O maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola diz que tem de “ajudar” o partido no poder a ir “com tranquilidade” para a oposição. É a resposta da UNITA ao MPLA, que acusou a Frente Patriótica de não ter “propostas alternativas”.
Por Orlando Castro (*)
Reagindo ao comunicado do Bureau Político do MPLA, que afirma que “a Frente Patriótica Unida não tem propostas alternativas para Angola”, o líder do Galo Negro, Adalberto da Costa Júnior, e um dos integrantes da plataforma da oposição, diz que o partido no poder não está preparado para a democracia.
Não está, não quer estar e nunca aceitará estar. Para o MPLA a democracia significa existirem diversos partidos desde que, é condição “sine qua non”, só o MPLA fique no Poder.
“Nós temos que o ajudar a olhar com tranquilidade para alternância política, porque o MPLA está cansado. Dá notas claras, indicadores claros de que precisa efectivamente de ser ajudado a ir para a oposição”, sublinhou o presidente da UNITA durante a visita a Benguela.
Para o líder da oposição, “deve vir uma nova liderança que sirva melhor Angola e os angolanos, garantindo a todos estabilidade, respeito e acima de tudo a garantia do funcionamento de um Estado democrático e de direito”.
O novo projecto político Frente Patriótica Unida integra a UNITA, o Bloco Democrático e o PRA-JA Servir Angola, que procuram unir forcas para remover o MPLA do poder nas próximas eleições… se o MPLA as levar a efeito. Por regra, o MPLA só aceita eleições quando tem a certeza que as ganha folgadamente, nem que para isso ponha os mortos a votar e consiga ter mais votos do que eleitores inscritos.
Na visita de três dias a Benguela, Adalberto da Costa Júnior voltou a criticar a pobreza generalizada no país e afirmou que o desemprego e a falta de oportunidades são as bandeiras hasteadas pelo MPLA na província que, recorde-se, João Lourenço prometeu transformar na Califórnia de Angola, durante a campanha eleitoral de 2017.
“Encontrei uma província paupérrima, cheia de pobreza, com muita gente com fome, com falta de emprego e com muitos problemas que não se justificam”, afirmou Adalberto da Costa Júnior. “Este é um país que tem tudo para vencer”, acrescentou.
Em Julho de 2017, João Lourenço (então vice-presidente do MPLA, sucessor de José Eduardo dos Santos, general e ministro da Defesa), exigiu aos milhões de militantes e dirigentes do partido que trabalhassem em conjunto para uma vitória “retumbante”. Em boa verdade não precisavam de trabalhar muito. O resultado, como habitualmente, já estava determinado. Precisam apenas de fingir que trabalhavam. Em 2022, caso haja mesmo eleições, vai ser o mesmo. A máquina da fraude está na fase de afinação.
“Este é um ano de grandes desafios e, como sabemos, temos de enfrentar o pleito eleitoral, em Agosto do corrente ano. E para alcançarmos a vitória, uma vitória que seja retumbante, que esteja à dimensão dos 60 anos do nosso partido, é preciso que trabalhemos, que trabalhemos bem e bastante”, afirmou João Lourenço.
O MPLA tem muito mais do que 64 anos. Quando um dia os arautos do Boletim Oficial do regime (Jornal de Angola) escreverem a real história do partido veremos, sem margens para dúvidas, que Diogo Cão já era militante do MPLA. Ficaremos igualmente a saber que, ao contrário do que se propaga, quem é líder do partido não é o “escolhido de Deus” porque é, isso sim, o mais alto represente directo de deus na Terra ou, segundo outros, o próprio… deus.
“É preciso trabalharmos buscando objectivos muito concretos, trabalhando de forma colegial, porque sozinho ninguém alcança vitórias. Aqui não há milagreiros, como dizem os brasileiros”, disse ainda João Lourenço.
João Lourenço procurava assim, numa operação de marketing que embora importada cabia bem em Angola, dar a entender que o MPLA precisava de trabalhar para ganhar as eleições. Acontece que, como sempre, a vitória estava (como estará a próxima) garantida antes da votação só faltando, eventualmente, estabelecer as percentagens. Mas que ficou bem, isso ficou. Até dava a ideia de que Angola era o que não é: um Estado de Direito democrático.
João Lourenço acrescentou a convicção de que “mais uma vez” o MPLA iria “saber merecer a confiança do eleitorado, de uma forma geral a confiança dos cidadãos angolanos, que reconhecem em nós o único partido à altura de dirigir os destinos do nosso país”.
