O Presidente angolano e do MPLA, João Lourenço, destacou hoje os feitos do falecido chefe de Estado-Maior General Adjunto das Forças Armadas Angolanas, Abreu Ukwachitembo “Kamorteiro”, cujo nome, disse, “fica para sempre indelevelmente ligado ao fim do conflito militar em Angola”.
João Lourenço expressou sentimento de pesar pela morte, segunda-feira, oficialmente por doença, do general Abreu Ukwachitembo “Kamorteiro”, que hoje foi a enterrar no Cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.
“O seu nome fica para sempre indelevelmente ligado ao fim definitivo do conflito militar em Angola, por ter sido, em nome da UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola], um dos signatários dos Acordos de Paz para Angola, a 4 de Abril de 2002”, escreveu o chefe de Estado angolano no livro de condolências.
João Lourenço destacou também a “acção meritória” desenvolvida pelo general “Kamorteiro”, “a favor da pacificação e desenvolvimento do país”.
“Nesta hora de dor, desejo expressar à família enlutada as minhas profundas condolências, extensivas a todos seus amigos e companheiros de luta”, lê-se ainda na mensagem do Presidente angolano.
O dirigente militar, cujo nome de guerra significa em língua umbundu ‘pequeno morteiro’, foi especialista de artilharia terrestre na extinta Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), braço militar da UNITA e um dos co-signatários dos acordos de paz para Angola, rubricados a 4 de Abril de 2002, entre o Governo suportado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder há 47 anos) e a UNITA, ao lado do general Armando da Cruz Neto, então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Nascido em 1959, na província do Bié, o general “Kamorteiro”, era por altura da morte de Jonas Savimbi, líder fundador da UNITA, o chefe de Estado-Maior das FALA.
O GENERAL, SEGUNDO LUKAMBA GATO
Depois «do fatídico dia 22.02.02 que ditou a decapitação da direcção da UNITA com a morte quase simultânea do Presidente Fundador, Dr. Jonas Savimbi e do Vice-Presidente António Dembo, a UNITA viu-se em consequência, fragmentada em fundamentalmente quatro grupos, nomeadamente:
a) O grupo que estava nas cidades, tendo como centro de gravidade o Grupo Parlamentar, em Luanda;
b) A Missão Externa com o centro em Paris, em torno de Isaías Samakuva;
c) O grupo que por força da dinâmica da guerra, viu-se obrigado a localizar-se no Luena e que se articulava em torno de três Generais, sendo eles, os camaradas Abreu Kamorteiro, Samy e Kalias Pedro.
d) O grupo dos chamados “maquisards”, com o centro de gravidade nas margens dos Rios Lukonya e Luzi, província do Moxico, que à excepção de Cabinda e Namibe, estava presente em toda a extensão do território nacional.
Aos olhos dos principais actores da política angolana e mesmo da opinião pública nacional e internacional, estava ditada a sentença de morte de mais um dos partidos históricos e assegurada assim, a total hegemonia do “ÚNICO PARTIDO”.
Foi desta forma posta à prova a justeza da linha política da UNITA e a solidez dos fundamentos da Escola de Jonas Savimbi.
Foi no processo de reunificação do partido que o camarada Abreu Kamorteiro desempenhou um papel crucial, pois mesmo estando sob custódia do Governo no Luena, prestou a colaboração possível que permitiu aproximar o Governo aos “Maquisards” a fim da retomada de um diálogo mais estruturado que nos conduziu à conclusão do Memorandum de Entendimento do Luena.
Lembro-me que viajamos no mesmo avião do Luena para Luanda, no dia 2 de Abril de 2002, nas vésperas do acto formal da assinatura do Memorandum na Assembleia Nacional.
Durante a viagem falamos do complexo processo em que estávamos envolvidos e da melhor forma de o gerir.
A poucos minutos da aterragem em Luanda do bi-motor que nos transportava, ele lembrou-me:
“O camarada Secretário-Geral não se esqueça de preparar o discurso político que eu vou ler no acto solene do dia 4”. Com o camarada Marcial Dachala preparamos um discurso eminentemente político que o camarada Abreu Kamorteiro leu integralmente, sem alterar uma única vírgula.
Com a conclusão daquele Memorandum estavam abertas todas as avenidas para a normalização política e institucional da UNITA e da vida política, económica e social do país de forma mais geral.
À luz do Memorandum do Luena o camarada Abreu Kamorteiro reintegrou as FAA e apesar das suas obrigações profissionais, não regateou esforços e voltou para a Escola onde fez uma carreira académica brilhante que o cruel destino interrompeu da forma mais impiedosa, quando já se encontrava a preparar a sua tese de Doutoramento e provavelmente a ascender na carreira militar.
Para um General muitas vezes é preciso agir como as ondas do Mar, recuar para ganhar força e tu ficaste forte, depois do mau tempo.
Até sempre meu General e caro camarada.
Honra e glória à sua memória .»
EM ABONO DA VERDADE HISTÓRICA, MESMO QUE DURA
Como não poderia deixar de ser, o então ministro da Defesa Nacional, Cândido Pereira Van-Dúnem, manifestou em 2013 a sua mais profunda consternação pela morte do tenente general Diógenes Raul Malaquias “Implacável”.
Pouco importa se viveu os últimos dias com a dignidade que o regime lhe prometera. Provavelmente alguns dos oficiais que trocaram a UNITA pelo MPLA terão visto neste caso o que lhes poderia acontecer.
Dizem alguns que “quem vai para o mar avia-se em terra”. Por cá, quem vai para os negócios avia-se no MPLA. Um dos mais emblemáticos exemplos foi o do general da UNITA, “Black Power”.
