O ex-primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, o presidente da Confederação Empresarial de Angola (CEA), Francisco Viana, académicos e o músico Eduardo Paim defendem um “projecto de consenso” para o país e vão organizar, em Maio, um congresso para “Pensar Angola”.
“Precisamos de um projecto nacional de consenso. Não podemos nem devemos chegar ao dia das eleições sem sabermos quais são as nossas propostas para uma Angola melhor. Teremos também que ver esclarecidas quais as propostas dos partidos políticos que se propõem governar Angola para os anos de 2022 a 2027”, indica um comunicado da comissão organizadora, integrada por Marcolino Moco, Francisco Viana, Paulo Inglês, Paulo Faria e Eduardo Paim.
“Precisamos de definir muito bem que modelo de Estado, social e económico queremos para Angola, queremos para nós e para as próximas gerações”, dizem os promotores do congresso, apelando aos angolanos para que não encarem as próximas eleições gerais, previstas para Agosto, como uma escolha de bandeiras ou um clube de futebol.
“O que está em jogo é muito mais do que isso, pois a nossa escolha irá determinar o nosso futuro, a nossa qualidade de vida e a nossa felicidade”, salienta o comunicado.
A comissão organizadora aponta os “momentos de grande indefinição, instabilidade e grave crise económica e social” por que Angola está a passar após 46 anos de independência e diz que as eleições são também uma oportunidade para elevar as condições do país.
“Neste ano de 2022, o povo angolano tem uma grande oportunidade para, através do seu voto, escolher uma liderança, capaz de elevar Angola a uma melhor condição económica e social elevando também os nossos níveis de felicidade”, sugere, apelando a um projecto nacional de consenso para que este sonho se torne realidade.
“Uma grande responsabilidade recai sobre a nossa geração: todos os angolanos, independentemente da sua filiação partidária, idade, credo religioso e condição social, têm o direito e o dever de se pronunciarem sobre o nosso projecto comum”, dizem os organizadores, apelando à participação de partidos políticos, do Governo e da oposição, organizações da sociedade civil, cidadãos e instituições religiosas num “Pacto da Nação”.
Contribuir para um projecto comum em prol de uma Angola mais inclusiva, solidária e democrática; para um melhor esclarecimento, pré-eleitoral, sobre as propostas das forças políticas concorrentes à governação para o mandato de 2022 a 2027; e para a criação de um ambiente de paz e concórdia, pré e pós eleitoral e para um processo eleitoral transparente, justo e tranquilo, são os objectivos do congresso.
A iniciativa vai congregar representantes de comunidades angolanas, de todo o país e da diáspora, partidos políticos, activistas, sociedade civil, instituições religiosas, especialistas, autoridades tradicionais, entre outros parceiros.
O “Congresso da Nação. Pensar Angola”, realiza-se a 27 e 28 de Maio, em Viana (arredores de Luanda).
Em Junho de 2020, Marcolino Moco manifestou-se “desiludido” com o rumo do país na actual governação de João Lourenço. Em exclusivo ao Novo Jornal, criticou a metodologia adoptada para o funcionamento das instituições do Estado e a forma como estava a ser levado a cabo o processo de combate à corrupção no país.
Sobre o (suposto e fátuo) combate à corrupção, Marcolino Moco considerou que “não passa de uma decepção”, uma vez que o poder político continua a interferir nos tribunais.
“Colocar esta questão do combate à corrupção no topo das prioridades do Executivo é uma perda de tempo. Se todos pertenciam a um mesmo regime de acumulação primitiva de capitais, então muitos dirigentes estariam na mesma condição que Augusto Tomás”, disse Marcolino Moco, acrescentando que, na era de José Eduardo dos Santos, já se apontava para uma transição pacífica, regularizando-se as instituições.
A dar razão a Marcolino Moco, João Lourenço afirmou que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo mas – é claro – não era ladrão.
“É inadmissível que o país seja comandado por dois ou três iluminados que nos vão surpreendendo com esta ou aquela prisão seleccionada e exonerações não explicadas”, apontou Marcolino Moco ao Novo Jornal. Tinha razão. Esses eram e são os tais iluminados que, como o Folha 8 tem afirmado sobejas vezes, têm o cérebro no intestino (grosso) e que, quando começam a pensar, exalam um cheiro nauseabundo que, contudo, “transporta” os dirigentes do MPLA para as suas origens…
Marcolino Moco lamentou também a interferência política junto dos órgãos de Justiça, tendo tomado como exemplo o acórdão do Tribunal que proibiu a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do Titular do Poder Executivo. Mas se nada disto é novo, se há 46 anos o MPLA continua a considerar que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA, onde estava (onde está) o espanto?
“Os mecanismos são do tipo ocidental. As pessoas esquecem-se de que temos uma realidade própria, um Estado recente e que não podemos copiar, por isso que temos cometido muitos erros”, declarou Marcolino Moco, para quem o combate à corrupção não é “uma questão de justiça, mas de política”.
