OS ANGOLANOS QUISERAM E QUEREM, MAS…

“A UNITA será poder em Angola no dia em que os angolanos o quiserem. Porque a UNITA é pertença do povo angolano”. Quem terá dito isto? Poderia, creio eu, ter sido Jonas Savimbi, mas foi Anastácio Sicato em entrevista ao Notícias Lusófonas, publicada em 26 de Junho de 2006.

Por Orlando Castro

Anastácio Sicato acrescentava: “No nosso país, o processo de democratização é irreversível. Ora, a alternância de poder é uma característica inerente aos sistemas democráticos”.

Tirando a esperança idílica de que em Angola a “democratização ser irreversível”, o que é facto é que a alternância de poder faz-se, desde 1975, entre o MPLA e o… MPLA.

As afirmações de Anastácio Sicato continuam actuais, sobretudo porque a travessia do deserto continua. Será que a UNITA tem feito alguma coisa para ser, ou tentar ser, ser alternativa? Falo de coisas concretas, de projectos viáveis, de iniciativas com cabeça, tronco e membros. Provavelmente por manifesta ignorância da minha parte, só vi a UNITA dar contributos para que os angolanos, no interior e no exterior, nela acreditem este ano. Mesmo assim, ganhou mas… perdeu!

Anastácio Sicato dizia na referida entrevista, dada ao Jornalista Jorge Eurico, que “tarde ou cedo, o MPLA e o Presidente José Eduardo dos Santos acabarão por ceder o poder a outros”.

Em 2011 perguntei: Mas será que a UNITA está apostada em fazer com que se antecipe a alternância? Onze anos depois apostou forte e perdeu… embora ganhando.

Hoje, provavelmente a UNITA está à espera que o poder em Angola caia de maduro. Quando vejo que a UNITA desperdiça tantos e tantos valores que lhe são afectos e que estão espalhados por esse mundo fora, fico com a ideia de que a alternância, quando acontecer, se acontecer, se deverá mais ou sobretudo à incapacidade do MPLA do que à acção da UNITA.

Não basta, como disse Anastácio Sicato, afirmar “que a verdadeira soberania pertence ao povo e a mais ninguém”. É preciso que o povo saiba que tem esse poder e, mais importante, saiba quais são as alternativas. Nas eleições de 2022 (se é que assim se pode chamar) o povo viu qualidades alternativas na UNITA e deu-lhe os votos necessários para vencer. Venceu de facto, mas perdeu de jure.

Não chega, digo eu, dizer que “só a alternância consolida os regimes democráticos”. A alternância não se compra, conquista-se. E para a conquistar é preciso trabalhar muito. Muito mesmo, sobretudo longe da lagosta e perto da mandioca. Adalberto da Costa Júnior deixou a lagosta, comeu poeira e mandioca. Ganhou. Isto é, perdeu.

“Quem pediu para formalização de uma acusação fui eu. Tal facto obriga à inspecção forense das actas e aí iríamos comparar as actas. Nós até estamos a publicá-las”, disse Adalberto da Costa Júnior, quando instado a comentar o pedido do MPLA para uma responsabilização criminal da UNITA por apresentar “documentos falsificados” no recurso interposto junto do Tribunal Constitucional.

Rui Falcão, (com)provando que é um dos mais inequívocos exemplos dos militantes do MPLA que têm o cérebro ligado aos intestinos, e na perspectiva de vir a ser ministro de João Lourenço, secretário para a Informação e Propaganda do MPLA, latiu (latir: Dar gritos, gritar, latejar, palpitar) à Lusa que as alegações da UNITA continham uma série de irregularidades e que havia “crimes naquele processo”, exortando as autoridades judiciais a agir em conformidade.

O que Adalberto da Costa Júnior contrapôs, lembrando que a UNITA sugeriu precisamente uma inspecção judicial a todas as actas eleitorais na sua declaração final sobre o processo eleitoral, em que propôs igualmente a comparação das actas na posse dos diversos concorrentes com as da CNE, depois de identificar discrepâncias de mais de 500 mil votos

“Porque será que nem a CNE, nem o TC aceitaram a comparação? Quem tem medo não somos nós”, frisou o dirigente do “Galo Negro” que viu o MPLA negar provimento ao recurso apresentado pela UNITA e validar os resultados oficiais anunciados pelo MPLA.

O MPLA considerou que os elementos de prova apresentados “não permitem colocar em causa os resultados globais” das eleições anunciados pelo… MPLA (no caso através do seu gabinete CNE).

O acórdão referia ainda, na sua página 6, que o requerente (a UNITA) “juntou nos autos alegadas actas síntese das assembleias de voto repetidas (duplicadas, triplicadas, quadruplicadas), falsas, rasuradas, adulteradas, sem códigos das assembleias de voto discrepantes quanto ao conteúdo, escritas em papel A4 e ininteligíveis”.

“Estes não são elementos credíveis, nem atendíveis para sustentar a pretensão requerida”, salienta-se no documento aprovado em plenário por oito juízes do MPLA, com o voto contra da juíza Josefa Neto.

O Cedesa, entidade internacional dedicada ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, em especial de Angola, considerou em 2021 que o país cometeu “um erro” ao entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção, defendendo a criação de um minissistema judicial para o efeito.

Tem razão. Mas a ideia é mesmo essa. Por alguma razão o Procurador-Geral da República é um general, por alguma razão a PGR (como muitos outros organismos) é uma mera sucursal de um partido (o MPLA) que comanda o país há 47 anos e que é dirigido por um general.

