O Presidente angolano, João Lourenço, expressou hoje “calorosas felicitações” pela eleição de Lula da Silva, como Presidente do Brasil, considerando esta como sinal de “esperança e prosperidade” para os brasileiros, manifestando vontade de “resgatar” relações bilaterais. Em 30 de Julho de 2018, William Tonet escreveu a Lula da Silva (então preso na Cadeia de Curitiba) uma carta, que agora pulicamos.
Para João Lourenço, a escolha de Lula da Silva para a mais alta magistratura do Brasil traduz, “para o povo brasileiro, a esperança de que, sob vossa liderança, a nação brasileira trilhará os caminhos da prosperidade” assentes em valores que não pratica em Angola, como sejam a democracia, a justiça social, a inclusão e as regras de um Estado de Direito.
Luís Inácio Lula da Silva foi eleito, no domingo, Presidente da República Federativa do Brasil e bateu na concorrência Jair Bolsonaro, que dirigiu o país sul-americano nos últimos anos.
O Presidente angolano (derrotado pelo voto popular mas consagrado por decisão das sucursais do MPLA, como a CNE e o Tribunal Constitucional) recorda que Angola e Brasil acumulam um passado recente de ricas memórias de relações bilaterais que “precisam de ser resgatada”.
E, por isso, “acredito que os laços históricos de amizade e de fraternidade entre os nossos povos poderão nos impulsionar a trabalhar afincadamente no sentido de estreitamento das relações de cooperação bilateral existentes entre os nossos governos”, no interesse de Angola e do Brasil.
João Lourenço, na sua mensagem tornada pública hoje, endereça igualmente a Lula da Silva “melhores votos de bem-estar pessoal e de sucesso na sua honrosa missão para a qual foi indicado a desempenhar por escolha do povo brasileiro”.
A Carta de William Tonet a Lula da Silva
Em 30 de Julho de 2018, William Tonet escreveu a Lula da Silva (então detido na Cadeia de Curitiba) uma carta de “solidariedade angolana e africana” que, dada a sua relevância e oportunidade, agora divulgamos:
«Sou uma pequena gota, mas sincera, num oceano prenhe de solidariedades de elevada e grata valia, que lhe envia um abraço caloroso vindo de Angola e de África.
Gostaria de estar consigo para, olhos nos olhos, lhe dizer: um líder não fica preso em 15 metros quadrados, nas masmorras, fedorentas, ou não, de uma qualquer polícia partidocrata.
Um líder multiplica 15 metros quadrados, no calor de uma fogueira voluntária e permanente, transformada em vigília, ao som de um trompetista cujo som se propaga numa conta redonda igual à 8 516 000 km², cujas estrofes reconhecem o rapto de cerca de 40 milhões da miséria e fome extrema.
Só um verdadeiro líder, como nenhum outro político, mantém, mesmo na prisão, a tolerância, alfabetizando algozes e carcereiros, no espírito do não ódio, não racismo, não discriminação, logo, aproximando os diferentes, no amor cidadão que, tantas vezes e em tão diferenciados pontos do mundo, tende a claudicar, por falta de imparcial e cega justiça.
A minha dimensão torna-me incompetente para lhe dar conselhos com alguma serventia, no actual estágio de prisão, quando o martelo de uma justiça discriminatória, não teve vergonha de ser, ostensivamente, parcial, ao ponto de adulterar as noções jurídicas, pasme-se, de Harvard, que pugnam por, a lei dever ser, geral e abstracta e, nunca, uma ferramenta na mão de inquisidores, elitistas, complexados, discriminadores, racistas, partidocratas e subservientes a interesses externos.
Essas elucubrações jurídicas, contrariando as teses de quem as pariu, não o tornam a Si, Companheiro Lula, preso político, mas um MÁRTIR POLÍTICO, que enfrenta, com serenidade, o tsunami de uma direita, sem bússola de um projecto-país, integrador de todas as suas gentes, sentires e origens.
Um mártir político, só pode ser, fisicamente travado, pela ferocidade do fúsil policial, com julgamentos, conduzidos por “juízes-algozes”, medíocres, sem higiene mental, logo, incapazes de carimbar, no processo, provas irrefutáveis do cometimento de algum ilícito, no exercício de funções.
Só os fracos fazem da presunção um pedestal da norma jurídica, para julgar e condenar, sem provas, um líder, feito mártir. O seu crime é ser diplomado pela universidade da vida e ter ousado humanizar o capitalismo, com base num modelo económico, não muito distante da visão do professor Bresser-Pereira, defendendo que o Banco Central não inclua exclusivamente, na sua pauta macro-económica, o lucro, mas o emprego (motor do consumo), qual lamparina para o desenvolvimento, industrialização e independência de uma economia cidadã.
Diferente de outros países de viés socialista, o senhor nunca defendeu uma sociedade de igualdade, talvez pelas tristes lições da cega aplicação do socialismo, em algumas paragens. As suas teses, com base na realidade e orgulho de ser brasileiro, parecem assentar na liberdade, essa sim, base da igualdade.
As grilhetas da justiça partidocrata e submissa ao capital estrangeiro, marcam-lhe o físico, mas abrem uma avenida para a sua mente vencer as barreiras do horizonte e nas nuvens industrializar versos de liberdade de imprensa, liberdade de expressão, oportunidades iguais e democracia-cidadã.
Só um grande líder se torna mártir político, em tão pouco tempo e, pese estar limitado num “covil de anacondas”, continua a amar e bater-se, não a favor dos poucos que têm milhões, mas dos milhões que têm pouco.
Saiba companheiro Lula da Silva, que a sua prisão ilegal, injusta e inconstitucional, baseada numa teoria aplicada a crimes hediondos, imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia, como a Teoria do Domínio do Facto é acompanhada por uma grande franja de intelectuais e homens de direito em Angola e África com muita apreensão.
Os seus algozes, apenas leram citações, não a obra “Teoria do Domínio do Facto”, lançada em 1939, pelo alemão Hans Welzel e aprimorada, em 1963, por Claus Roxin, na obra Täterschaft und Tatherrschaft, mais virada, para julgar crimes hediondos como o genocídio.
E, aqui a teoria considera, não ser mero participe, o mentor, o mandante, o chefe, que instiga o subordinado ao cometimento de actos ilícitos, contra os direitos humanos, contra a vida, mas face à relação de hierarquia e subordinação entre ambos, este não está isento, não sendo autor material, de culpabilidade, mas esta deve ficar provada, nos autos (as ordens), para não haver “sentença -adesão”, condenando sem provas suficientemente robustas, como recomenda o direito e bem, vulgariza, Claus Roxin, um dos pais deste conceito, vergonhosamente, mal aplicado, no Brasil.
Por esta razão companheiro Lula, nós, irmãos angolanos e africanos, carimbados com séculos de injustiça, abomina-mos a que está a ser alvo, em pleno século XXI (numa clara demonstração de continuidade da escravatura e colonialismo) e, louvamos a sua inteligência, para perdoar os algozes, pois “eles não sabem o que fazem”.
Você, companheiro Lula é maior (como IDEIA) que todos eles ao destapar a farsa da maioria dos magistrados complexados e comprometidos com um sistema judiciário, que joga para a sarjeta a reputação e credibilidade, que ainda lhe sobrava, em muitos países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
Seja forte, não vacile, pois a luta é contínua e a vitória terá o sabor da justiça da história.
Receba um forte abraço com calor angolano.»