No dia 12 de Janeiro de 2018, o Presidente da República, João Lourenço, justificou a nomeação (escolha, prémio de consolação, mordaça) dos ex-primeiros-ministros Lopo do Nascimento e Marcolino Moco para administradores da Sonangol por serem uma “referência” no país.
A posição foi assumida pelo chefe de Estado no Palácio Presidencial, em Luanda, durante a cerimónia de posse dos ex-políticos como administradores não executivos da Sonangol, liderada na altura por Carlos Saturnino, depois de João Lourenço ter exonerado (com pompa, fanfarra, foguetes etc.) Isabel dos Santos.
Na ocasião, o chefe de Estado classificou ambos como “figuras de destaque da vida política angolana”, justificando com isso a nomeação que fez e que, convenhamos, mais parece um prémio de consolação, quase uma condecoração a título póstumo político. A velha escola colonialista de António de Oliveira Salazar criou um bom séquito de sipaios.
“Figuras que desempenharam as mais altas funções no aparelho do Estado, são por isso uma referência na sociedade angolana e, a exemplo do que se faz também em outros países, não pretendemos desperdiçar a experiência que têm, a reputação que têm, para continuarem a servir o país noutras áreas, fora da política”, afirmou João Lourenço.
E, assim, se ficou a saber que é um prémio “fora da política”. Uma prateleira, necessariamente dourada, para que nada mais façam do que dar o nome e o prestígio a um governo, mesmo sabendo-se que poderiam ser eventualmente muito mais úteis como reserva moral e ética de um país em que faltam referências de estadistas que pensem pela própria cabeça.
Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia, Marcolino Moco, que regressava desta forma à vida pública não política após o afastamento e após anos de contestação ao regime de José Eduardo dos Santos, assumiu que seria um “conselheiro” da administração da petrolífera estatal.
“Conselheiro” é um eufemismo (exactamente isso, uma figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis por meio de expressões mais suaves) para satisfazer o ego de todos aqueles que preferem ser assassinados pelo elogio do que salvos pela crítica.
“A primeira coisa que eu vou querer saber do presidente da Sonangol é porque é que temos esta crise de distribuição do combustível, particularmente no interior do país”, afirmou Marcolino Moco, referindo-se aos sucessivos casos conhecidos publicamente de postos de combustíveis sem gasolina ou gasóleo e querendo, dessa forma, mostrar que não é o que eles esperam que ele seja: um verbo-de-encher.
Em Novembro de 2017, Marcolino Moco assumiu-se surpreendido com a “coragem” do novo Presidente da República, afirmando que as decisões conhecidas visam “criar um mínimo de governabilidade” num poder “atrelado aos pilares de uma casa de família”.
A posição do advogado e histórico militante do MPLA, forte crítico da governação de 38 anos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, surgiu num artigo divulgado então, pelo próprio.
“É verdade que João Lourenço me surpreende pela coragem e rapidez; mas surpreso andei eu todos estes anos a ver um país a ser montado à volta de uma família única, quando só se ouviam louvores de tribunas e painéis de entidades notáveis”, criticou ainda o advogado que durante 1992 e 1996 foi primeiro-ministro de Angola, na Presidência de José Eduardo dos Santos.
Em todo este processo, Marcolino Moco claudicou, desiludiu, ajoelhou-se e, por isso, teve de rezar junto do altar agora ocupado (apesar da fraude eleitoral que Moco sabe ter existido) por João Lourenço.
Fomos todos enganados. Fomos. No dia 7 de Janeiro de 2017, Paulo de Morais (Professor Universitário, ex-candidato às eleições presidenciais em Portugal e Presidente da Frente Cívica) escrevia aqui no Folha 8:
“É com homens como Marcolino Moco que Angola tem de arrancar para um outro futuro. Só homens amantes mais do seu povo do que do poder ou dinheiro, poderão desviar Angola do percurso suicida em que se encontra esta comunidade colectiva. Angola necessita de uma Perestroika à africana, liderada por um novo Gorbatchov que mude o rumo político deste que é um dos mais belos e ricos países do mundo. Esta mudança de rumo tem de ter lugar sem violência ou guerra, sob a tutela de uma comissão internacional do tipo da “Verdade e Reconciliação “que Mandela instituiu na África do Sul.
Cabe a pessoas com vontade, vigor e perseverança e autoridade política encontrar os caminhos do futuro de Angola. Marcolino Moco, face às posições críticas que vem tomando face ao poder vigente, e a par dos mais desassossegados do MPLA, não pode virar as costas a este desafio.”
Hoje, depois de – como reconheceu várias vezes – dizer que “caiu que nem um patinho”, Marcolino Moco terá reencontrado o caminho para o Povo. Será?
“Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido”, afirmou Marcolino Moco no dia 21 de Agosto de 2017.
Questionado na altura sobre se admitia voltar a trabalhar directamente com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: “Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão”.
