TERRORISTAS SÓ O SÃO ATÉ CHEGAREM AO PODER

João Lourenço, presidente angolano não nominalmente eleito, presidente do MPLA (partido no poder há 46 anos), Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Força Armadas apelou hoje à mobilização dos países africanos contra o terrorismo, sem ambiguidades nem hesitações e à condenação firme das mudanças anticonstitucionais de Governos em África para que não adquiram “um carácter de normalidade”.

João Lourenço discursava na Cimeira sobre o Terrorismo e as Mudanças Inconstitucionais de Governo em África, que decorre em Malabo, capital da Guiné Equatorial (cujo presidente chegou ao poder via golpe de estado), onde participam mais de uma dezena de chefes de Estado ou de Governo – entre os quais, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe – que vão debater as causas do aumento de golpes no continente em 2021 e 2022 e as implicações para a governação.

João Lourenço mostrou preocupação com o crescimento do terrorismo em África, apelando a “um esforço conjunto e concertado” dos países africanos para enfrentar esta grave situação de segurança.

Pediu “um consenso claro e objectivo” quanto aos comportamentos e actos que se enquadram na definição de terrorismo e golpe de Estado, de modo a evitar “ambiguidades e hesitações na hora de agir, que afectam em muitos casos a coesão e a firmeza necessárias, ao combate e neutralização destes flagelos”.

É também necessário cuidar mais eficientemente do controlo das fronteiras, para evitar a circulação e movimentação dos grupos extremistas e reflectir sobre as razões internas “que, em muitos casos, levam ao desencadeamento do terrorismo, da instabilidade, da insegurança e da desorientação das populações que se tornam vulneráveis e aceitam facilmente mensagens e ideias que são, no fundo, contrárias aos seus próprios interesses”, salientou o chefe de Estado angolano.

João Lourenço condenou igualmente as mudanças inconstitucionais de Governo em África, vulgarmente conhecidas como golpes de Estado, “que vêm ocorrendo com inadmissível frequência perante alguma passividade, indiferença e inacção dos organismos regionais e continental”.

“Estamos perante uma sucessão de actos que constituem um recuo significativo relativamente aos ganhos políticos, económicos, sociais e em matéria de estabilidade e segurança, que o nosso continente obteve nessas últimas duas décadas”, lamentou, pedindo que haja “firmeza e nenhum tipo de vacilação”, na condenação e tomada de medidas que desencorajem e inviabilizem o funcionamento de Governos criados com recurso à força militar.

“É importante que coloquemos uma atenção muito particular sobre essa questão de mudanças anticonstitucionais de Governos em África, para que perante a indiferença, o silêncio e a passividade, esses acontecimentos não adquiram um carácter de normalidade que podem contagiar, estimular e generalizar esta prática no nosso continente”, exortou.

Neste âmbito, “é importante que as organizações regionais competentes e a União Africana se reúnam de emergência e tomem medidas extraordinárias que obriguem ao regresso imediato da ordem constitucional no país em causa”, quando sucedem situações desta natureza.

Certamente baseado na experiência do seu partido, que está no poder há 46 anos, apontou igualmente no seu discurso, os grandes problemas do continente – a fome, a miséria, a pobreza, as doenças endémicas, o desemprego, a falta de infra-estruturas, a fraca electrificação e industrialização, entre outros — sublinhando que é preciso garantir a paz e segurança para encontrar soluções duradouras para ultrapassar estas dificuldades.

João Lourenço defendeu ainda uma estratégia de defesa comum própria em matéria de segurança, sem prejuízo da cooperação internacional face ao exemplo que vem do actual conflito que se vive hoje na Europa com a guerra da Rússia à Ucrânia (o MPLA não condenou a invasão) e que confirmou também “as profundas desigualdades no tratamento dos países e povos perante guerras, pandemias e calamidades naturais”.

“Veio tornar mais visível a forma discriminatória como se tratam os refugiados e deslocados dos vários conflitos armados no planeta”, lamentou.