Foi verdade. É verdade. Será (sempre) verdade. O MPLA tem sempre a confiança dos eleitores, até mesmo dos que já morreram mas que, para o caso, eleitoralmente ressuscitam sempre. Também tem sempre o apoio daqueles que não vão votar mas cujo voto, por uma questão de educação patriótica, aparecerá na urna.
João Lourenço disse que 2017 era “um ano de trabalho, não é um ano de grandes discursos”, pelo que o patrão quer “ver acções concretas, muito trabalho” mesmo que isso implique fazer horas extraordinárias.
“Já sabemos que não vamos poder trabalhar como funcionários. Não há oito horas de trabalho. Vamos trabalhar quantas horas forem necessárias, para que consigamos obter os tais bons resultados, nas eleições”, disse o general.
A maioria do povo, os jovens revolucionários que pagaram com a vida, uns, barbaramente assassinados, Cassule, Kamulingue e Ganga e outros, 15+2 e ainda (muitos) outros pelas províncias, injustamente encarcerados nas fedorentas masmorras do reino, nunca teve dúvidas da batota fazer parte do ADN do regime, para manter o MPLA no poder.
O MPLA, seja com o actual João Lourenço ou outro qualquer João Lourenço, quer superar os 500 anos de colonização portuguesa em Angola, mostrando a todo o custo que “o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA”. Para isso, mantém com a força das armas e da fraude, a hegemonia nos órgãos do Estado que, ao fim e ao cabo, são todos os que têm poder de decisão.
O MPLA é, contudo, um partido medroso, cada vez mais medroso, que se pavoneia, por ter o controlo da máquina do Estado, que lhe permite escancarar os cofres públicos e de lá sacar (roubar) dinheiro para a sua maquiavélica empreitada.
O MPLA não está, nunca esteve, preparado para viver em democracia e, por essa via, aceitar mudanças. Mesmo que, numa hipótese remota, a máquina eleitoral do regime bloquear e não concretizar a fraude, dando assim a vitória a outro partido, o MPLA não só não aceitará, como em 1992, fez a UNITA, como também irá desencadear uma nova guerra, com suporte nos dois exércitos que têm, sob seu controlo, mais a (sua) Polícia Nacional.
O MPLA não se imagina, nem está preparado para viver, pacificamente, na oposição. Prova disso está o facto de, por exemplo, em 2017 a administradora da Samba, Mariana Domingos Francisco, e Paixão Júnior, terem divulgado dados que nem a Comissão Nacional Eleitoral tinha. Recordam-se?
Eles, voluntária ou involuntariamente, demonstraram porque delapidam os órgãos do Estado que dirigem ou dirigiram, sem que disso resulte consequências de índole criminal. Agem dolosamente, porque encaminham o dinheiro público para o partido no poder.
E porquê este raciocínio? Pela razão de no dia 21 e 22 de Outubro de 2016, numa clara demonstração de força e desrespeito para com a maioria dos angolanos, a administradora da Samba e (obviamente) dirigente do MPLA, Mariana Domingos Francisco, no noticiário da TPA ter afirmado que dos 35 mil cidadãos então registados no município que dirige, 70% eram militantes do MPLA.
Como é que ela sabia disso? Com que registos, se é o Ministério da Administração do Território que, inconstitucionalmente, está a dirigir o processo? Ou o ministério então dirigido por Bornito de Sousa encaminhava para todas as células do MPLA esses dados, que escondia à CNE?
Só pode ser esta a mais pura verdade, caso contrário não seria secundada por Paixão Júnior, que indo mais longe, afirmou sem pejo, estar o MPLA no bom caminho, se calhar no bom caminho da fraude e batota eleitoral, anunciando com “satisfação” que do total de cidadãos registados, 50%, são militantes do partido no poder.
Essas afirmações confirmam a lógica da batata na lei da batota anunciada. Assim, das duas uma. Ou os cidadãos registados vão com cartão do MPLA aos postos e isso dá-lhes vantagem contabilística ou o MAT, sorrateiramente, cometendo mais uma ilegalidade, informava o MPLA, o que deveria fazer à CNE.
Mas de uma coisa estamos seguros, todas as próximas eleições não vão ser nem justas, nem transparentes, pois toda a sua preparação continuará a ser batoteira, não sendo por acaso, que 99, 9% dos chefes dos postos de registo, continuarão a ser dirigentes e militantes do partido no poder.
João Lourenço e os direitos humanos
João Lourenço recusou no dia 17 de Setembro de 2015 as acusações sobre violação dos direitos humanos no país. E se então como ministro da Defesa era isso o que pensava, agora como presidente da República, mantém essa posição.
Na altura, João Lourenço recordou que os angolanos sentiram essas violações durante 500 anos de colonialismo português. Não precisava de ir tão longe. Bastava-lhe recordar o 27 de Maio de… 1977.
