BOA VIAGEM, EMBAIXADOR!

Quase dois anos depois de chegar a Angola, o embaixador português Pedro Pessoa e Costa vai trocar Luanda por Oslo (Noruega), passando o posto a ser ocupado por Francisco Alegre Duarte.

A mudança, bem como os nomes, já circulava há alguns meses nos meios diplomáticos, mas só recentemente foi concretizada de forma oficial com a nomeação de Francisco Alegre Duarte como novo embaixador de Portugal em Luanda a 24 de Dezembro, enquanto Pedro Pessoa e Costa viu esta semana publicada a sua nomeação para embaixador de Portugal em Oslo.

Para Pedro Pessoa e Costa, a mudança que acontece cerca de dois anos depois de assumir o cargo, nada tem de anormal, decorrendo da rotatividade diplomática.

Em declarações à Lusa, o embaixador sublinhou que se mantém num posto pelo “tempo que o Estado português entende que for necessário” e faz um balanço “extremamente positivo” da sua passagem por Angola, tanto em termos pessoais como profissionais.

“É difícil encontrar um posto que seja tão interessante, tão desafiante, tão aliciante e, por vezes, tão extenuante como Angola”, onde a sua chegada coincidiu praticamente com o início da pandemia, tendo Angola encerrado fronteiras a 21 de Março.

“Aquela máxima, primeiro estranha-se, depois entranha-se aplica-se muito aqui a Angola”, disse, sublinhando que “aprecia cada vez mais Angola e o povo angolano” e que a relação entre Portugal e Angola “é única”

Assumindo que a sua passagem foi muito limitada pela pandemia, o que exigiu esforços suplementares da diplomacia portuguesa, para apoiar os voos de repatriamento/humanitários durante os meses em que as ligações aéreas estiveram suspensas, apontou ainda assim uma maior aproximação com a comunidade e as empresas portuguesas como uma das marcas do seu mandato.

Estima que tenha tido reuniões com quase uma centena de empresários portugueses e visitado mais de três dezenas de empresas. “Assegurei a proximidade que parecia estar ausente e que parece se reconhecida por muitos”, disse, realçando o lançamento recente do fórum Portugal-Angola como uma oportunidade para que a comunidade empresarial em Angola crie mais laços e dê mais visibilidade às suas competências.

E se já tinha “boa imagem” das empresas portuguesas, esta saiu reforçada depois de ver como trabalham em Angola, afirmando que estão preparadas para se reinventar e diversificar áreas de actividade, e para enfrentar a entrada de novos concorrentes, face às investidas de Angola na busca de investidores internacionais

“(As empresas portuguesas) criam emprego e mantiveram esse emprego durante a crise, essas empresas estão sempre a reinventar-se e começaram também a diversificar-se”, realçou, salientando que, para estar no mercado angolano, é preciso entendê-lo, sendo a partilha da mesma língua também uma vantagem no mundo dos negócios.

“Até que vários angolanos prefiram um vinho chileno a um português ainda levará muito tempo, nós temos um passado comum e uma ligação afectiva”, declarou Pedro Pessoa e Costa. De resto, “tudo está em mudança constante” e as empresas até poderão fazer parcerias com as de outros países, sugere.

Quanto às eleições gerais que se avizinham, marcadas para Agosto, e que já não irá acompanhar, admite que exista um aumento das tensões políticas e sociais, “o que não é um exclusivo de Angola, pois qualquer período eleitoral é um momento de tensão em qualquer país”.

“O que eu espero, porque acredito no futuro do país, é que cada vez mais estes processos eleitorais sejam normalizados. Estou certo de que serão feitos esforços da parte de todos os partidos para que o acto eleitoral seja também um apelo ao civismo e a cidadania dos angolanos, tanto os que vivem em Angola como os da diáspora, e que tudo irá correr bem”, disse o diplomata.

Reiterando “o respeito grande” que sente pelo povo angolano “que merece sempre o melhor”, Pedro Pessoa e Costa conta mudar-se para a terra do bacalhau no decurso dos próximos dois meses, aproveitando este período para as despedidas em Angola, mas também para se preparar para o novo posto.

