O Presidente nominalmente eleito de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, disse hoje que gostaria “imenso” que o seu país assumisse a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 2023, identificando a mobilidade como uma prioridade.
“Eu gostaria imenso que São Tomé e Príncipe assumisse a presidência que por direito de alguma maneira lhe cabe”, afirmou Carlos Vila Nova, eleito Presidente da República são-tomense, à segunda volta, no domingo passado.
Na cimeira realizada a 16 e 17 de Julho, em Luanda, os chefes de Estado e de Governo da CPLP não decidiram qual seria o país a suceder a Angola (cujo Presidente não foi nominalmente eleito) na presidência da organização, afirmando querer esperar a conclusão do processo eleitoral, então em curso, em São Tomé e Príncipe.
Para Carlos Vila Nova, este é um dos “dossiês prioritários” que pretende analisar quando ocupar o Palácio do Povo, a partir do final deste mês.
“É uma decisão que neste momento também não poderia tomar sozinho, até porque ainda não estou em funções. É preciso conhecer o dossiê e é preciso uma análise muito profunda porque ao assumirmos este papel teríamos que o fazer com a dimensão e com a competência que são exigidas a cada país neste exercício”, comentou.
“Temos que encarar e resolver até porque a própria organização não pode sentir-se afectada por uma decisão tomada tardia ou por uma não decisão”, considerou.
Questionado sobre quais seriam as prioridades da presidência temporária da organização lusófona, Carlos Vila Nova respondeu que, “como um país insular, uma das primeiras medidas seria a mobilidade”.
“Por decisão unilateral, São Tomé e Príncipe já deu um grande contributo, um grande passo naquela altura ao permitir a entrada gratuita e livre a todos os países da CPLP sem qualquer condição. Portanto foi um pequeno gesto do mais pequeno país da CPLP”, disse.
Depois de a facilitação da circulação de cidadãos lusófonos ter sido aprovada na cimeira de Luanda, São Tomé poderia procurar “contribuir para a melhoria e efectividade desta situação”, sustentou.
Carlos Vila Nova foi nominalmente eleito no domingo Presidente de São Tomé e Príncipe, à segunda volta, com 57,54%, com um total de 45.481 votos, indicam resultados provisórios divulgados pela Comissão Eleitoral Nacional na madrugada de segunda-feira. O seu adversário, Guilherme Posser da Costa, apoiado pelos partidos da chamada “nova maioria”, obteve 42,46% da votação, com um total de 33.557 votos.
Empresário do sector do turismo e antigo ministro de governos liderados por Patrice Trovoada (Acção Democrática Independente, actualmente na oposição), Carlos Vila Nova será o quinto Presidente são-tomense, sucedendo a Evaristo Carvalho, que realizou apenas um mandato.
Recorde-se que o Presidente da República João Lourenço, que ao contrário de Carlos Vila Nova não foi nominalmente eleito (em Angola em que “vence” o cabeça-de-lista do parto mais votado), felicitou o novo Presidente de São Tomé e Príncipe, e elogiou a “grande maturidade política e democrática do povo são-tomense”.
Através de uma nota da Casa Civil do Presidente da República, João Lourenço referiu que “a forma como decorreu todo o processo”, que culminou com a eleição de Carlos Vila Nova, “é a confirmação da grande maturidade política e democrática do povo são-tomense”.
Para João Lourenço, ao eleger Carlos Vila Nova, o povo são-tomense depositou “um voto de confiança e de esperança num futuro de prosperidade, de progresso e de desenvolvimento” para São Tomé e Príncipe.
O Presidente angolano manifestou o desejo de os dois países continuarem “a trabalhar de forma unida, mantendo o diálogo construtivo que vem sendo estabelecido entre as duas nações, com a esperança de que as históricas relações de amizade e de cooperação existentes entre Angola e São Tomé e Príncipe se estreitem continuamente, em benefício do bem-estar e da prosperidade dos respectivos povos e países”.
Criada há 25 anos, a CPLP tem actualmente nove Estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial – cuja adesão, em 2014, criou polémica.
Teoricamente a CPLP tem como objectivos prioritários a concertação político-diplomática entre os seus estados membros, nomeadamente para o reforço da sua presença no cenário internacional; a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social; A materialização de projectos de promoção e difusão da língua portuguesa.
Triunvirato angolano dirige a CPLP
Desde 17 de Julho de 2021 a CPLP é dirigida por um triunvirato angolano. Assim, temos no comando da “coisa” o Presidente da República de Angola (João Lourenço), o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço)…
Alguém na CPLP quer saber que no país que agora irá presidir à organização, 70% da população é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo? Não, ninguém quer saber.
Alguém na CPLP quer saber que apenas 38% da população de Angola tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém na CPLP quer saber que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação que é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém na CPLP quer saber que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica (fome), sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém na CPLP quer saber que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo regime angolano para amordaçar os angolanos?
Alguém na CPLP quer saber que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém na CPLP quer saber que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir. E quando não têm justificação para tamanha cobardia, lá aparecem a inaugurar uma nova sede…
O moçambicano Tomaz Salomão, na altura em que foi secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), foi quem melhor definiu a realidade africana, definição essa que também se aplica à CPLP. Quando confrontado com a presença de muitos regimes ditatoriais disse: “São ditadores, mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
Admitimos que o Secretariado Executivo da CPLP esteja limitado nas suas funções porque tem de implementar as decisões da Conferência de Chefes de Estado e de Governo, do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Comité de Concertação Permanente. Se calhar é por isso que a CPLP não erra, ou erra pouco. De facto, nada melhor para não errar do que nada fazer.
Também não se percebe a razão pela qual a CPLP não age, apenas e quando calha reage. Não é por deixar de falar dos problemas que eles deixam de existir. Não nos recordamos, por exemplo, de ouvir a CPLP falar de Cabinda, embora saiba – pelo menos – que existe lá um problema. Tem preferido varrer o lixo para debaixo do tapete. No entanto, um dias destes, o tapete apodrece e o lixo volta a aparecer…
Em Abril de 2010, o secretário executivo da CPLP elogiou em Luanda o tema que seria proposto por Angola para a sua presidência da CPLP, a partir de Julho desse ano, a “Solidariedade na Diversidade”, por ser um dos princípios basilares da comunidade.
Domingos Simões Pereira, que estava em Angola para encontros com as autoridades do país no âmbito dos trabalhos preparatórios da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, reafirmou a “enorme expectativa que anima a preparação da próxima Cimeira”, tendo em conta que Angola irá assumir a presidência para os próximos dois anos. “Esperamos contar com a liderança das instituições angolanas no desenvolvimento dos programas e da agenda da CPLP”, disse.
Pois é. E Assim, a CPLP passou a ter (como volta a ter este ano) na presidência um país cujo presidente (o único da Lusofonia) não só não foi nominalmente como é, ao mesmo tempo, líder do partido no Poder vai para 46 anos (o MPLA) e Titular do Poder Executivo.
Folha 8 com Lusa