Muitas vezes as pessoas ao se saudarem em despedida desejam umas às outras: Tudo de bom! Com isso formulam desejos de que tudo corra pelo melhor aos amigos e conhecidos. Angola deve sofrer de uma qualquer mala pata.
Por Carlos Pinho (*)
Olhando para trás, o que me fica na memória é uma combinação explosiva de incompetência, indignidade, intransigência, incompreensão e ingratidão. Angola, por razões para mim obscuras, foi amaldiçoada por alguém que na altura da partida do império colonial português, lhe desejou: Tudo de mal!
Só pode ser! Não há qualquer outra possibilidade. Seriam os colonialistas ressabiados por perderem a última jóia do império, que lhe lançaram tamanho opróbrio? Bom, esta é seguramente a justificação do MPLA, e a meu ver dos outros dois movimentos independentistas, FNLA e UNITA. Mas isto sou eu a pensar, um “angopula”, que por ser filho de portugueses não tive direito à nacionalidade angolana, a menos que tivesse andado a cantar hossanas a qualquer um destes três movimentos.
Ah! Mas eu sou daqueles que sempre tiveram dúvidas quanto à ética e capacidade governativa dos líderes dos três movimentos, e por arrasto de toda a maioria constitutiva de tais movimentos. Podem chamar-me pró-colonialista, neocolonialista, racista, e outros adjectivos politicamente correctos.
A verdade é que a sociedade civil angolana não foi tida nem achada na altura da constituição de governos de transição e em todo o processo conducente à chegada à data da independência.
Quer os movimentos “ditos” (escrevo “ditos” entre aspas porque a evidência experimental demostrou à sociedade e à saciedade, que o cidadão angolano comum não se libertou das amarras de antanho) de libertação, quer as novas autoridades portuguesas (os Pro MFA), todos pactuaram no sentido de eliminarem quaisquer tentativas de participação da grande massa anónima, na construção de um novo país. Era o caminho para o “socialismo” (de súcia, é claro) que interessava. E a evidência experimental, tem-me demonstrado até hoje que tinha e tenho razão!
Ao fazerem tábua rasa da maioria da sociedade, considerando-se os únicos indivíduos moralmente autorizados para definirem e construírem os caminhos de futuro de um novo país, os três movimentos e o MFA português, são os responsáveis (morais e não só) pela triste situação da Angola de hoje. E, ironicamente, hoje é publicada a notícia do falecimento de Frederik de Klerk, último presidente sul-africano do apartheid. Um homem que percebeu, ao contrário de todos os dirigentes angolanos e portugueses (estes, os Pro MFA), o sentido dos ventos da história. Foi muito bem secundado e até mesmo ultrapassado (no bom sentido do termo) por Nelson Mandela, de modo que se conseguiu na África do Sul uma transição pacífica, se bem que ainda hoje incompleta, de um regime vergonhoso, para uma sociedade democrática, mesmo que esta ainda apresente muitas limitações.
Em Angola, pelo contrário, além da intransigência mostrada pelos tais movimentos logo na sequência do 25 de Abril de 1974, o comportamento indigno da primeira presidência de Angola lançou o mote para os anos vindouros. Afinal, que outra coisa se poderia esperar de um presunçoso que se auto apelidava como sendo aquele por quem todos esperavam. O resultado é por demais esclarecedor, e o silêncio gritante das vítimas do 27 de Maio de 1977 é algo que nos acompanhará para sempre.
Os que lhe sucederam, mantiveram o status quo de incompetência e incompreensão, e a actual situação social e económica do país é por demais esclarecedora. Numa crónica de hoje, dia 11 de Novembro de 2021, no Novo Jornal, a sua autora, Alexandra Simeão, fala do Homem Mau, a grande criação do MPLA, e de como este partido traiu as aspirações dos angolanos de bem. Nada de novo para quem lê o Folha 8! De facto, o que cresceu e melhorou na Angola independente, foram certas e determinadas contas bancárias. E, ironicamente, muitas dessas contas estão na antiga potência colonial, Portugal. Tenho a certeza que não foram os colonos que as abriram.
Como disse acima, o que fica como sumo destes 46 anos de Angola independente é uma série de adjectivos: incompetência, indignidade, intransigência, incompreensão e ingratidão. A sua ordem é grosso modo arbitrária. Vale aqui a propriedade comutativa.
A indignidade do comportamento do herói nacional, a intransigência dos três movimentos no processo pré e pós-independência, a intransigência do MPLA em aceitar uma verdadeira democracia, a incompreensão dos dirigentes dos três movimentos (partidos) quanto à luta política e social, a ingratidão para com os poucos que ainda vão fazendo funcionar minimamente o país. E a coroar isto tudo, qual cereja no topo do bolo, uma incompetência de bradar aos céus.
E os dirigentes do MPLA e do país, o que é a mesma coisa, lá vão alegremente discursando para uns poucos, as suas clientelas, os seus compadres de esquemas e desvarios.
Aqui de longe, em Portugal, constata-se com espanto que Angola vai perdendo os seus melhores e mais capazes, que decidiram com as pernas o que fazer. Jovens e menos jovens têm emigrado de Angola porque perceberam o logro em que estavam metidos. Uns porque em tempos de paz resolveram regressar ao país e finalmente perceberam, tal como diz o ditado brasileiro, que daquele mato não saía cachorro, outros porque lá vivendo sempre, não tinham feito uma escolha clara e voluntária, mas que por fim, resolveram abandonar o país em busca de melhores perspectivas de vida.
É uma dor de alma ver a cegueira dos governantes de Angola, os esquemas que engendram para torpedear os opositores políticos, recorrendo a manobras que em qualquer país civilizado do mundo os colocaria sob a alçada da justiça. Mas logicamente que em Angola tal não acontecerá, de modo que poderemos esperar calmamente pelo primeiro centenário do país independente, para se ouvir sempre com vigor renovado o slogan tão querido ao partido, “O MPLA é o povo e o povo é o MPLA”.
Com a idade que tenho, de certeza que não irei viver tal terror do centenário. Isto de ir para velho tem bastantes vantagens.
(*) Professor na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
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