João Lourenço, Presidente de Angola (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA (no poder há 46 anos), Titular do Poder do Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, debateu em Luanda com o seu homólogo da República Democrática do Congo (RD Congo), Félix Tshisekedi, a “crescente tensão” entre este país e o vizinho Ruanda, anunciou a Presidência angolana em comunicado.
“Na sequência do mandato recebido na recente Cimeira de Malabo”, João Lourenço “acolheu em Luanda, o Presidente Félix-Antoine Tshisekedi, Presidente da República Democrática do Congo, num encontro para abordar questões relativas à crescente tensão que se regista entre a República Democrática do Congo e a República do Ruanda”.
No encontro “foram discutidos vários aspectos que podem contribuir para a resolução pacífica do diferendo entre os dois países”, avança o comunicado.
“Neste sentido (…) Félix-Antoine Tshisekedi (…) a pedido do seu homólogo angolano, aceitou libertar dois soldados ruandeses capturados recentemente”, acrescenta. “Esta diligência visa contribuir para a redução da tensão que paira na relação entre os dois países referidos”, explica.
O comunicado refere ainda que na sequência da reunião com o líder da RD Congo, João Lourenço manteve “uma conversa, por videoconferência” com o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, “durante a qual foram discutidos os mesmos aspectos abordados com o seu homólogo da RD Congo”.
“Estas discussões permitiram aos dois chefes de Estado chegar a um entendimento sobre a realização em Luanda, em data a anunciar proximamente, de uma cimeira em que participarão, a convite do chefe de Estado angolano, os chefes de Estado da República Democrática do Congo e da República do Ruanda, a fim de cuidarem de todos os aspectos que possam ajudar, de forma consistente, a promover o desanuviamento da tensão actualmente reinante na fronteira entre os dois países e contribuir assim para o reforço da paz na sub-região”, conclui a nota.
A tensão entre o Ruanda e a RD Congo cresceu exponencialmente nos últimos meses, após o reinício em Março último dos combates entre o exército e o movimento rebelde de 23 de Março (M23), que, segundo Kinshasa, é apoiado pelo país vizinho, uma acusação negada por Kigali.
Ambos os países solicitaram a intervenção do Mecanismo Reforçado de Verificação Conjunta (EJVM, na sigla em inglês), estabelecido pela Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) para investigar incidentes de segurança nos seus 12 Estados-membros.
O Ruanda exigiu no passado sábado que a RD Congo libertasse dois soldados do seu exército raptados enquanto patrulhavam a fronteira com aquele país, no mesmo dia em que o Governo da RD Congo suspendeu os voos da Rwandair para o seu território, em protesto contra o alegado apoio de Kigali aos rebeldes.
Esta segunda-feira, o porta-voz do Governo congolês, Patrick Muyaya, disse que o país não excluiu “a ruptura das relações diplomáticas” com o Ruanda.
As forças armadas congolesas reconquistaram na semana passada várias cidades tomadas pelo M23, depois de fortes combates no nordeste do país.
O M23 foi criado em 4 de Abril de 2012, quando soldados da RD Congo se revoltaram com a perda do poder do seu líder, Bosco Ntaganda, acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes de guerra por alegadas violações do acordo de paz de 23 de Março de 2009, data que deu o nome ao movimento.
Em 2012, o M23 ocupou Goma, capital da província do nordeste congolês do Kivu do Norte, durante duas semanas, mas a pressão internacional obrigou o movimento rebelde a retirar-se e a iniciar negociações de paz com o Governo da RD Congo em Kinshasa.
Durante mais de duas décadas, o leste da RD Congo tem registado conflitos alimentados por milícias rebeldes e ataques do exército congolês, apesar da presença da missão de manutenção de paz da ONU (Monusco), que conta com mais de 14.000 soldados no país.
E a RD Congo aqui tão perto
Em 18 de Maio de 2017, o MPLA lamentou que alguns sucessos alcançados na conquista da paz para a República Democrática do Congo estivessem a ser “sacrificados”, com o actual conflito armado naquele país.
