O procurador-geral da República de Angola, general Hélder Pitta Grós, disse hoje, em Luanda, que este ano foram instaurados cerca de 700 novos processos-crimes relacionados com a actividade económica e financeira.
Hélder Pitta Grós, que se dirigia numa mensagem de fim de ano aos funcionários da Procuradoria-Geral da República (PGR), referiu que especial atenção continua a ser dada no combate “ao crime de colarinho branco”, nomeadamente peculato, corrupção passiva e activa, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócios, branqueamento de capitais e todo o tipo de crime económico e financeiro. Ou seja, a fazer fé mo general, existe um combate a tudo aquilo que há 46 anos constitui a verdadeira identidade do MPLA.
Segundo o procurador-geral angolano, outros cerca de 500 processos de inquérito foram instaurados, bem como foram instruídos para julgamento 98 processos, seis dos quais resultaram já em condenações efectivas.
“Dos processos em causa foram apreendidos valores monetários, residências e viaturas e outros bens diversos considerados objectos ou produto ou vantagem do crime, que serão perdidos a favor do Estado, quando decisões de condenação transitarem em julgado, assim como empresas, sendo que algumas já foram privatizadas como as indústrias têxteis e a rede de supermercado ‘Kero'”, salientou.
Hélder Pitta Grós referiu ainda que este ano, no âmbito de um decreto presidencial foi atribuído à PGR, enquanto órgão procurador, assim como também aos tribunais, uma percentagem de 10% do valor dos activos definitivamente recuperados a favor do Estado.
“Medida que consideramos acertada, não apenas por não ser nova na nossa realidade política, mas também sobretudo por se tratar de recomendação dos organismos internacionais que monitorizam os avanços dos países na estratégia de prevenção e combate à corrupção e branqueamento de capitais”, salientou.
No entanto, prosseguiu Hélder Pitta Grós, “a PGR ainda não beneficiou de nenhum valor monetário correspondente à sua actuação em matéria de recuperação de activos, pois decorrem diligências administrativas procedimentais para que se materialize o referido Decreto Presidencial”.
No domínio da cooperação internacional, o procurador-geral da República de Angola destacou que a PGR celebrou um importante memorando de entendimento com o Conselho Federal Suíço sobre assistência jurídica internacional em matéria penal, instrumento que irá viabilizar as acções de cooperação com as instituições congéneres de combate à corrupção e branqueamento de capitais.
Com os Emirados Árabes Unidos, foram estabelecidos contactos e trocas de documentação para a celebração de memorando de entendimento com a respectiva Procuradoria-Geral da República, bem como foi também lançado o projecto conjunto com a União Europeia para o reforço das capacidades de recuperação e activos da PGR.
“Por outro lado, Angola representada pela Procuradoria-Geral da República, foi eleita coordenadora da rede de recuperação de activos das procuradorias da Comunidade de Países de Língua Portuguesa [CPLP], criada no encontro de procuradores-gerais da CPLP em Agosto de 2021 em São Tomé e Príncipe”, frisou Hélder Pitta Grós.
Para 2022, o PGR angolano indicou como desafios potenciar o Conselho Superior do Ministério Público, assumindo de facto a gestão e formação dos seus magistrados, igualmente ter em conta que entrará em funcionamento a figura do juiz de garantias, havendo necessidade de adaptação ao novo modelo inaugurado pelo Código de Processo Penal angolano relativo aos actos processuais na instrução preparatória e contraditória dos processos-crimes.
Em ano de previsíveis eleições gerais, a PGR compromete-se a realizar programas e campanhas de educação jurídica e cívica para que “o período eleitoral seja observado com o respeito à legalidade, à pluralidade, pelos direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos”.
“Realçar que para melhor funcionamento e organização da Procuradoria-Geral da República é urgente que tenhamos uma sede própria, sem a qual não podemos dar resposta mais adequada aos inúmeros desafios que se nos apresenta”, disse Hélder Pitta Grós.
O PGR angolano frisou que actualmente quase todos os municípios do país beneficiam de atendimento da PGR, quer com carácter permanente quer de forma itinerante.
De acordo com Hélder Pitta Grós, visando a formação contínua quer dos magistrados do MP quer dos técnicos de justiça foram realizadas acções de formação algumas de iniciativa própria, outras em parceria com o Instituto Nacional de Estudos Judiciários, e outras em Portugal, sob a égide de um protocolo de cooperação com a Universidade de Coimbra.
