicionar Angola entre os principais produtores agrícolas africanos.
“Nunca tivemos um investimento maciço como este no agronegócio”, destacou, acrescentando que os planos não foram desenhados apenas tendo em conta os distintos sectores, mas com uma abordagem transversal.
O ministro disse esperar que os planos ajudem a colocar Angola nos lugares cimeiros da produção agrícola em África, já que o país tem, sempre teve, várias vantagens comparativas como a baixa densidade populacional e abundância de recursos hídricos.
“Acreditamos que em cinco anos podemos estar entre os principais produtores de grãos (milho, soja, trigo e arroz), sendo que o milho e a soja formam 95% dos ingredientes para ração animal”, impulsionando também a pecuária e as pescas, frisou o responsável.
Quanto às queixas dos empresários sobre as dificuldades no acesso à banca considerou que “foi necessário criar procedimentos para salvaguardar o bom uso dos recursos” para não repetir erros do passado, bem como trabalhar com o sector privado que demonstra “pouca maturidade” nos seus projectos.
“Estamos a ajudar a transformar projectos emocionais em projectos racionais”, declarou Mário Caetano João.
O ministro realçou que a contribuição do sector petrolífero para a economia é de 27%, representando dois terços das receitas e cerca de 95% das exportações pelo que continua a ser um motor importante da balança de pagamentos, mas espera-se que o peso relativo diminua nos próximos anos pelo efeito de aumento da actividade do sector não petrolífero.
Folha 8 com Lusa
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