A preocupação foi realçada pelo então secretário-geral do MPLA, António Paulo Cassoma, no discurso de abertura do encontro que juntou na capital angolana os seus homólogos dos antigos movimentos de libertação nacional da África austral, de Moçambique, África do Sul, Namíbia, Zimbabué e Tanzânia.
António Paulo Cassoma referiu que a reunião aconteceu num contexto regional marcado por alguns focos de tensão, augurando que os sinais de entendimento e de paz em Moçambique “sejam consolidados”, igualmente desejando “o resgate da estabilidade política na África do Sul”.
Relativamente à RD Congo, o dirigente do MPLA disse que Angola assistia com “grande preocupação ao recrudescimento de um conflito militar, que ao longo dos anos já provocou a perda de milhares de vidas humanas e obrigou que alguns dos seus cidadãos se colocassem na condição de refugiados que abandonam as suas zonas de origem para os países vizinhos em defesa das suas vidas”.
“A paz para a nossa sub-região continuará a estar no centro das nossas agendas e é neste sentido que se dirigem os esforços do Presidente José Eduardo dos Santos, na sua qualidade de presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos”, referiu na altura.
Lamentou também que “alguns sucessos alcançados neste âmbito no passado, estão a ser sacrificados por força desses conflitos que assentam numa base étnica e tribal”.
“O nosso Presidente, o presidente do MPLA e da República, está determinado em prosseguir com os esforços colectivos, em coordenação com os demais chefes de Estado da sub-região, para que se alcance a paz duradoura que o povo congolês e de outros povos da sub-região que dela necessitam e merecem”, disse António Paulo Cassoma.
Participam nesse encontro os secretários-gerais da FRELIMO (Moçambique), do ANC (África do Sul), da SWAPO (Namíbia), da ZANU-PF (Zimbabué) e da Chama Cha Mapinduzi (Tanzânia).
E a outra face da tragédia?
Recorde-se que, em Novembro de 2016, o ministro das Relações Exteriores de Angola reiterara o claro, inequívoco e musculado empenho do Governo angolano no apoio à República Democrática do Congo (RD Congo) para resolver o conflito político que se prolonga há vários meses.
“Pensamos que tem que haver o fim da crise na RD Congo, que passa pelo respeito da Constituição tanto pelos diferentes partidos da oposição como pelo Governo”, disse Georges Chikoti à margem de um encontro que manteve com a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que se deslocou a Angola, proveniente de Kinshasa, onde permaneceu durante dois dias para ouvir as partes envolvidas no conflito.
Foi fácil dizer aos outros para olharem para o que diziam e não para o que faziam. Em Angola o MPLA, o Governo e o Presidente da República (José Eduardo dos Santos, nunca nominalmente eleito, esteve 38 anos no poder) não cumprem a Constituição, mas exigem que o vizinho – sobretudo a oposição – a cumpra. É preciso muito descaramento.
De acordo com Georges Chikoti, os membros do Conselho de Segurança da ONU visitaram Angola como sinal de reconhecimento do papel que o país representavs na região, sendo um dos vizinhos mais próximos e mais importantes da RD Congo, com uma fronteira comum de cerca de 2.000 quilómetros.
O chefe da diplomacia angolana frisou que Angola, como membro da comunidade internacional (quem diria!), pensa que é necessário que o Conselho de Segurança da ONU assuma o papel de trabalhar em coordenação com a região, com a RD Congo, para que possa ajudar este país amigo e servil ao regime de Luanda.
“Um papel em que o Conselho de Segurança de facto jogue o seu papel, assuma as suas responsabilidades com a região, com a comunidade internacional para ajudarmos a RD Congo na base daquilo que são os entendimentos que a oposição e o Governo estão a tentar propor”, disse Georges Chikoti.