29 de Março de 2018. A PGR analisou neste dia, em Luanda, a forma como os magistrados devem envolver-se na luta contra a corrupção, sobretudo os do Ministério Público, numa altura em que decorriam investigações a elementos da elite do país e em que se tornou tristemente visível que a PGR não sabia o que anda a fazer.
Segundo o porta-voz do XXIV Conselho Consultivo Alargado da PGR, que em29 de Março de 2018, terminou na capital angolana, durante o encontro foi abordada a actuação dos magistrados do Ministério Público, a condução e celeridade dos processos, “sobretudo que envolvem crimes financeiros”.
No final do encontro, e sem adiantar mais pormenores, Gilberto Mizalaque explicou que a reunião serviu igualmente para analisar o Projecto de Código do Processo Penal, com vista a melhoria do documento.
“O Ministério Público vai ver, de algum modo, as suas funções alteradas e tivemos a necessidade também de abordar qual será o novo figurino do Ministério Público no âmbito do novo Código do Processo Penal”, referiu.
Nesse sentido, acrescentou Gilberto Mizalaque, foram avançadas algumas propostas, internamente, bem como questionados alguns preceitos legais, para possíveis melhorias.
“O que se prevê é a criação do chamado juiz de garantias, que vai realizar o primeiro interrogatório e vai legalizar as prisões, actividade esta que era acometida ao Ministério Público, aqui agora há necessidade de repensar a nossa actuação em função do novo figurino legal que se avizinha nos próximos tempos”, salientou.
Durante dois dias, foi apresentado um relatório anual de actividades de diferentes órgãos, nomeadamente Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), Serviço de Investigação Criminal (SIC) nacional e de Luanda e Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), aprovado com algumas emendas.
Durante os trabalhos, antes do arranque do conselho consultivo, a PGR confirmou oficialmente que figuras como José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e Valter Filipe, anterior governador do Banco Nacional de Angola, foram constituídos arguidos, numa investigação à transferência ilegal de 500 milhões de dólares para o exterior do país.
Num outro processo, e também nessa semana, a PGR confirmou publicamente e sem disso ter dado antes conhecimento ao visado, que o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general do Exército Sachipengo Nunda, e o porta-voz nacional do MPLA, Norberto Garcia, tinham sido constituídos arguidos numa investigação à alegada tentativa de burla ao Estado angolano, no valor de 50 mil milhões dólares.
O PGR, general Hélder Pitta Grós, reconheceu que “não foi correcto” que o general Geraldo Sachipengo Nunda tenha tomado conhecimento de que foi constituído arguido através da imprensa.
Talvez o PGR não tenha culpa. Segue apenas o que era prática numa instituição partidocrática que tão bem conhece e que tinha, aliás, no anterior chefe, general João Maria de Sousa, o exemplo acabado de quem transformou a PGR numa correia de transmissão das ordens do MPLA. Pitta Grós reconheceu que no caso do general Sachipengo Nunda a PGR cometeu uma falha.
“Nós devíamos tê-lo feito no local próprio, no sítio certo, mas, como disse, há falhas, nós somos seres humanos, estamos agora numa nova situação e estamos todos a aprender. Hoje tropeçamos, mas o importante é que cada vez que tropeçamos conseguimos levantar e caminhar”, disse o PGR.
Hélder Pitta Grós bem pode desculpar-se com a falta de experiência. É uma desculpa esfarrapada. Não se trata de inexperiência. O que se passou, ainda para mais tratando-se do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, só tem um nome: incompetência.
Recorde-se que, através da Imprensa, o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas ficou a saber que foi constituído arguido no processo de crime de tentativa de burla ao Estado de 50 mil milhões dólares.
O anúncio foi feito através dos jornalistas por Luís Ferreira Benza Zanga, que é também sub-procurador-geral da República de Angola e director da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), salientando que o general Sachipengo Nunda se juntava a outros três generais também constituídos arguidos, em liberdade, neste processo.
“Nesse processo temos constituído arguidos quatro generais, dos quais já foi ouvido um, e a última nota que tivemos o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas já foi constituído arguido e vai ser ouvido nesta qualidade”, afirmou.
Código do Processo Penal “made in Angola”
O Parlamento do MPLA aprovou em Janeiro de 2019 o novo Código do Processo Penal (CPP) angolano que demorou dez anos a consensualizar e outros 133 para alterar leis e procedimentos que datam de 1886, do tempo da administração colonial portuguesa.