PS e MPLA amam-se, mas vão amar-se… mais

Pedro Pessoa e Costa abordou, no dia 30 de Junho de 2021, com a vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, partido no poder há 46 anos, a relação bilateral entre os dois países, reiterando a contribuição do Governo português com vacinas contra a Covid-19 para o país. Por outras palavras, o interlocutor do Governo português era (e assim continuará) o MPLA e não o Governo, embora na prática seja uma e a mesma coisa.

Pedro Pessoa e Costa, que falava no final do encontro com Luísa Damião, vice-presidente do MPLA, disse que foram passados em revista aspectos da relação bilateral (PS/MPLA? Governo de Lisboa e de Angola?), aproveitando também para felicitar as autoridades angolanas sobre o esforço que tem vindo a fazer no combate à pandemia de Covid-19.

O diplomata português frisou que realçou igualmente o esforço que é feito e tem vindo a ter resultados no combate à corrupção, que deve ser entendido como de todos, para que haja reformas e Angola seja cada vez mais uma referência no continente africano e no mundo. Para Pedro Pessoa e Costa, a corrupção tem que ser cada vez mais entendida como algo que hipoteca o presente de muita gente.

“Tive a oportunidade de falar também sobre o tema da vacinação, sobre a importância da vacina e que este processo de vacinação seja cada vez mais democrático e disse que Portugal reitera o seu compromisso com a atribuição aos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] de 5% das vacinas que adquire, o que significa cerca de um milhão de vacinas Covid-19 para os PALOP e Timor-Leste”, afirmou.

Segundo o embaixador português, a cooperação bilateral entre os dois países (pelo exemplo dado será mais entre PS e MPLA) é “muito especial, de grande cumplicidade, de grande amizade, e que vai mais além da relação entre governos, entre países, é uma relação de povo”.

Pedro Pessoa e Costa admitiu que a pandemia de Covid-19 teve um impacto negativo nas relações comerciais, contudo, as empresas portuguesas continuaram presentes no mercado angolano.

“As empresas portuguesas não vêm ao mercado angolano, as empresas portuguesas estão no mercado angolano, com os angolanos, fazem verdadeiras parcerias, capacitação de talento angolano, o que faz toda a diferença nesta relação”, sublinhou.

Internacional sócios-à-lista

O MPLA pertence à Internacional Socialista (IS). O português PS também. Os socialistas portugueses, mau grado uma ou outra voz discordante, continuam na posição em que mais gostam de estar e que, aliás, parece estar no seu ADN: de cócoras perante as ditaduras ricas de África, neste caso perante o dono de Angola.

E assim sendo, não se cansa de elogiar o MPLA, mesmo sabendo que o regime está no topo dos mais corruptos e violadores dos direitos humanos, entre outras “qualidades”, atribuindo-lhe os méritos de uma não só boa como exemplar governação. E se o PS o diz…

Não fosse o drama do Povo e até seria uma anedota simpática. Não deixa, contudo, de ser uma eficiente operação de branqueamento.

“A Internacional Socialista segue com muita atenção e satisfação os progressos de Angola e reconhece que os avanços são reflexos da boa governação do partido no poder”, já dizia em Março de 2017 o então secretário do bureau político do Comité Central do MPLA para as relações internacionais, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, adiantando que a organização estava muito satisfeita com o trabalho do MPLA de uma forma geral.

O também, na altura, secretário-geral do MPLA, referiu, entretanto, que os membros da Internacional Socialista destacaram positivamente a organização e estruturação do seu partido, o que o anima a continuar a trabalhar com a mesma determinação e fortalecer-se cada vez mais. O que significa trabalhar para os (seus) poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco ou… nada.

No regime político português, o MPLA colhe apoios na (quase) totalidade do espectro partidário. Desde o Partido Comunista, de quem recebeu o poder aquando da independência, à ex-maioria governamental, social-democrata e democrata cristã. Está ainda fortemente irmanado com o Partido Socialista, seu parceiro na Internacional Socialista, bajulador de primeira linha e invertebrado há longos anos.