Angola no âmbito da presidência da CIRGL (Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos) tem-se engajado para encontrar soluções pacíficas para resolução de conflitos políticos na RD Congo e que, é claro, mantendo na altura no poder o seu servil amigo Joseph Kabila.
O “diálogo nacional” na RD Congo, onde não participou a oposição, deu “luz verde” a 17 de Outubro de 2016 ao acordo para adiar as eleições presidenciais para 29 Abril de 2018, após várias semanas de contestação na rua.
Dir-se-ia que foi um “diálogo nacional” atípico. Melhor, foi (como outros) um monólogo feito à medida e por medida para que Joseph Kabila se mantivesse no poder e fizesse tudo o que sua majestade o rei de Angola mandasse.
Os mais optimistas e aliados de Luanda disseram na altura que o acordo pretendia manter no cargo o Presidente do país, Joseph Kabila, cujo mandato terminou a 19 de Dezembro de 2016 e que a Constituição proibia de se recandidatar. Na verdade, o acordo unilateral visava exclusivamente manter Kabila no poder.
Esse acordo atípico, ou familiar, previa a criação de um novo Governo, com o posto de primeiro-ministro a ser entregue a uma pessoa da catalogada e pré-fabricada da oposição, mas foi considerado bastante frágil porque o principal grupo da oposição boicotou as negociações.
Na guerra civil na RD Congo, entre 1998 e 2002, Angola e o Zimbabué enviaram tropas para aquele país para apoiar o regime do então Presidente, Laurent Désiré Kabila, pai de Joseph Kabila, que foi assassinado em Janeiro de 2001, contra os rebeldes, apoiados pelo Ruanda, Uganda e Burundi.
Opositores de Kabila presos em Luanda
Recorde-se igualmente, como o Folha 8 noticiou, que o regime angolano prendeu no dia 23 de Outubro de 2016 um grupo de mais de uma dezena de cidadãos da República Democrática do Congo, que se reunia no bairro Palanca, em Luanda, e que pretendia protestar contra a permanência de Joseph Kabila na presidência ou no governo de transição.
No dia 23 de Outubro de 2016, dia em que planeavam fazer acertos finais para o protesto, o grupo foi surpreendido e detido por elementos da Polícia Nacional e dos Serviços de Investigação Criminal (SIC).
Planeavam manifestar-se no dia 26, dia da 7ª reunião de Alto Nível do Mecanismo Regional de Supervisão do Acordo Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação na República Democrática do Congo (RD Congo) e na Região dos Grandes Lagos, realizada no Centro de Convenções do Talatona, em Luanda.
O grupo dos cidadãos congoleses-democratas pretendiam demonstrar a sua insatisfação diante dos presidentes que participaram na 7ª reunião, nomeadamente: o anfitrião José Eduardo dos Santos, da RDC, Joseph Kabila, do Congo, Denis Sassou Nguesso, da Zâmbia, Edgar Lungu, do Tchad, Idriss Deby, na qualidade de presidente em exercício da União África.
Marcaram também presença, a Presidente da Comissão da União Africana, Nkosazana Zuma, o enviado do secretário-geral da ONU para a região dos Grandes Lagos, Said Djinnit, e representantes de países membros do Conselho de Segurança da ONU.
A maior exigência dos partidos políticos da oposição da RD Congo era a não participação do presidente Joseph Kabila nas próximas eleições, sendo que o mesmo já cumpriu com os dois mandatos presidenciais garantidos pela Constituição daquele país.
Esta crise na RD Congo começou em Janeiro de 2015, quando Joseph Kabila pretendia alterar a Constituição daquele país de forma a permiti-lo a concorrer a um terceiro mandato. Na altura, a oposição e o povo protestaram contra tal medida.
Etienne Tshisekedi, o principal opositor de Kabila, acusou-o de recorrer a esse expediente para se manter artificialmente no poder. A posição foi contestada com manifestações violentas que levaram a dezenas de mortes.
Folha 8 com Lusa
[…] Source: Folha 8 […]