O Presidente angolano concluiu que “esta situação injusta e vergonhosa levanta mais uma vez a necessidade da reformulação do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, para que não se circunscreva apenas às grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, e contemple a entrada de países representantes de África, da América Latina e da península hindu.

África foi palco em 2021 e 2022 de cinco golpes de Estado – dois no Mali e um na Guiné-Conacri, Sudão e Burkina Faso -, e uma tentativa de golpe fracassada na Guiné-Bissau.

Durante a cimeira, o Conselho de Paz e Segurança da UA apresentará propostas de políticas baseadas na sua deliberação de 19 de Maio sobre as causas que contribuíram para a frequência de golpes no continente.

Este órgão da UA irá também propor a supervisão civil obrigatória das Forças Armadas e a necessidade de descrever as circunstâncias em que os exércitos são destacados para gerir os desafios de segurança interna.

Golpistas são bestas quando perdem, bestiais quando ganham

Angola condenou no dia 6 de Setembro de 2021 a tentativa de golpe de Estado na Guiné-Conacri, acto que considerou “antidemocrático e inconstitucional”, apelando à libertação incondicional do Presidente, Alpha Condé. Os amigos são para as ocasiões. Por alguma razão João Lourenço recebeu, recentemente (foto), a Grã-Cruz da Ordem Nacional da República da Guiné-Conacri, a mais alta condecoração que este país concede a entidades distintas.

A posição expressa numa nota do Ministério das Relações Exteriores sublinhava que Angola estava a acompanhar “com muita preocupação” os acontecimentos ocorridos na Guiné-Conacri, que “culminaram com a detenção do Professor Alpha Condé, Presidente da República da Guiné-Conacri, e a tomada do poder por um grupo de Forças Especiais”.

“Face à gravidade dos factos, a República de Angola condena esta tentativa de golpe de Estado, um acto antidemocrático e inconstitucional, que viola os princípios das Declarações de Argel e de Lomé, da União Africana, de 1999 e 2000, sobre as mudanças inconstitucionais”, realçava o documento.

Na nota, Angola sublinhava que apoiava a Declaração Conjunta do Presidente em exercício da União Africana e do Presidente da Comissão da União Africana, bem como a Declaração do Presidente em exercício da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

“A República de Angola manifesta, por conseguinte, a sua solidariedade ao povo guineense, apela aos autores deste acto a libertarem incondicionalmente o Presidente Alpha Condé e a preservarem a sua integridade física, assim como insta ao pronto retorno à ordem constitucional, em salvaguarda da paz e da estabilidade” na República da Guiné-Conacri, sublinhava a nota.

No final de Julho do ano passado, João Lourenço realizou, a convite de Alpha Condé, uma visita de dois dias à República da Guiné-Conacri, durante a qual foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional daquele país.

Os golpistas capturaram o Presidente Alpha Condé e dissolveram as instituições de Estado do país. Foi instituído um recolher obrigatório nocturno, e a constituição do país e a Assembleia Nacional foram ambas dissolvidas.

A junta militar recusou-se na altura (Setembro de 2021), a revelar quando pretendia libertar Alpha Condé, mas assegurou que o Presidente deposto, com 83 anos, tinha acesso a cuidados médicos e aos seus médicos.

A CEDEAO apelou à libertação imediata de Alpha Condé e ameaçou impor sanções, se esta exigência não vier a ser satisfeita.

Mamady Doumbouya anunciou num vídeo divulgado após o golpe a criação de um “Comité Nacional de Agrupamento e Desenvolvimento”, com o objectivo de “iniciar uma consulta nacional para abrir uma transição inclusiva e pacífica”.

A alegada tentativa de golpe de Estado foi condenada pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que exigiu também a “imediata” e “incondicional” libertação do Presidente Alpha Condé, e o mesmo fez a União Africana e também a França. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também condenou “qualquer tomada de poder pela força das armas”.

A Guiné-Conacri, país da África Ocidental, que faz fronteira com a Guiné-Bissau, é um dos mais pobres do mundo e enfrentava uma crise política e económica, agravada pela pandemia de Covid-19.

João Lourenço foi o segundo cidadão angolano a ser prestigiado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional da Guiné-Conacri, depois de António Agostinho Neto (o único herói nacional que o MPLA autoriza em Angola) no ano de 1973.

No discurso feito na Guiné-Conacri, João Lourenço fez também referência à situação de segurança em África nos últimos tempos que “não tem evoluído tão positivamente quanto seria desejável” apesar de algumas iniciativas desenvolvidas no sentido de inverter esta tendência.

“Realço, nesta perspectiva, outros factos importantes como a realização de eleições de forma pacífica em alguns pontos do nosso continente com historial de conflitos pós-eleitorais, facto que reforça a esperança e a ideia de que a África despertou para a necessidade da construção da estabilidade e da segurança como factores incontornáveis para assegurar a concretização dos nossos grandes objectivos de redução da pobreza, e de construção do bem-estar e prosperidade dos nossos povos”, frisou.

João Lourenço esteve, nesta incursão filosófica sobre eleições em África, ao seu melhor nível. Mostrou, com rara perspicácia, que quem sabe… sabe. Por alguma razão ele próprio é um presidente não nominalmente eleito e lidera um partido que só está no poder há 46 anos e que, até agora, nunca fez uma só eleição autárquica.

O Presidente angolano destacou assim a importância de um trabalho contínuo e de forma unida e conjugada, no sentido de construir um continente livre de conflitos armados, de destruição e deslocações forçadas das suas populações.

João Lourenço defendeu que é fundamental a adopção de formas de governação “cada vez mais participativas, inclusivas e genuinamente africanas, de modo a contribuir para a promoção de uma cultura africana de paz, de justiça e de respeito pelos princípios dos direitos humanos”. Ou seja, em síntese, fazer tudo o que o MPLA não fez, não faz e nunca fará.

No dia 27 de Dezembro de 2008, a União Africana (UA) descobriu a pólvora. Numa atitude que nem sequer era original (basta ver o que vai repetindo a ONU) defendeu que a situação na Guiné-Conacri era “anticonstitucional” apesar de o governo guineense derrubado se ter apresentado voluntariamente amarrado à Junta Militar.

“A UA continua a acompanhar de perto o que se passa na Guiné-Conacri”, afirmou o então comissário para a Paz e Segurança da organização, Ramtane Lamamra. E é sempre assim. Essas organizações acompanham sempre de perto mas, é claro, a uma distância que permita dar corda aos sapatos.

“Constatamos que o esquema constitucional não foi respeitado, não estando prevista na Constituição a entrega do poder a um membro das forças armadas”, afirmou o alto responsável. Brilhante. Mas… nada a fazer, não é?

“Da mesma forma, a duração do período de transição está estipulado pela Constituição, sendo este de dois meses, e não de dois anos”, adiantou Lamamra. Se a atitude é anticonstitucional, para quê chamar à ribalta a questão dos dois meses, dois anos, vinte anos?

“Todos estes elementos indicam que a Guiné-Conacri se encontra num quadro anticonstitucional. São estes os elementos que o Conselho de Paz e de Segurança (CPS) da UA terá que examinar no seu encontro” em Adis Abeba, Etiópia, sede da UA, disse. E depois de analisar, a UA vai continuar a acompanhar de perto…

“Mas podemos supor que a UA manterá a sua posição de rejeitar este esquema”, avançou, recordando as “exigências da declaração de Lomé e dos actos constitutivos da” da UA.

A declaração de Lomé proíbe golpes de Estado em África, o mesmo sucedendo com os Actos constitutivos da UA, aprovados em 2001.

Isso de em África proibir golpes de Estado por decreto não lembraria nem ao menino Jesus. Está no entanto, consagrado. É mais ou menos como proibir que a seguir à noite venha o dia. Mas o que é que se há-de fazer?

Na sequência de uma reunião do CPS, a UA ameaçou os militares golpistas, na Guiné-Conacri, de avançar com sanções “firmes” se viesse a ser concretizado um golpe de Estado.

Mas como ele se concretizou, certamente que a UA vai rever a sua posição e considerar que são bestiais os que na véspera eram umas bestas.

Folha 8 com Lusa

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