O documento passou no crivo dos deputados angolanos com 155 votos a favor, um voto contra do Partido de Renovação Social (PRS) e sete abstenções de alguns deputados da CASA-CE.
O diploma legal respeita a identidade nacional, alguns pressupostos que estão de acordo com a cultura angolana, actualizando uma “legislação desajustada” à actual realidade do país e optimizando a celeridade e eficiência processuais.
Por outro lado, veio definir competências claras dos distintos sujeitos e participantes processuais na investigação, instrução e julgamento dos processos e reforçar a garantia dos direitos dos arguidos, testemunhas, vítimas e demais intervenientes processuais.
A reformulação dogmática do regime de provas, da admissibilidade de novos meios de provas e dos mecanismos da sua obtenção e a definição rigorosa da estrutura do processo penal, bem como a clarificação das fases processuais e princípios reitores de cada uma delas são outros pontos novos desta proposta de lei.
No quadro do combate à corrupção, o novo código limita as transacções em dinheiro, para prevenir a circulação de grandes somas monetárias fora do sistema financeiro (bancos, seguros e mercado de capitais).
A limitação não era abrangida pela legislação e permitirá “disciplinar e punir algumas práticas que prejudicam o mercado financeiro”.
A ideia é evitar que as pessoas guardem elevados volumes de dinheiro, retirados do circuito financeiro, em armazéns, contentores ou em outros locais menos próprios, garantindo-se maior segurança à moeda, bem como às economias pessoais e maior fluidez ao sistema financeiro nacional.
O novo diploma alterou também os pressupostos do segredo do Estado, para o qual foi optimizado o regime da sua evocação, para efeitos de reserva de provas, e a competência institucional para a legitimação da sua quebra, invertendo a responsabilidade do ónus da prova, passando a recair sobre aquele que evocar o segredo de Estado, ainda que em fórum reservado.
Relativamente à garantia de direitos e liberdades fundamentais na fase de instrução preparatória é institucionalizada a figura do “juiz de garantias” (que agora o PGR diz que entrará em funcionamento em 2022), cujo papel é o de assegurar a intervenção judicial nessa fase de instrução, quando seja necessário aplicar medidas cautelares, com destaque para as privativas de liberdade e outras medidas de diligências que afectem direitos e liberdades fundamentais.
O novo Código Penal pretende também melhorar substancialmente o regime das garantias processuais de defesa da liberdade individual, com destaque para um tratamento mais rigoroso da providência dos “habeas corpus’, optimizando-a como providência extraordinária e expedita para a privação ilegal da liberdade, levando em consideração a realidade jurídica angolana.
O MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, considerou “genuinamente angolano” o novo Código de Processo Penal (CPP), referindo que o diploma anterior da época colonial portuguesa “não dava dignidade à pessoa”.
Em Setembro de 2014 foi anunciado que Angola deveria contar já nesse ano com um novo Código Penal, resultado da revisão, já então concluída, da legislação em vigor, segundo disse o juiz que liderava a comissão responsável pelo processo de reforma da Justiça.
Então, de acordo com o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, Raul Araújo, que coordenava a Comissão de Reforma da Justiça e do Direito (CRJD), o novo Código Penal já fora colocado em consulta pública e as alterações decorrentes incluídas na versão final do documento.
A tipificação do crime de branqueamento de capitais era uma das novidades previstas na nova legislação, elaborada por uma equipa técnica apoiada pela CRJD, entregue em 2014 ao então ministro da Justiça e Direitos Humanos, Rui Mangueira.
“Pensamos que o Código Penal está em condições de seguir o seu tratamento devido, uma vez que a consulta pública foi feita. Se tudo correr bem [falta a aprovação em Conselho de Ministros e Assembleia Nacional] podemos ter este ano o código penal aprovado”, explicou Raul Araújo.
A reforma do Código do Processo Penal angolano era outro instrumento a alterar, neste caso ainda em processo de revisão, esclareceu o coordenador desta comissão de reforma.
A comissão de reforma foi criada pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em Novembro de 2012. Produziu onze diplomas relacionados com a organização e funcionamento dos tribunais comuns, revisão do Código Civil, Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil.
A face mais visível desta reforma implicava, a partir de 2015, a extinção dos 18 tribunais provinciais de competência genérica e dos tribunais municipais. Passariam a existir 60 tribunais de comarca em todo o país, cada um podendo agregar vários municípios dentro da mesma província.
Folha 8 com Lusa