O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, culpou a equipa de gestão do BES Angola, liderada por Álvaro Sobrinho, pelas insuficiências de capital na entidade angolana, que levaram à criação de uma garantia estatal de Angola sobre 3,3 mil milhões de euros.
R icardo Salgado revelou hoje na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES que se foi apercebendo de que as coisas não estavam a correr bem em Angola devido a relatos que lhe iam chegando, mas que só após a saída de Álvaro Sobrinho da liderança executiva do BESA é que foi possível perceber a dimensão do problema.
Segundo o antigo banqueiro, foi a nova comissão executiva do BESA, que foi preparada por Amílcar Morais Pires, antigo administrador financeiro do BES e o “braço-direito” de Ricardo Salgado, que “ao fim de algum tempo conseguiu perceber o que se passava”.
E realçou: “Era uma situação pavorosa e que ultrapassa tudo e todos”.
Ricardo Salgado considerou que a gestão de Álvaro Sobrinho “foi um verdadeiro desastre” e foi isso que levou o BES “a ir pedir apoio ao Presidente” angolano, José Eduardo dos Santos, que aceitou dar a garantia estatal sobre 3,3 mil milhões de euros devido “à consideração que tinha pelo Grupo Espírito Santo (GES)”. E por considerar que o BES era “um banco essencial para o desenvolvimento de Angola”, acrescentou.
Questionado sobre a dimensão da exposição do BES ao BESA, que ascendia a 3,3 mil milhões de euros, Ricardo Salgado sublinhou que “o BES era um banco que apoiava muitíssimo toda a área das exportações”.
Ricardo Salgado assinalou que “houve um aumento significativo das exportações portuguesas nos últimos anos, mas não para os países do centro da Europa, mas sim para os países emergentes” e que “essa foi a grande força dada pelo BES às PME” (Pequenas e Médias Empresas) portuguesas.
“Angola hoje representa uma quota de mercado nas exportações portuguesas superior aos EUA e acredito que também ao Reino Unido”, disse.
E no financiamento às empresas na base desse crescimento de “Angola, principalmente, e também Moçambique, o grande actor foi o BES”, sublinhou Ricardo Salgado.
“Esses 3 biliões de euros têm a ver com o apoio ao BESA, com garantia estatal, mas também a empresários portugueses e angolanos nesse país”, justificou.
“Nunca tivemos nenhuma dúvida da devolução desses montantes, devido à existência da garantia do senhor Presidente da República de Angola”, garantiu Ricardo Salgado.
E vincou: “De facto, se não tivesse havido um enorme problema em Angola, por que razão haveria uma garantia da dimensão que houve com a assinatura do senhor Presidente da República” angolano.
Salgado relatou que o BES abriu a sua operação em Angola já no início deste século.
“Álvaro Sobrinho viveu em Portugal e trabalhou no BES 10 anos, onde prestou serviços de uma forma impecável. Uma vez que tinha tido uma formação aprofundada no BES, foi preparado com todos os procedimentos e exigências de boa gestão da actividade bancária” para liderar o BESA, realçou Ricardo Salgado.
“Assim foi, durante os primeiros anos. A partir de uma certa altura, o que aconteceu foi o seguinte: começámos a ter em Lisboa informações estranhas (a partir de meados da década). Os clientes queixavam-se de que não eram recebidos pela administração do banco”, revelou.
Salgado apontou para o forte “crescimento do crédito, elevando os rácios de transformação”, e diz que se chegou “a uma altura em que, infelizmente, o BNA [Banco Nacional de Angola] estabelece uma ordenação na qual os bancos angolanos têm que ter total independência informática do exterior”.
Daí, o BES teve “que cortar a aplicação informática e dar autonomia a Angola”, justificou, precisando que tal aconteceu a partir de 2009 e que foi uma condição “imposta pelo BNA”.
“Acontece que começámos a ficar preocupados à medida que o tempo ia avançando, vendo rácios de transformação a crescer. Começam a sair notícias, mas recebemos uma análise do ‘stress test’ do BNA em 2012 que revela que o BESA está com rácios confortáveis de solidez”, contou aos deputados.
O antigo banqueiro recordou uma notícia do jornal Público com uma referência “que o BESA estava com dificuldades de liquidez”, mas salientou que, em reacção, o “BNA escreve uma carta a dizer que está tudo bem”.
O BES tinha “administradores em Angola mas não nos informavam de nada”, garantiu Ricardo Salgado.
Isto, porque “quem violar o segredo bancário em Angola pode ser preso. É considerado crime”, frisou.
“Quando contactei com os nossos sócios angolanos que vieram a Lisboa, contaram-me que a reunião de Álvaro Sobrinho com o BNA tinha corrido muito mal. Os nossos sócios angolanos sugeriam a substituição de Álvaro Sobrinho, o que veio a acontecer nos finais de 2011, inícios de 2012”, explicou.
Ricardo Salgado disse ainda que, após a saída de Álvaro Sobrinho do BESA, o gestor angolano adquiriu participações de controlo em órgãos de imprensa (Sol e jornal i).
“Chamei-o para lhe dizer que isso era completamente fora das regras do GES. O GES nunca teve investimentos nos media, com duas excepções”, afirmou, apontando para o apoio temporário concedido a Pinto Balsemão no lançamento da SIC e na privatização do Diário de Notícias.
“Fizemos sempre questão de não termos participações nos media e Álvaro Sobrinho violou essas indicações. Depois da sua saída, ele começou a bombardear-nos com notícias”, acusou Ricardo Salgado.
Fonte: Porto Canal