O líder do exército sudanês, Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), Mohamed Hamdan, voltam a dizer ao mundo que o país não está “nas mãos do povo”, afastando com esta disputa a ideia que o país será alguma vez democraticamente gerido. Os mercenários do grupo terrorista Wagner estão no terreno. Putin comanda o conflito que já fez de mais 100 mortos. Lula da Silva ainda não comentou…
No que diz respeito a Moscovo, o Kremlin não só pressionou o Sudão a dar-lhe luz verde para atracar navios de guerra nos seus portos, no Mar Vermelho, como também há mercenários do Grupo Wagner em território sudanês. Para além de os operacionais estarem lá para apoiar um governo militar, também são responsáveis pela concessão de uma mina de ouro.
Recorde-se que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov , que se encontra no Brasil, visitou em Fevereiro vários países de África, está solidário com a junta militar golpista sudanesa, país onde Vladimir Putin espera construir uma base naval.
Sergei Lavrov defendeu, no Sudão, explicitamente a actividade do grupo de mercenários Wagner, criticado por vários abusos por organizações de defesa dos direitos humanos e que é também acusado de estar ao serviço do Kremlin.
Para o governante russo, este grupo de mercenários está em vários países de África “a pedido dos governos africanos para ajudar a normalizar a situação na região face à ameaça terrorista”. O Wagner tem presença neste continente pelo menos na República Centro-Africana, no Mali e no Burkina Faso. Já para não referir a sua intervenção nas guerras da Líbia e da Síria, para além de ser um elemento importante na invasão da Ucrânia.
No Sudão, Lavrov encontrou-se com a junta militar no poder que fez um golpe de Estado a 25 de Outubro de 2021 e que está a reprimir uma revolta popular democrática, declarando ainda apoio contra as sanções impostas pela ONU e prometendo “cooperação económica e investimentos”. Os golpistas estão, ou ainda estão, receptivos a que a Rússia abra uma base naval na costa do Mar Vermelho.
Oficialmente, o governo sudanês nega a presença do grupo Wagner neste país mas fontes independentes garantem que este está presente e a “expandir a mineração de ouro, entre outras actividades”. A empresa que lhe serve de fachada, a M-Invest, terá ganho vários concursos de exploração de minas de ouro
Na altura, a ONU tinha informado que os seus peritos apelavam a uma investigação independente a “abusos grosseiros dos direitos humanos e possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade” cometidos pelo governo do Mali e pelo grupo Wagner desde 2021.
Os especialistas “têm recebido relatos persistentes e alarmantes de execuções horrorosas, sepulturas em massa, actos de tortura, violações e violência sexual, pilhagem, detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados” e dizem-se “particularmente preocupados com os relatórios credíveis de que ao longo de vários dias no final de Março de 2022, as forças armadas malianas, acompanhadas por pessoal militar que se acredita pertencer ao grupo Wagner, executou várias centenas de pessoas” em Moura, uma aldeia do centro do Mali. A maioria das vítimas era da minoria Peuhl.
Para os peritos da ONU, o uso de mercenários e companhias militares privadas “apenas exacerba o ciclo de violência e impunidade prevalecente no país”. As vítimas deste grupo “enfrentam muitas dificuldades no acesso à justiça e reparação para os abusos dos direitos humanos” isto “particularmente dado o segredo e opacidade” que envolvem as actividades do grupo. Referem-se ainda “represálias contra quem se atreva a falar, criando um clima generalizado de terror e completa impunidade”.
O MPLA E O SUDÃO
Em Agosto de 2008, Omar al-Bashir (que dirigiu o Sudão entre 1993 e 2019), o “democrata” presidente do Sudão, responsável pelo genocídio em Darfur (qualquer coisa como 300 mil mortos), escreveu ao seu homólogo angolano, José Eduardo dos Santos, pedindo a ajuda de Luanda (do Governo, do MPLA, tanto faz) para que fossem suspensas as iniciativas que visavam pôr no terreno o mandato de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra si.
Foi simpático que Omar al-Bashir tenha pedido ajuda ao seu homólogo e amigo líder do MPLA e, na altura, dono de Angola que não regateou esforços para que o presidente do Sudão continuasse a matar, perdão, a salvar milhares de pessoas em Darfur.
O pedido foi feito em carta entregue pelo ministro sudanês do Turismo, Joseph Dong. Pela habitual filantropia e humanismo de Eduardo dos Santos, não foi difícil calcular que o presidente sudanês continuaria a ter o apoio do MPLA/Governo.