Outros generais das FALA também se aviam no MPLA mas, devido à filantropia do regime, nem sequer tiveram necessidade de abandonar a UNITA. No entanto, experiente como é e não vá o Diabo tecê-las, “Black Power” passou-se com armas e bagagens para o lado dos donos do país.
Jonas Savimbi deve ter dado voltas e voltas na campa. Afinal, ao contrário do que juraram muitos dos seus generais (“Implacável”, “Black Power” e Geraldo Sachipengo Nunda, entre outros), mais vale ser escravo e comer lagosta do que livre e alimentar-se de mandioca.
No seio do Galo Negro todos parecem esquecer que a UNITA, por incapacidade dos seus mais altos dirigentes, assinou a sua própria certidão de óbito logo a seguir à morte de Jonas Savimbi, no dia 22 de Fevereiro de 2002. E se a assinou com a morte em combate do seu líder, já a tinha rubricado quando alguns dos seus generais não só passaram para o outro lado, como aceitaram dirigir a caça a Savimbi.
Recorde-se que o ex-chefe da Divisão de Operações do Estado Maior General da UNITA, general “Implacável”, disse quando trocou a liberdade da mandioca pela escravatura da lagosta, Fevereiro de 2000, que o clima de “contestação entre os oficiais mais próximos de Jonas Savimbi estava a aumentar”.
Segundo “Implacável”, “Jonas Savimbi podia até mesmo tentar o suicídio para escapar à humilhação de ter que se render”, isto porque – acrescentou – “o comando militar das forças savimbistas estava enfraquecido com a saída de muitos oficiais de carreira”.
Da análise que então fez, “Implacável” disse que Savimbi perdera os seus principais oficiais, sendo que os que ficaram “não entendiam nada de guerra”. Referia-se, entre muitos outros, a António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala, Samuel Chiwale e Abreu Muengo “Kamorteiro”.
Modesto como aprendeu a ser depois da deserção, certamente com as aulas de Geraldo Sachipengo Nunda, “Implacável” disse que a sua saída das FALA representou um golpe “muito sério e duro” para Jonas Savimbi. Sobretudo porque, reconheceu, a sua deserção transformou-se em mensagem para outros que pretendiam abandonar Jonas Savimbi.
“Implacável” esclareceu ainda que “os seus antigos companheiros tinham que saber que a razão estava do lado do governo”.
Depois da queda do Andulo (Bié), ainda segundo Diógenes Raul Malaquias, houve uma deserção na UNITA de 80 por cento: “Há unidades convencionais que ficaram com menos de 20 por cento do efectivo orgânico inicial”, asseverou então o general “Implacável”.
Relativamente à localização daquele angolano a que o regime chamava terrorista, Jonas Savimbi, o ex-responsável militar da UNITA contou então aos seus protectores, tempos depois algozes, que “Savimbi estava no quadrante compreendido entre a estrada que vem de Malange a Saurimo e o Caminho de Ferro de Benguela (CFB) – Kwanza”.
“Implacável” recordou também que as mensagens do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e do chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), João de Matos, que apelavam à rendição dos seguidores de Savimbi, “foram bem recebidas”.
“Acredito que com a repetição das mesmas mensagens e as dos ex–responsáveis das forças savimbistas, nomeadamente do general Jacinto Bândua, ajudará ainda mais os companheiros que ficaram do lado de lá a compreenderem a razão”, perspectivou “Implacável”.
Diógenes Raul Malaquias “Implacável” aderira à UNITA em 1975 e em 1993 foi promovido a general para, no ano seguinte, ser nomeado chefe da divisão de operações do Estado Maior General das FALA.
“Implacável” explicou que quando deixou a UNITA “moralmente as pessoas ainda estavam sob os efeitos, sob o trauma do recuo do Andulo, Bailundo e a pensarem o que isso representaria para vida delas”. Socialmente, disse, “estava uma confusão”.
O general “Implacável”, quando jovem, chegou a considerar Savimbi um ídolo. Com o passar do tempo, porém, foi-se decepcionando com as atitudes do líder do Galo Negro. “No princípio, para quem não conhecia Savimbi, quem não vivia junto de Savimbi e logicamente não tinha conhecimento das intrigas da corte, fazia de Savimbi um ídolo. Qualquer coisa assim como um mito. Um homem que faz milagres, um deus aqui na terra. Sempre pensei que Savimbi tinha princípios, tinha convicções e tinha causas para defender”, afirmou Diógenes Raul Malaquias.
A primeira decepção aconteceu, disse “Implacável”, em 1982, durante o quinto congresso da UNITA, quando o então major foi ao quartel-general da Jamba pela primeira vez: “Fiquei decepcionado porque vi espancamentos em público, em plena sala do Congresso”.
Até ao congresso na Jamba, “Implacável” pensava, segundo as suas declarações depois da deserção, que Savimbi fosse um homem correcto. “Mas aí soube que Savimbi tinha uma vida pública, mas havia muita coisa suja. Havia muita venalidade. E a partir dali ele começou a descer muito no conceito que eu fazia dele. Eu fiquei surpreendido. Mas a partir dali comecei a ficar mais atento para interpretar as coisas”, contou “Implacável”.
E de tanto interpretar, Diógenes Raul Malaquias “Implacável” resolveu mudar de trincheira. Não se sabe se, depois da troca, também interpretou as coisas. Sabe-se, contudo, que quando faleceu estava no desemprego pois integrava o grupo de antigos oficiais oriundos da UNITA que foram afastados, da secreta militar, pelo general José Maria…