Para o Cedesa, o que existe hoje em Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Voltemos a ler: Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Por isso, os “processos perdem-se fisicamente nos tribunais, outros embrulham-se, outros surgem com decisões inaceitáveis e outros prolongam-se inexplicavelmente”, acrescenta o Cedesa, faltando – contudo – elencar que também, e sobretudo, há decisões judiciais que apenas oficializam as ordens superiores e, outras, que à partida consubstanciam – contrariando as mais elementares regras de um Estado de Direito (que Angola não é) – o veredicto de que até prova em contrário todos somos culpados.

Assim, “entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção revela-se um erro”, concluiu o Cedesa na sua análise intitulada “Estado de Direito e Corrupção em Angola: por um minissistema de justiça contra a corrupção”.

Neste contexto, o Cedesa propôs a criação de um minissistema judicial anticorrupção para que os processos avançassem. A ideia tinha (tem) pernas para andar, mas as minas do MPLA são tantas que a vão amputar na primeira esquina. O máximo que o MPLA aceitará fazer é trocar seis por… meia dúzia.

Segundo o Cedesa, cada sistema jurídico nacional admite vários subsistemas de acordo com as matérias ou propriedades traçadas. “Tal não viola qualquer concepção de Estado de Direito, pelo contrário, cria regras e obrigações para todos, transparentes e claras, em determinadas áreas”, sublinhou.

Por isso, “existirá um Estado de Direito para a normalidade e um Estado de Direito para a corrupção”, defende.

O minissistema judicial anticorrupção, vocacionado para os grandes crimes de natureza económico-financeira e de captura do Estado, funcionaria, assim “com independência dos outros órgãos judiciários e judiciais e seria composto por quatro partes”, propõe o Cedesa no documento.

As quatro partes seriam: Um órgão especial com poderes judiciários para a investigação e acusação, um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, um corpo de juízes autónomo dedicado a esses tribunais e, por último, uma lei processual simplificada, elaborada à semelhança da norte-americana ou da francesa actual, que permitisse julgamentos rápidos e justos.

“Este órgão seria um misto de Polícia Judiciária e Ministério Público, tendo poderes de investigar, apreender, realizar buscas e detenções, pedir cooperação judicial internacional e, no final, fazer uma acusação ou arquivar um processo de grande corrupção”, especificou.

Além disso, “só trabalharia nestes casos e seria composto por um corpo de agentes com treino focado e dedicado”.

Porém, alertou que a existência de um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, para julgamento e recurso dos casos de grande criminalidade económico-financeira e captura do Estado, implicaria uma revisão da Constituição naquilo que se refere ao artigo 176.º n.º 3 e 5.

“Dever-se-ia passar a admitir uma jurisdição destinada aos grandes crimes de natureza económico-financeira e também abolir a proibição de tribunais com competência exclusiva para julgar determinados tipos de infracção”, referiu.

O Cedesa advogou que, com um corpo de juízes autónomo e dedicado aos tribunais do minissistema contra a corrupção, Angola teria a vantagem de poder ter juízes especializados nestas matérias, que preencheriam os lugares nos tribunais.

Caso Angola não pretenda realizar uma revisão constitucional sobre o tema, os analistas sugeriram que o país, em vez de criar um sistema de tribunais exclusivos com juízes próprios, possa estabelecer secções especializadas para o combate à corrupção nos tribunais já existentes.

Assim, os tribunais das capitais provinciais – ou somente o de Luanda – bem como os da Relação e o Tribunal Supremo disporiam de secções especializadas para a corrupção. “Tal já é constitucionalmente possível e o restante minissistema proposto mantinha-se como descrito”, frisaram.

O grupo de estudos recordou que o poder político angolano, quando elegeu como objectivo principal o combate à corrupção, resolveu fazê-lo “através dos órgãos judiciais pré-existentes e com as pessoas titulares habituais”.

“Não houve qualquer renovação orgânica ou de pessoal, apenas meros ajustes, o vice-PGR subiu a PGR, os presidentes do Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional trocaram de cargo e umas leis um pouco apressadas sobre recuperação de activos foram aprovadas”, referiu.

Para o Cedesa, esta opção de Angola deve ter tido por base uma opinião “formalista, dada pelos mais eminentes juristas angolanos, segundo a qual, o combate à corrupção deveria ser feito dentro do Estado de Direito e com os meios legais existentes”, porque só assim seriam garantidos os necessários direitos de defesa e credibilidade dos processos.

Permitindo ao mesmo tempo que, perante o estrangeiro, o país pudesse “afirmar que não haveria qualquer abuso por parte das autoridades pois era o sistema judicial instalado que estava a funcionar, dentro das normas habituais do Estado de Direito”.

“Esta normalidade legal parece correcta, mas na realidade é o que impede um real, célere e efectivo combate contra a corrupção”, afirmou a entidade.

O que acontece, sublinhou o Cedesa, “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Voltemos e reler: “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Salvaguardando que nessa estrutura existem “agentes de mudança”, juízes, procuradores, polícias, funcionários, que “devem ser elogiados pelo seu trabalho aturado”, o Cedesa considerou, porém, “que são uma excepção – mesmo que larga – e não impedem que a estrutura judicial como um todo seja conservadora e avessa ao risco de combater os seus aliados de ontem”.

Neste contexto, o relatório notou que “a luta contra a corrupção pode acabar por ser inglória e não resultar, atendendo aos vários empecilhos estruturais existentes”.

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