Recorde-se que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, também à época líder do MPLA, foi recebido há poucos anos com honras militares no Palácio do Eliseu, em Paris, pelo homólogo francês e camarada na Internacional Socialista, François Hollande.

A visita, doze anos depois do caso “Angolagate”, relançou a cooperação socialista na estratégia de limpeza de imagem e de branqueamento de um regime politicamente moribundo mas economicamente pujante.

François Hollande e o seu Partido Socialista estavam apenas interessados que as petrolíferas francesas, entre outras empresas, regressassem rapidamente e em força a Angola, do que em se preocupar com os valores éticos em que se baseia a própria França. Paris achava, à luz desses valores éticos e apesar de ter engavetado o socialismo, que Eduardo dos Santos era uma besta. Mas quando olhava para a economia, substituía a palavra besta por bestial. Hoje com João Lourenço passa-se o mesmo.

Só por mero desconhecimento dos elogios da IS ao MPLA é que a organização não-governamental Corruption Watch condenou a decisão da Suíça de não reabrir o caso “Angolagate”, uma decisão que punha em causa a vontade das autoridades suíças de acabar com o crime financeiro.

“Obviamente, tanto nós, Corruption Watch, no Reino Unido, como a Associação Mãos Livres, em Angola, estamos extremamente desapontados e surpresos perante esta decisão”, disse na altura o seu director, Andrew Feinstein.

Recorde-se que, em Abril de 2013, um relatório intitulado “O acordo corrupto de dívida Angola-Rússia” serviu de base a uma denúncia penal, depois descartada pelo Ministério Público suíço, que considerava que esta denúncia [de cidadãos angolanos e da Corruption Watch] não apresentava nenhum elemento novo que justifique uma reabertura do procedimento”.

A razão foi, contudo, outra. Tudo se deveu ao facto de o caso criar uma série de dificuldades em relação a informações adicionais sobre correntes de dinheiro que podiam estar (como mais tarde se confirmou) ligadas à corrupção através de contas bancárias suíças.

Apesar de o Ministério Público suíço alegar a inexistência de novos elementos que justifiquem a reabertura do processo, a Corruption Watch garantia que foram apresentadas questões que não estavam disponíveis na altura dos mais recentes procedimentos penais do Ministério Público de Genebra, em 2010.

Aliás, um dos protagonistas do “Angolagate” terá aberto contas bancárias em Chipre, através das quais fez elevadas transferências de dinheiro, desconhecidas tanto pelo tribunal de Genebra como pelos seus próprios parceiros de negócio, que o terão processado duas vezes fora da Suíça.

Relembre-se que, por exemplo, o partido fundado por Hosni Mubarak no Egipto, durante décadas no poder, estava integrado na Internacional Socialista, sendo por isso, como já em 2011 lembrava o especialista angolano Eugénio Costa Almeida, “interessante ver como muitos partidos ditos democráticos, mas com práticas bem autocratas e ditatoriais e no poder há muitos anos, alguns há mesmo mais de vinte anos, são aliados ou associados da Internacional Socialista.”

Angola é uma ditadura? Formalmente não, de facto sim. Mas o que é que isso importa à Internacional Socialista no geral e ao Partido Socialista de Portugal, em particular? A esta organização – como à CPLP, à UA, à ONU – só interessa saber se tem petróleo. Se tem, e tem muito, coisas menores como os direitos humanos, a democracia, a liberdade, a cidadania, a justiça social são mesmo isso – menores.

Na altura, “Dino Matrosse” bem poderia perguntar: Se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do socialismo, mesmo que os seus líderes sejam hoje bestiais e amanhã umas bestas, por que carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola e ao MPLA?

Como diz o MPLA, seja pela boca dos seus dirigentes ou através dos sipaios espalhados pelos areópagos de Luanda e Lisboa, ninguém dá crédito a partidos como o português Bloco de Esquerda que, entre outras coisas, acusou – recorde-se – o Governo de Passos Coelho de admirar “tiranos” e de se remeter a “silêncios” em matéria de política externa.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment