Em Janeiro de 2007 (sim, 2007) escrevi o texto que se segue: Perguntei hoje à minha sombra (velha companheira dos dias sem pão e dos pães sem dias) se concordava em que eu escrevesse algo a dizer que o Jornalista angolano William Tonet é o herói do verdadeiro Jornalismo em Angola. A resposta foi lapidar: “Sem dúvida” (mal fora se ela dissesse o contrário). E se estamos de acordo, é mesmo sobre isso que vou escrever.
Por Orlando Castro
Uma rápida consulta ao dicionário permite-me dizer que herói é “um homem extraordinário pelas suas qualidade guerreiras, triunfos, valor ou magnanimidade”.
Enquadra-se, digo eu. O Tonet há muito que mostrou ter qualidades guerreiras. Se assim não fosse não teria sobrevivido à “selva” onde exerce a sua profissão. Triunfos? Sim, teve muitos, destacando-se desde logo o facto manter um jornal independente e uma coluna vertebral erecta.
Magnanimidade? Também. Mas esta é uma explicação que, no meu caso pessoal, reservo para mais tarde. Isto significa boas novidades (espero) muito em breve.
Herói também é “o protagonista ou personagem principal de uma obra literária”. Não é, por enquanto, o caso. Sê-lo-á certamente um dias destes. Hoje é apenas o protagonista deste meu humilde texto.
Acredita, meu caro Tonet, que essa tua tenaz luta para dar voz aos que a não têm é um acto de heroicidade, por muito que isso custe a alguns supostos heróis… de pés de barro.
Como também és daqueles que nunca serão derrotados porque nunca deixarás de lutar, mereces este reconhecimento (se bem que pouco útil te seja!).
Continuemos, por isso, a fomentar a criação de pulgas…
(O texto acima foi publicado no dia 3 de Janeiro de 2007 no Alto Hama – http://altohama.blogspot.pt).
William Tonet cresceu como “criança soldado”. O seu pai foi um dos fundadores da 1ª Região Político-Militar do MPLA. Aos 8 anos de idade já dominava as comunicações militares. Foi dos mais novos comandantes militares, com 16 anos de idade.
Esteve na Cadeia de São Nicolau, com o seu pai, preso, quando tentavam abrir uma região político militar do MPLA, no Huambo, em 1968.
Foi um dos que implantou a organização dos pioneiros do MPLA, OPA, em Luanda, e foi um dos comandantes que levou o porta-bandeira, em 11 de Novembro de 1975, no dia da proclamação da Independência. Foi igualmente um dos impulsionadores das estruturas juvenis da JMPA, nas fábricas e locais de trabalho, em 1975/6.
Trabalhou no gabinete do então ministro da Administração Interna, comandante Nito Alves, sendo responsável das comunicações e dos assuntos juvenis.
Esteve preso em 1977 (na sua família estiveram quatro presos: ele, o pai e dois tios que foram enterrados vivos),
Em 1979 entrou para os quadros da TPA, como assistente de câmara, depois de ter sido expulso do Jornal de Angola, por Costa Andrade, Ndunduma, acusado de ligações aos chamados fraccionistas.
Na televisão teve programas de grande audiência, destacando-se o Horizonte, dedicado à juventude e com este programa contribuiu decisivamente para as transmissões em directo. Tendo um espectáculo no Sporting de Luanda, sido o primeiro directo da TPA.
Foi o primeiro delegado da TPA (Televisão Pública de Angola) em Benguela e professor do ensino secundário, no Ciclo Velho.
Criou um programa Panorama Económico no período de partido único. Constituiu uma novidade, para a época. Valeu-lhe muitos amargos de boca, tendo estado este na origem da sua saída da TPA.
Foi quadro fundador da Delegação da LUSA em Angola, com Sérgio Soares, sendo o primeiro jornalista angolano a trabalhar como tal na Voz da América e a cobrir os dois lados do conflito (período da Guerra Fria, entre UNITA e MPLA).
É o jornalista que mais se especializou na cobertura do conflito militar angolano, conhecendo e mantendo relações com os dois beligerantes.
Em 1991, fruto dessas relações privilegiadas foi o primeiro mediador do conflito angolano, colocando pela primeira vez, sentados à mesma mesa, militares das Forças Armadas governamentais e da UNITA, que rubricaram um acordo de 19 pontos, no Luena, no Alto Kauango, a 19 de Maio de 1991. Acordo esse rubricado pelo chefe do Estado Maior das Forças Militares da UNITA, FALA, general Arlindo Chenda Pena “Ben Ben” e pelo chefe das Operações das Forças Militares do MPLA, coronel Higino Carneiro. Este terá sido um acordo determinante para a assinatura dos Acordos de Bicesse.
Sem estes, talvez, em 31 de Maio de 1991, não tivesse sido possível o de Portugal, uma vez que os militares, no terreno, continuavam a lutar.
Criou a primeira produtora privada de televisão, responsável entre outras da divulgação das imagens via satélite da realidade do conflito militar e social de Angola para o mundo, nomeadamente, para a CNN, CBS e em Portugal para a SIC.
Em Portugal, antes da liberalização do espectro da rádio, teve uma emissora pirata na Pontinha. Fez parte do grupo fundador da TSF com Emídio Rangel e da SIC, primeira televisão privada em Portugal.
Trabalhou no semanário “O Jornal” e na revista Visão.
É o jornalista angolano, preso mais vezes pelo regime, fruto da sua liberdade de pensamento e com mais processos judiciais: Já há muito passou a fasquia dos 100.
Hoje, com a “farda” do Folha 8 vestida (com honra e orgulho), talvez este seja um elogio que alguns (os mesmos de sempre) considerem impróprio. Na verdade, fazendo meus os sentimentos de todos os que hoje integram a equipa do Folha 8 (bem como de outros que nos ajudaram a ser mais do que um Jornal e que, por razões legítimas, estão noutras frentes de combate, para além do Povo a quem damos voz), William Tonet é para nós um herói de Angola e, também, o maior exemplo do verdadeiro Jornalismo angolano.
Por isso, Caro Director, Obrigado.
Foto: António Ribeiro, William Tonet e Orlando Castro