O governante discursava nesse dia em Ondjiva, capital da província do Cunene, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional do MPLA, feriado alusivo ao nascimento do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, referindo-se assim às críticas sobre violação de liberdades e direitos humanos, na altura feitas numa resolução aprovada pelo Parlamento Europeu.
“Nós, que ao longo de séculos, viemos lutando contra a violação dos direitos humanos, vocês aceitam que hoje nos queiram acusar de estarmos a violar os direitos humanos? Não, porque temos plena consciência que os que nos acusam não têm moral para nos vir dar aulas sobre esta matéria, que muito bem conhecemos”, começou por apontar João Lourenço.
Será que nós, angolanos como João Lourenço, também podemos afirmar que ao MPLA falta moral para atirar pedras aos outros quando tem no seu registo, no seu ADN, tudo o que fez no 27 de Maio de 1977, mas não só? O MPLA acha que não temos esse direito. Mas nós achamos que temos.
“Violação dos direitos humanos foi o colonialismo. Violação dos direitos humanos foi a escravatura que durou não escassos dias, nem meses, nem anos, mas sim séculos eternos. Isso sim é que foi a verdadeira violação dos nossos direitos”, enfatizou o então ministro, que discursava em representação do seu na altura idolatrado Presidente, José Eduardo dos Santos. Esqueceu-se, igualmente, de lembrar que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura que, contudo, regressou ao nosso país pela mão do MPLA em 11 de Novembro de 1975.
O Parlamento Europeu tinha nessa altura aprovado uma resolução sobre as “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação.
Aprovada em sessão plenária, em Estrasburgo, com 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções, a resolução, além das limitações de liberdades, notou o nível de corrupção e as deficiências no sistema anti-branqueamento de capitais em Angola.
Saberá, João Lourenço, que esses 550 votos a favor não foram só de eurodeputados portugueses?
Autora de um relatório sobre a matéria, que serviu para suportar a resolução, Ana Gomes (do PS, partido irmão do MPLA na Internacional Socialista) citou os vários casos e a sua visita a Angola para notar as crescentes “tensões sociais” por causa da crise económica e corrupção e como “povo angolano está cada vez indignado perante a pilhagem de recursos pela elite”.
“Sabemos bem o que é violar os direitos humanos. Não como resultado de uma visita fortuita de alguns dias que alguém faz a um país, onde até beneficia da tradicional hospitalidade africana, mas porque sentimo-la na carne e na alma, nos campos de algodão, nos campos de café, nas prisões ou nos porões navios negreiros para onde éramos empurrados que nem gado. Isso sim é violação dos direitos humanos”, criticou João Lourenço, aludindo à visita de Ana Gomes que agora tem um estatuto mais benevolente dentro do MPLA.
Pois é. E há quase 46 anos que os portugueses não mandam no nosso país. Então como estão as coisas, senhor presidente João Lourenço? É. Continuamos a ter escravos. Os colonialistas deixaram de ser os portugueses e passaram a ser os seus amigos e você próprio. O nosso povo continua, ou se calhar nem isso, a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refila.
Mencionando casos de jornalistas e activistas de direitos humanos, o PE manifestou a sua “profunda preocupação com o rápido agravamento da situação em termos de direitos humanos, liberdades fundamentais e espaço democrático em Angola, com os graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de independência do sistema judicial”.
“Violação dos direitos humanos é a forma como alguns países da União Europeia, não são todos, estão a tratar ainda hoje os refugiados emigrantes de países do Médio Oriente e de África, que eles mesmo desestabilizaram. Esquecendo-se que também foram emigrantes um dia, tal como estes a que tratam mal”, retorquiu João Lourenço, aludindo à crise de milhares de refugiados que então chegavam à Europa.
Já agora, senhor presidente, como é que o governo do MPLA trata, internamente, os angolanos? Sabemos que são angolanos de segunda categoria, mas são angolanos. São refugiados, são migrantes na sua própria terra. Isso deveria envergonhá-lo.
Por isso mesmo, diz João Lourenço, basta ver as imagens dos refugiados que tentam cruzar as fronteiras europeias e a forma como são tratados para responder à pergunta “quem viola os direitos humanos”. “A resposta está nessas imagens”, atirou.
Nós, senhor presidente João Lourenço, também temos por cá muitas dessas imagens. Imagens com a sua Polícia a descarregar violência não sobre emigrantes mas sobre o seu próprio povo. E não temos mais imagens porque, ao contrário desses países europeus, o seu governo impede os jornalistas de exercerem a sua função.
(*) Com DW