Uma aproximação que, insistia Marcolino Moco, surgiu como benefício da dúvida quando o partido estaria em renovação (trocar seis por meia dúzia), com a saída de José Eduardo dos Santos.
“Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximação repentina à minha pessoa. Uma aproximação que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo”, disse.
Após encontros com João Lourenço que descreveu como “breves mas significativos”, Marcolino Moco conclui com o aviso: “Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa”.
Futuro será futuro ou o passado no presente?
Em Julho de 2017, dezenas de pessoas reuniram-se, em Lisboa, para discutir o futuro de Angola. Vários participantes consideram que as eleições de Agosto desse ano poderiam ser “um momento de viragem” para o país.
Eis o artigo publicado no dia pela DW sobre este assunto:
«O encontro, promovido pelas associações não-governamentais Frente Cívica e Transparência e Integridade e pelo jornal angolano Folha 8, contou com a participação de Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro de Angola, José Marcos Mavungo, economista, filósofo e activista dos Direitos Humanos, e Sedrick de Carvalho, jornalista e activista político do grupo dos 15+2. A iniciativa, que decorreu sob o tema “Angola, Que Futuro?”, antecipa as eleições gerais marcadas para 23 de Agosto deste ano.
No debate, William Tonet, jornalista angolano, afirmou que “é preciso refundar Angola com base numa Constituição”. O também director do jornal Folha 8 disse ainda que, na sua opinião, o país é gerido apenas por linhas do constitucionalismo e não por uma Constituição.
Em entrevista à DW, à margem do evento, Marcolino Moco considerou que as próximas eleições constituem uma oportunidade única de mudança geracional em Angola. Afirmando que “o futuro depende sempre daquilo que fizermos agora”, o antigo primeiro-ministro de Angola frisa que se têm “perdido várias oportunidades”. “Seja qual for o resultado eleitoral teremos novos atores. Aquele que for eleito Presidente [da República] tem muitos poderes. Esperemos que os aproveite no sentido positivo e não no sentido trivial de acumular bens materiais para si e para os seus parentes”, acrescenta. Na mesma ocasião, o ex-primeiro ministro angolano lançou o apelo de mobilização para a mudança no país.
Marcos Mavungo, economista e activista dos Direitos Humanos, também defende a mudança política em Angola, apesar dos obstáculos e práticas do regime no poder que, a seu ver, põem em causa a democracia, minada também pela injustiça e pela corrupção.
Também Sedrick de Carvalgo, um dos 17 jovens activistas presos e julgados pelo regime de Luanda, falou à DW em defesa de uma democracia efectiva. Para o angolano, o facto de o “novo [candidato a] Presidente ser escolhido a dedo por José Eduardo dos Santos” é indicativo de que será “alguém que vai, pelo menos, seguir as marcas do seu antecessor”. Pode-se antever por isso, acrescenta, que “João Lourenço vai agir de forma maldosa, tal como tem agido o seu mentor, digamos, quem o indicou. E, certamente, vão ser anos difíceis para todos. É bom o facto de José Eduardo dos Santos não estar [mais na corrida eleitoral] porque isso também revitaliza as nossas forças para continuar a lutar. Afinal de contas, é possível escorraçar um indivíduo que está há muito tempo no poder”.
Segundo João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, o que se pretende com esta iniciativa conjunta, em Lisboa, é “dar uma prova de vitalidade e diversidade da sociedade civil angolana e mostrar que o debate político não é exclusivo dos partidos ou dos candidatos, mas que há expectativas e exigências cívicas para o desenvolvimento de Angola a que os partidos têm de dar resposta”.
À DW África, Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, um dos promotores deste debate, afirmou que as próximas eleições constituem um momento de viragem para Angola. “Se houver uma capacidade dos angolanos em primeira instância, no momento de votar, provocarem uma mudança votando livremente na força política que entenderem, que leve a que a curto prazo se diminua a corrupção, então no médio e no longo prazo, poderemos vir a ter algum desenvolvimento para Angola e para os angolanos”, considerou.
Para este activista, que se tem batido contra a corrupção tanto em Portugal como em Angola, Portugal é onde se encontram os aliados do sistema corrupto e selvagem angolano. Por isso, defendeu, a corrupção angolana é uma questão que “todos temos de discutir, porque os seus efeitos não têm limites territoriais. Como tal, acrescentou, “a luta contra a corrupção não pode ter fronteiras”.
Antes do debate, foi também Paulo de Morais quem fez a apresentação do livro de Wiliam Tonet, “Cartilha do Delegado de Lista”. Trata-se de um guia prático para que os delegados das listas candidatas às próximas eleições angolanas possam zelar pela integridade do processo democrático.»
Foto: No dia 5 de Julho de 2017, o hotel Mercure, em Lisboa, acolheu a Conferência “Angola, Que Futuro?”, uma iniciativa conjunta das associações portuguesas Frente Cívica e Transparência e Integridade e do jornal angolano Folha 8.
Folha 8 com Lusa