O MUNDO PAROU PARA OUVIR O REI DA CABIDELA

O Presidente de Angola, João Lourenço, instou hoje, em Lisboa, a comunidade internacional a procurar um cessar-fogo incondicional na guerra entre os seus amigos de Moscovo e Kiev, defendendo que “o mundo não suporta” um conflito “no coração da Europa”.

“Num momento em que não se conseguiu ainda superar a tensão reinante no Sudeste Asiático, na península coreana nem no Golfo Pérsico, qualquer uma delas com potencial de evoluir para uma confrontação nuclear, o mundo já não suporta o eclodir e manutenção de um novo conflito em pleno coração da Europa pelas consequências que tem para a economia global, mas sobretudo para a paz e a segurança mundial”, disse o chefe de Estado angolano ao intervir no plenário da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que hoje começou em Lisboa.

Num discurso em que se concentrou na importância dos “oceanos, dos mares e das infra-estruturas terrestres a eles ligados”, como os portos comerciais, João Lourenço exemplificou que o bloqueio dos portos ucranianos no Mar Negro “está a causar a crise alimentar global” actual, devido à escassez de cereais, fertilizantes e oleaginosas.

“A esse respeito, importa que a União Europeia, as Nações Unidas e, de uma forma geral, toda a comunidade internacional, priorize e concentre os seus principais esforços na busca de um cessar-fogo imediato e incondicional, seguido de negociações com as partes consideradas importantes para se alcançar e construir uma paz que seja verdadeiramente duradoura para a Europa e o resto do mundo”, afirmou o Presidente angolano, não nominalmente eleito, igualmente Presidente do MPLA (partido no Poder há 46 anos), candidato presidencial nas próximas eleições e Titular do Poder Executivo.

Esta não é a primeira vez que João Lourenço apela a um cessar-fogo na Ucrânia, cuja guerra começou em 24 de Fevereiro quando a Rússia invadiu o país vizinho e em que Angola, na ONU, se absteve de condenar a acção do seu amigo Vladimir Putin.

Em Março, durante uma visita de Estado a Cabo Verde, o Presidente angolano apelara aos líderes mundiais para, “de forma incansável”, se desdobrarem em múltiplos contactos diplomáticos na busca da paz e da segurança na Europa; e em Abril conversou ao telefone com o homólogo russo, Vladimir Putin, visando – segundo a versão de Luanda – um “cessar-fogo imediato e o regresso às conversações”.

Angola, que mantém relações históricas com a Rússia desde o período anticolonial, mesmo após a desintegração da URSS, foi um dos 35 países que se abstiveram na votação da Assembleia das Nações Unidas da resolução que condenou a invasão russa da Ucrânia. Ficou na altura claro que, ao não condenar o agressor, João Lourenço estava a condenar o agredido.

No passado dia 3 de Março, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, acusou os líderes ocidentais de terem planos para uma “verdadeira guerra” contra a Rússia, que só poderá ser nuclear. Eritreia, Bielorrússia e Coreia do Norte subscrevem. Os dois únicos países africanos (verdadeiramente) lusófonos que têm no Poder o mesmo partido deste a independência, Angola (MPLA) e Moçambique (Frelimo) também subscrevem, embora sob o manto diáfano e cobarde da “abstenção”.

“Todos sabem que uma terceira guerra mundial só pode ser nuclear, mas chamo a vossa atenção para o facto de que isto está na mente dos políticos ocidentais, não na mente dos russos”, disse Sergei Lavrov numa videoconferência de imprensa a partir de Moscovo, citado pela agência francesa AFP.

Sergei Lavrov referiu-se a comentários dos seus homólogos francês, Jean-Yves Le Drian, e britânica, Liz Truss, sobre a dissuasão nuclear e o risco de guerra com a Rússia.

“Se algumas pessoas estão a planear uma verdadeira guerra contra nós, e eu penso que estão, deveriam pensar cuidadosamente”, disse Lavrov. “Não deixaremos que ninguém nos desestabilize”, assegurou.

O Presidente russo, Vladimir Putin, anunciara na altura que colocou em alerta o sistema de dissuasão nuclear do exército russo, uma decisão que suscitou inquietação em muitas capitais do mundo e declarações contra uma nova escalada.

Entretanto, a Coreia do Norte (ou farol do MPLA) acusou os Estados Unidos de serem “a causa raiz da crise ucraniana”, numa primeira reacção oficial à invasão russa da Ucrânia.

Washington prosseguiu uma política de “supremacia militar, desafiando a legítima exigência da Rússia pela sua segurança”, pode ler-se numa mensagem publicada no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte, assinada por um investigador da Sociedade para o Estudo da Política Internacional. “A causa raiz da crise ucraniana reside também no autoritarismo e arbitrariedade dos Estados Unidos”, acrescentou.

Recorde-se que Vladimir Putin, como não poderia deixar de ser entre dois velhos amigos, falou no dia 28 de Abril ao telefone com João Lourenço, por iniciativa do Presidente angolano, como relata o serviço de imprensa do Kremlin. Terá o camarada russo aconselhado o MPLA a usar em Angola a estratégia russa na Ucrânia, alegando que a única maneira de se defender é “desnazificar” a UNITA?

Segundo a agência russa RIA Novosti, a pedido de João Lourenço, o Presidente Putin “informou sobre as causas e objectivos da operação militar especial para proteger o Donbass e também fez avaliações fundamentais da situação das negociações com representantes ucranianos”.

A “satisfação com o nível de relações amistosas alcançadas foi expressa por ambos os lados”, indica a agência russa.

“Os compromissos com o seu desenvolvimento, incluindo a cooperação das esferas comercial, económica, científica e técnica” foram igualmente assinalados na conversa, adianta a agência de propaganda do regime russo.

O Presidente angolano conversou falou também com o Presidente do Conselho de Ministros italiano, Mario Draghi, visando um “cessar-fogo imediato e o regresso às conversações” devido ao conflito (conflito ou guerra?) na Ucrânia.

As conversas decorreram em ambiente de “bastante cordialidade e visaram conseguir-se um cessar-fogo imediato” e tiveram também como propósito “o regresso à mesa das conversações para a busca de uma paz duradoura não apenas para a Ucrânia mas também para a Europa”.

Se calhar, porque a UNITA tem sobre este assunto uma posição diametralmente oposta à do MPLA, talvez os sipaios do MPLA venham a utilizar nesta campanha eleitoral a tese de que UNITA é um partido neonazi. Podem, aliás, citar o actual ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Gomes Cravinho, que em tempos disse que Jonas Savimbi era um Hitler…

Bem vistas as coisas, se Presidente Vladimir Putin justificou a “operação militar especial” na Ucrânia com a necessidade de desmilitarizar e “desnazificar” o país vizinho, afirmando ser a única maneira de a Rússia se defender, o MPLA também pode alegar que a única maneira de se defender é “desnazificar” a UNITA.

Folha 8 com Lusa

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