Até porque, convenhamos, há um enorme exagero quando se diz que em Darfur morreram 300 mil pessoas. Dados independentes, passíveis até de serem organizados por uma equipa nomeada pelo MPLA, certamente revelarão que o número de mortos não terá passado os 299.999. Portanto…
“Os inimigos do Sudão sabem que o nosso presidente vai ganhar as eleições e isso é motivo para eles trabalharem contra a paz e tranquilidade no nosso país”, asseverou o ministro sudanês.
Onde e quando é que todos nós já ouvimos algo semelhante? Onde? Em Angola. Quando? Desde 1975.
Na mesma linha de que é preciso proteger os bons rapazes, a União Africana pediu ao Conselho de Segurança da ONU para suspender o processo judicial aberto pelo TPI contra o presidente sudanês, para não comprometer o processo de paz no Sudão. Estão a ver como isto é tudo malta fixe?
Também o então secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e a chanceler alemã, Angela Merkel, manifestaram algumas reservas quanto ao mandado de captura por recearem que pusesse em risco os esforços de paz da ONU na região.
Não há dúvida. Tal como em Angola havia (e continua a haver) angolanos e, no dizer do então ministro da Defesa, Kundy Paihama, kwachas; em África há africanos de primeira e os kwachas lá do sítio. Daí que ONU, Alemanha, Rússia, China e mais alguns encobertos continuassem a dar apoio ao candidato ao Nobel da Paz que dá pelo nome de Omar al-Bashir.
Árabes e outros energúmenos
Na altura, a 21ª cimeira árabe, que decorreu em Doha, rejeitou o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o presidente sudanês, Omar el-Bashir, segundo a Declaração final lida pelo secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa.
É assim mesmo. Crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Darfur? Mais de 300 mil mortos? Nada disso. É tudo, como disse Muammar Kadhafi, na altura presidente em exercício da União Africana, obra de “uma nova forma de terrorismo mundial” que dá pelo nome de TPI.
“Sublinhamos a nossa solidariedade com o Sudão e a nossa rejeição das decisões do TPI contra o presidente Omar el-Bashir e apoiamos a unidade do Sudão”, afirmava o texto da Liga Árabe. Dirigindo-se aos seus pares, Omar el-Bashir saudou “o apoio ao Sudão e a recusa das decisões injustas” do TPI.
“Prometo-vos tudo fazer para conseguir a estabilidade e a paz em todo o território sudanês”, acrescentou o presidente, certamente convicto que em Darfur ainda havia mais uns milhares à espera de serem mortos.
A União Africana pediu nessa época aos países que a integravam e às Nações Unidas que desbloqueassem fundos necessários à nova fase do plano de paz para o Darfur, que previa o envio de 3.000 homens para o território sudanês.
Mas o que é que isso importa. São pretos e, por isso, a comunidade internacional (EUA, Europa, ONU, Rússia e – é claro – Lula da Silva) pode dormir descansada. Dormir e ter, pelo menos, três refeições por dia nos melhores hotéis do mundo civilizado.
O então alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (hoje seu secretário-geral), António Guterres, afirmou que em Darfur existe uma “catástrofe” humanitária. “Centenas de pessoas continuam a morrer vítimas da violência incessante e milhares estão a ser forçadas a abandonar as suas casas. Se as coisas não melhorarem caminhamos para uma catástrofe de grandes proporções”, escreveu o chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
“É necessária uma acção internacional urgente para pressionar as partes em conflito e todas as pessoas envolvidas no terreno a deixarem as agências humanitárias trabalharem em segurança. Milhares de vidas dependem disso”, alertava o alto-comissário.
De uma forma geral e desde sempre os africanos foram (em alguns casos continuam a ser) instrumentos descartáveis nas mãos dos colonizadores, sejam estes estrangeiros ou autóctones. Ontem uns, hoje outros. Entre escravos, carne para canhão e voluntários devidamente amarrados, foram um pouco de tudo. Muitas vezes foram tudo ao mesmo tempo. Na I Guerra Mundial deram (pudera!) o corpo às balas, a alma ao Diabo e a dignidade às valas comuns.
Neste conflito alheio, mais de um milhão estiveram na frente de combate, morreram mais de 100 mil. Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem? Se ser soldado desconhecido é só por si um drama, ser um soldado desconhecido… africano (negro) é obra desenganada. Infelizmente.